Zero Hora 10/08/2014
Dia desses, eu ouvi que sou um homem moderno porque cuido dos meus
filhos. E minha ex disse que é uma mulher moderna e, por isso, não pode
gastar seu tempo cuidando das crianças, ela tem sonhos a alcançar. É tão
estranho. Uns são modernos porque fazem e outros porque deixam de fazer
a mesma coisa. Como explicar isso para os meninos?”
É um dos depoimentos que compõem o livro Filhos do Pai, de Valeria
Santoro e Ana Paula Junqueira. Eu poderia ter selecionado qualquer
outro, mas esse me pareceu bem representativo do que anda acontecendo:
um contrafluxo. Mulheres saindo para caçar seu sustento e homens
retornando para o interior das cavernas. Uma troca salutar de papéis,
desde que a inversão não se polarize, agora de forma oposta. Perfeito
seria que homens e mulheres negociassem a distribuição do seu tempo a
fim de não prejudicar a criação dos filhos, ainda mais durante a
primeira infância. Como tudo na vida, o parâmetro é o bom senso.
O livro da Valéria e da Ana Paula mostra uma revolução visível,
ainda que silenciosa: os homens estão cobrindo nossas ausências.
Cozinham mais, se envolvem mais com os afazeres domésticos, começam a
expor mais seus sentimentos e, para o bom equilíbrio emocional da
família, abandonaram a posição de pais distantes e agora tomam conta da
gurizada com o afeto e o cuidado que antes era exclusividade feminina da
casa.
Ganham todos, de todos os lados.
Os depoimentos mostrados em Filhos do Pai privilegiam histórias de
abandono de lar por parte da mãe, viuvez e outras situações em que não
resta alternativa a não ser o homem assumir integralmente o cuidado com o
filho. No entanto, essa súbita mudança que parece aterrorizante no
início se transforma numa experiência de entrega e amor que ele próprio
não se julgava capaz. É nessa condição que o livro se torna emocionante:
homens amplificam o significado de suas vidas quando deixam de amar à
distância para mergulhar num convívio de absoluto envolvimento e
responsabilidade (que, não custa lembrar, também aterroriza mães de
primeira viagem, porém a elas nunca coube escolha).
A boa notícia é que as mulheres não estão precisando sumir do mapa
ou morrer para que os homens assumam o compromisso de criar seus filhos:
a sociedade atual vem introduzindo naturalmente a divisão proporcional
de papéis. E a notícia melhor ainda: os homens estão gostando.
Sempre se valorizou mais o Dia das Mães do que o Dia dos Pais, não
pela intensidade do amor de um e de outro, mas pela intensidade do
comprometimento. Pois que a data de hoje passe a ser tão celebrada
quanto a de maio, e que os filhos dos novos pais mantenham essa mesma
dedicação quando chegar a vez deles.
Que essa modernidade dure séculos - ou ao menos até a próxima revolução de costumes.
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