Zero Hora 17/08/2014
Outro dia escutei uma mulher separada decretar o fim da mesmice:
resolveu se esbaldar na vida. Disse ela que não queria mais saber de
relação fixa e que saía quase todas as noites a fim de se divertir
apenas. Tem conhecido muitos caras diferentes, com alguns chega às vias
de fato, e é isso aí, adeus à monotonia.
Mas o olhar dela não soltava faíscas, ao contrário, parecia bem opaco.
Naquele momento, lembrei uma frase do blog de um amigo paulista, o
Eduardo Haak. Ele recentemente escreveu: “Nada é mais invariável do que
as supostas variedades”. De primeira, quando li, me bateu uma
estranheza, fiquei na dúvida se ele estava sendo irônico ou o quê, até
que, ouvindo a moça baladeira contar de seus recordes de revezamento, me
dei conta de que a situação dela era ilustrativa: toda variação que se
torna sistemática também é mais do mesmo.
Ou seja, nada impede que a busca de um amor a cada sexta-feira se
torne uma situação igualmente sujeita ao tédio. Virar refém da variedade
pode ser uma atitude tão rotineira quanto dedicar-se a uma única pessoa
por anos – arrisco até dizer que, ao dedicar-se a uma única pessoa, a
chance de se ter uma vida mais dinâmica dispara.
Por quantas fases passa uma relação? O frio na barriga inicial, a
paixão febril, as surpresas a cada nova revelação, as descobertas feitas
a dois, a aproximação dos corpos, a intimidade cada vez maior, os
amigos e a família agregando-se, cada viagem uma lua de mel, a troca de
confidências, as diferenças aparecendo, os acordos feitos para manter a
coisa funcionando, ajustes necessários, a paixão virando amor, a
segurança da companhia um do outro, as fotografias se acumulando, planos
sendo feitos a longo prazo, a primeira briga, as saudades, a
consciência de que aquela pessoa é essencial, o reatamento, as juras, os
cuidados para que não desande nunca mais, todos os cinemas, cafés da
manhã, leituras compartilhadas, risadas, os comentários de fim de festa,
as piadas internas, a confiança, os cafunés, os pedidos de conselho, a
hora de ser amigo, a hora de ser bandido, o sexo evoluindo, o amor se
fortalecendo, a passagem do tempo trazendo novos desafios, o orgulho
pelo que está sendo construído, os estouros, os gritos, os beijos de
novo... ufa, alguém aí me alcança um copo d’água?
Amar não é para amadores, e quando a relação é honesta, sólida e os
protagonistas têm algum tutano, duvido que o enfado dê as caras.
É a variedade de parceiros que evita o aborrecimento? Nunca
funcionou comigo. Nem no amor, nem fora dele. A alucinada atualização de
notícias, a velocidade das redes sociais, os dias pulsando em ritmo
supersônico, tudo o que não permite foco e entrega, hoje em dia, só me
causa bocejos. Aprofundar-se é que é a verdadeira vertigem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário