II Fórum Mundial de
Dislexia ocorre de hoje a quarta-feira, na UFMG. Especialistas
nacionais e internacionais discutem pesquisas, prevenção, diagnóstico e
tratamento da enfermidade
Lilian Monteiro
Estado de Minas: 17/08/2014A dislexia não é uma doença, mas sim um transtorno do desenvolvimento da linguagem que afeta a aprendizagem da leitura, da escrita e da soletração. É muitas vezes confundida com falta de interesse, desatenção ou preguiça. A falta de conhecimento ou precisão do diagnóstico penaliza muitas pessoas que, na verdade, precisam de ajuda e tratamento. “A dislexia é uma condição neurobiológica, pois é uma falha no processamento da informação no cérebro. De modo geral, ela está associada a dificuldades em outras áreas do desenvolvimento, como a concentração, a memória de trabalho e a capacidade de organização. Suas causas não estão relacionadas ao baixo desempenho intelectual, escolarização deficiente ou problemas motivacionais e familiares, apesar de poder surgir concomitantemente a esses fatores”, explica a doutora em psicologia cognitiva pela Universidade de Dundee, na Escócia, Ângela Maria Vieira Pinheiro, professora titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente do II Fórum Mundial de Dislexia (IIWDF), que começa hoje em Belo Horizonte.
Ela informa que pesquisas em diferentes países apontam que a prevalência da dislexia pode chegar a 10% da população, ou mais. Desse modo, cerca de 700 milhões de pessoas no mundo sofrem desta condição. “Vale destacar que o quadro irreversível é apenas para a parte neurológica da condição, uma vez que as suas manifestações comportamentais, tanto na linguagem falada quanto na escrita, podem ser prevenidas ou minimizadas”.
Promovido pela Dyslexia International, o Fórum Mundial é o segundo de uma série de cinco realizados em cada uma das cinco regiões designadas pela Unesco. O primeiro representou a Europa e América do Norte (França, 2010), o segundo a América Latina e o Caribe (BH, 2014) , sendo que os demais vão ocorrer na África (Maurício, 2016), Estados Árabes (2018) e na Ásia e Pacífico (2020). Na UFMG, o evento terá conferências, mesas redondas, grupos de discussão e workshops oferecidos por mais de 26 renomados pesquisadores internacionais, 15 pesquisadores nacionais e por autoridades educacionais. Um dos destaques será a sessão World Profile, na qual representantes de quatro das seis línguas oficiais da Unesco – árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol – apresentarão um relato dos trabalhos sobre “A melhor prática no ensino da leitura e da escrita”. “Outro ponto alto do evento será a apresentação dos resultados do curso Aprendizagem on-line, conhecimento básicos para professores. Dislexia, como identificar e o que fazer (confira a versão brasileira desse curso em dislexiabrasil.com.br).”
ORIENTAÇÃO Ângela Pinheiro explica que a prevenção da dislexia ocorre por meio de programas de orientação de pais sobre como estimular o desenvolvimento da linguagem falada de suas crianças desde o nascimento (bom exemplo é o projeto de extensão desenvolvido no ambulatório de crianças de risco – ACRIAR – no Hospital das Clínicas da UFMG na capital mineira e nos postos de saúde) e por meio da identificação precoce no ensino infantil com o auxílio de professores bem treinados para reconhecer os primeiros indícios de risco do transtorno. “Ambos, pais e professores, devem ser conscientizados sobre os seus papéis como os primeiros agentes na identificação dos fatores precursores das dificuldades de aprendizagem, especialmente da dislexia”, indica a professora.
A pesquisadora lembra que “a dislexia é o distúrbio (ou transtorno) do aprendizado mais frequentemente identificado na sala de aula. Está relacionado, diretamente, à reprovação escolar, sendo causa de 15% delas. Em nosso meio, entre alunos das séries iniciais (escolas regulares) têm sido identificados problemas em cerca de 8%”. Ela diz que concorda com os que dizem “que a condição pode atingir igualmente pessoas das raças branca, negra ou amarela, ricas e pobres, famosas ou anônimas, pessoas inteligentes ou mais limitadas”.
Serviço:
Evento: 2º Fórum Mundial de Dislexia (World Dyslexia Forum)
Local: UFMG, Avenida Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte
Data: 17 a 20 de agosto
Informações: www.wdf2014.com.br
Mitos e verdades
1) A dislexia é contagiosa? Não. Ela é usualmente hereditária.
2) Uma pessoa pode ser medianamente disléxica? Sim. Ninguém apresenta um quadro com todos os sinais de dislexia.
3) A dislexia é uma doença? Não, mas um transtorno de aprendizagem.
4) A dislexia pode passar sem que se tome alguma providência? Não. Quanto antes ela é identificada e são tomadas as medidas de tratamento, maiores podem ser os benefícios do tratamento.
Alguns sinais indicadores:
1) Pré-escola e pré-alfabetização: aquisição tardia da fala, pronunciação constantemente errada de algumas sílabas, crescimento lento do vocabulário, dificuldade em aprender cores, números e copiar seu próprio nome, etc.
2) Início do ensino fundamental, alfabetização: aprender o alfabeto, discriminar fonemas de sons semelhantes (t/d; g/j; p/b), diferenciação de letras com orientação espacial (d/b; d/p; n/u; m/u), orientação temporal (ontem – hoje – amanhã, dias da semana, meses do ano), etc.
3) Ensino fundamental: atraso na aquisição das competências da leitura e escrita, nível de leitura abaixo do esperado para sua série e idade, dificuldade de soletração de palavras, ler em voz alta diante da turma, supressão de letras (cavalo/caalo; biblioteca/bioteca; bolacha/ boacha), etc.
4) Ensino médio: podem ter dificuldade em aprender outros idiomas, leitura vagarosa e com muitos erros, permanência da dificuldade em soletrar palavras mais complexas, atenção demasiada a pequenos detalhes, vocabulário empobrecido e criação de subterfúgios para esconder sua dificuldade, etc.
5) Ensino superior, universitário: letra cursiva, planejamento e organização, dificuldade com horários (adiantam-se, chegam tarde ou esquecem), falta do hábito de leitura e normalmente têm talentos espaciais (engenheiros, arquitetos, artistas), etc.
Personagem da notícia
Giuliano Gomes, empresário, 35 anos
Incentivo à leitura
O empresário Giuliano Gomes conta que descobriu a dislexia no ensino fundamental. “Tomei bomba em português e minha mãe, preocupada, foi pesquisar o por quê”. Ele revela que “entendia e falava bem, mas trocava as letras na hora de escrever. Principalmente, o p com o b e o t com o d”. Na época, a mãe o levou para um psicólogo. “Lembro que passei a treinar muito ditado e leitura. Minha mãe me incentivava a ler. Ela me acompanhou de perto e me fez criar o hábito da leitura, o que me ajuda muito e vai me acompanhar por toda a vida.” Giuliano afirma que até hoje tem dificuldade, mas lida muito bem com o distúrbio. “Ao escrever e-mails e mensagens, me habituei a ler, reler, dar uma pausa e ler de novo. Às vezes, passa algum erro. Tenho de prestar muita atenção.” Ele conta que nunca sofreu preconceito por causa da dislexia e encara numa boa e com naturalidade “algumas brincadeiras dos amigos, que ligam e me perguntam o que quis dizer num e-mail”. Além de ler e se forçar a escrever, Giuliano explica que encontrou outro caminho para conviver, numa boa, com o transtorno. “Ao longo dos anos, criei meios para facilitar minha vida. Passei a prestar mais atenção em tudo e procuro associar uma palavra a outra.”
Um distúrbio de múltiplas facetas
A psicóloga Ângela
Maria Vieira Pinheiro ressalta que existem algumas explicações, não
mutuamente excludentes, para as causas da dislexia, já que é um
transtorno com múltiplas facetas. Entre elas, “fatores nutricionais
durante a gravidez da mãe e na primeira infância da criança, bem como a
resistência imunológica do feto. Pesquisas demonstram uma carga
genética. Na mesma família, se um dos membros tem dislexia, há uma
probabilidade de 50% que um dos seus parentes próximos também seja
disléxicos”, diz. No entanto, isso não significa que as duas pessoas
exibirão os mesmos traços, nem que terão o mesmo grau, já que o
transtorno pode variar de leve a severo. “Outra hipótese, que não é
incompatível com as anteriores e que é defendida pelo professor
Stanislas Dehaene (um dos ilustres palestrantes do IIWDF), é que os
neurônios que formam os caminhos entre as regiões cerebrais envolvidas
na leitura não se desenvolveram e não se moveram para suas posições
normais por causa de uma codificação genética defeituosa”, acrescenta.
A professora ensina ainda que as alterações ocorreriam em um gene do cromossomo 6. “A dislexia, em nível cognitivo-linguístico, reflete um déficit no componente específico da linguagem, o módulo fonológico, implicado no processamento dos sons da fala.” Ângela conta também que um gene recentemente relacionado com a dislexia foi chamado de DCDC2. “Segundo Jeffrey R. Gruen, geneticista da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, ele é ativo nos centros da leitura do cérebro humano. Outro gene, chamado Robo1, descoberto por Juha Kere, professor de genética molecular do Instituto Karolinska de Estocolmo, é um gene de desenvolvimento que guia conexões, chamadas axônios, entre os dois hemisférios do cérebro.”
A presidente do fórum avisa que a avaliação final deve ser feita por uma equipe multidisciplinar que inclui psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo e clínico, que pode solicitar encaminhamento a neurologista, oftalmologista e outros especialistas, conforme o caso. Ângela enfatiza que “não existe teste único de dislexia, mas um conjunto de provas que cognitivas, de inteligência, memória auditiva e visual, fluência verbal, sequenciamento, testes com novas tecnologias, entre outros”. O tratamento é individualizado, de acordo com cada caso, para ter abordagem eficaz. “O profissional usa a linha terapêutica que achar mais conveniente e os resultados surgem de forma progressiva.”
O PAPEL DO PROFESSOR Ângela destaca que o professor tem papel crucial na identificação de crianças com dislexia. “Quando bem treinado, ele pode fazer uma avaliação informal da leitura da criança por meio de tarefas de consciência fonológica, de leitura e soletração de palavras e pseudopalavras e de compreensão de textos. E com a avaliação informal, ele deve passar a suspeita para um profissional qualificado.” Ela adverte que “a intervenção deve envolver o desenvolvimento da consciência fonológica (especificamente, a consciência dos fonemas) e ensino explícito e intensivo da leitura e da escrita por um método fônico em que as letras e os dígrafos são associados aos seus sons correspondentes (fonemas) e vice-versa, por meio de estratégias multissensoriais.
“A boa notícia é que é possível ensinar a quase todos os tipos de crianças a aplicar o princípio alfabético – o conhecimento de que as letras que formam as palavras escritas representam os sons da fala – para decodificar novas palavras.” Quanto à prevenção, Ângela diz que a prática de cursos de treinamento para pais pode evitar que condição seja identificada só na pré-escola. “É importante cultivar pequenos leitores desde o nascimento. Cerca de 50% da habilidade verbal de uma criança é proveniente da genética, os outros 50% são atribuídos ao conhecimento adquirido no ambiente, sendo grande parte desse conhecimento aprendido em casa.”
A professora ensina ainda que as alterações ocorreriam em um gene do cromossomo 6. “A dislexia, em nível cognitivo-linguístico, reflete um déficit no componente específico da linguagem, o módulo fonológico, implicado no processamento dos sons da fala.” Ângela conta também que um gene recentemente relacionado com a dislexia foi chamado de DCDC2. “Segundo Jeffrey R. Gruen, geneticista da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, ele é ativo nos centros da leitura do cérebro humano. Outro gene, chamado Robo1, descoberto por Juha Kere, professor de genética molecular do Instituto Karolinska de Estocolmo, é um gene de desenvolvimento que guia conexões, chamadas axônios, entre os dois hemisférios do cérebro.”
A presidente do fórum avisa que a avaliação final deve ser feita por uma equipe multidisciplinar que inclui psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo e clínico, que pode solicitar encaminhamento a neurologista, oftalmologista e outros especialistas, conforme o caso. Ângela enfatiza que “não existe teste único de dislexia, mas um conjunto de provas que cognitivas, de inteligência, memória auditiva e visual, fluência verbal, sequenciamento, testes com novas tecnologias, entre outros”. O tratamento é individualizado, de acordo com cada caso, para ter abordagem eficaz. “O profissional usa a linha terapêutica que achar mais conveniente e os resultados surgem de forma progressiva.”
O PAPEL DO PROFESSOR Ângela destaca que o professor tem papel crucial na identificação de crianças com dislexia. “Quando bem treinado, ele pode fazer uma avaliação informal da leitura da criança por meio de tarefas de consciência fonológica, de leitura e soletração de palavras e pseudopalavras e de compreensão de textos. E com a avaliação informal, ele deve passar a suspeita para um profissional qualificado.” Ela adverte que “a intervenção deve envolver o desenvolvimento da consciência fonológica (especificamente, a consciência dos fonemas) e ensino explícito e intensivo da leitura e da escrita por um método fônico em que as letras e os dígrafos são associados aos seus sons correspondentes (fonemas) e vice-versa, por meio de estratégias multissensoriais.
“A boa notícia é que é possível ensinar a quase todos os tipos de crianças a aplicar o princípio alfabético – o conhecimento de que as letras que formam as palavras escritas representam os sons da fala – para decodificar novas palavras.” Quanto à prevenção, Ângela diz que a prática de cursos de treinamento para pais pode evitar que condição seja identificada só na pré-escola. “É importante cultivar pequenos leitores desde o nascimento. Cerca de 50% da habilidade verbal de uma criança é proveniente da genética, os outros 50% são atribuídos ao conhecimento adquirido no ambiente, sendo grande parte desse conhecimento aprendido em casa.”
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