segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Quanto menos cor, melhor‏

Quanto menos cor, melhor 
 
Pesquisadores da UFMG desenvolvem uma forma mais simples, barata e rápida de medir a quantidade de corantes artificiais presentes em bebidas e balas 
 
Paula Carolina
Estado de Minas: 01/09/2014


Scanner leva apenas um minuto para mandar as figuras das amostras para o computador, enquanto no método tradicional gastam-se 15 ( Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Scanner leva apenas um minuto para mandar as figuras das amostras para o computador, enquanto no método tradicional gastam-se 15
Imagens geradas por equipamentos de baixo custo, como scanners e aparelhos de telefone celular, são essência de pesquisa de alunos de mestrado, doutorado e iniciação científica do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O objetivo dos trabalhos, cuja linha de desenvolvimento é a aplicação da quimiometria (área em que se aplicam estatísticas multivariadas em dados químicos), é, por meio das imagens obtidas e analisadas em softwares específicos, saber a quantidade de corantes presentes em bebidas e balas. O método, que pode ser aplicado na indústria, desde que haja profissionais qualificados, é mais econômico, rápido e simples.

Como parte do trabalho de doutorado, o engenheiro de alimentos Bruno Gonçalves Botelho, com a ajuda da aluna de iniciação científica Luciana de Paula Assis, e sob a orientação do professor Marcelo Martins de Sena, mestre e doutor em química analítica, decidiu verificar a quantidade do corante amarelo crepúsculo (sunset yellow) presente em refrigerantes do tipo Fanta laranja e isotônicos da mesma cor. Foram usadas somente bebidas em que esse é o único corante adicionado. O projeto foi financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Bioanalítica (INCT-Bio/CNPq) e pelos programas Pronoturno e de recém-doutores das pró-reitorias de Graduação e de Pesquisa da UFMG, respectivamente.

“A linha de pesquisa é o uso da quimiometria aplicada na química analítica, que tem a preocupação de desenvolver métodos de análise que sejam mais baratos, mais rápidos e mais simples”, afirma o professor Marcelo Martins de Sena. No caso da verificação de presença dos corantes, ele ressalta a importância da parte econômica: enquanto um scanner custa cerca de R$ 200, os equipamentos usados no método tradicional, espectrofotômetro e cromatógrafo, têm preço em torno de R$ 30 mil e R$ 300 mil, respectivamente.

E não é só isso. “No método tradicional, é preciso usar solvente para separar o corante. Isso gera um resíduo, que depois tem que ser descartado. Como, no método que usamos, a separação é feita pelo computador depois da leitura das imagens, não há resíduo, o que é uma vantagem também ecológica, e nem ocorre a destruição do material pesquisado, que é preservado”, continua Bruno. “Aliás, quanto menos se manipula a amostra, melhor e menor a chance de erro”, acrescenta. Economia e tempo também estão relacionados: “A rapidez reflete-se no que seria o preço final da análise, com economia de mão de obra. Para escanear leva-se um minuto, enquanto no cromatógrafo gastam-se 15”, compara.

Amostras Foram usadas 83 amostras de 25 marcas de refrigerantes e isotônicos semelhantes, sendo que, de cada uma, foram analisadas cerca de três amostras de lotes diferentes. No caso dos refrigerantes, o primeiro passo foi colocar as amostras em um aparelho de ultrassom para que fosse retirado o gás (os isotônicos não precisam). Em seguida, foram distribuídas em placas de petri (recipientes usados em cultura de micro-organismos) e colocadas em uma bandeja para serem levadas ao scanner. Pronto. “A separação física foi substituída pela separação matemática”, explica Bruno. E o restante ficou por conta do computador, ou melhor, do recorte e análise das imagens com a aplicação de complexos recursos de álgebra e matemática aplicados à química. Claro que só foi possível graças ao conhecimento e domínio dos softwares pelos pesquisadores. Essa, aliás, é a grande dificuldade da indústria para uso desse tipo de método, segundo o professor e orientador da pesquisa. “Falta mão de obra qualificada para a interpretação dos dados”, ressalta Marcelo.

Os dados obtidos foram confrontados com o método tradicional de uso do cromatógrafo, sendo compatíveis, respeitando-se a margem de erro permitida, que, para o caso, é entre menos de 20% e mais de 10%. Todas as bebidas analisadas estavam dentro do padrão aceito pela legislação brasileira. Aliás, foi detectada a presença do corante em índices muito inferiores ao máximo permitido. Do amarelo crepúsculo, segundo Bruno, são permitidos 100 miligramas (mg) de corante por litro da bebida e, em nenhuma, esse valor passou da metade. Uma curiosidade foi que as marcas menos conhecidas de refrigerante foram as que apresentaram maior quantidade de corante na bebida. Nos isotônicos, o índice foi bem baixo: entre 7mg e 10mg.

Os pesquisadores acrescentam, porém, que o baixo teor de corantes em relação ao permitido por lei não é motivo para comemoração, já que existem grandes discussões com o objetivo de tornar a legislação brasileira mais rígida. “A questão é estética e isso tem que ser discutido do ponto de vista toxicológico. Se a Fanta laranja fosse transparente, o gosto seria o mesmo”, pondera a química Kele Cristina Ferreira Dantas, mestranda em química analítica, que também participou do trabalho.

celular Dando continuidade, Bruno pesquisou o teor do corante vermelho 40 presente em balas do tipo Ice Kiss, dos sabores morango, cereja e tutti-frutti. Nessa fase, a dificuldade foi pensar uma maneira de obter as imagens, já que a bala, no estado sólido, não teria como ser escaneada da mesma forma. “Então, resolvi usar o celular para fazer a foto da bala e, a partir daí, usar o mesmo método”, afirma. Para garantir a qualidade da imagem e em igualdade de condições para todas as balas, Bruno criou uma caixa preta, com espaço para colocação do produto e acesso à câmera do celular. Aí, foi só repetir o processo de análise das imagens por computador. Da mesma forma, os dados obtidos foram confrontados com o método tradicional, dentro da margem de erro aceitável, em torno de 10%. Do vermelho 40 são aceitáveis até 300mg por quilo de bala e em nenhum das balas analisadas foram detectados mais de 100mg.

Amarelo Depois de participar como ajudante na pesquisa de Bruno, a química Kele Cristina Ferreira Dantas decidiu, para o desenvolvimento de sua dissertação de mestrado em química analítica, pesquisar bebidas com a presença de dois corantes: o amarelo crepúsculo e a tartrazina, de tom amarelo-claro. Juntos, os dois corantes são encontrados em refrigerantes e isotônicos cítricos como a Fanta maracujá e refrigerantes de maçã. A pesquisa ainda está em andamento e o objetivo é ver se o método criado funciona também quando existe a presença de dois corantes.
O professor Marcelo Martins orienta os estudantes   Kele Cristina (mestrado) e Bruno Gonçalves (doutorado) em seus trabalhos   ( Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
O professor Marcelo Martins orienta os estudantes Kele Cristina (mestrado) e Bruno Gonçalves (doutorado) em seus trabalhos

Alguns são permitidos

A Resolução 44 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos (CNNPA), do Ministério da Saúde, de 1977, com algumas alterações e acréscimos da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 5/2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), regulamenta o uso de corantes em alimentos e bebidas no Brasil. Entre os corantes orgânicos sintéticos artificiais (caso dos analisados na pesquisa, pois há também os corantes naturais), são permitidos atualmente: amarelo crepúsculo, tartrazina, azul brilhante FCF, indigotina, amaranto, eritrosina, ponceau 4 R, vermelho 40, azorrubina, verde rápido e azul patente V. Os três últimos, conforme explica a professora de ciência de alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp Helena Teixeira Godoy, não fazem parte da legislação brasileira, mas foram acrescentados em função do Mercosul e da consequente entrada de produtos dos países-membros no Brasil. Ela explica que, caso a indústria brasileira queira usá-los, basta pedir autorização à Anvisa. Os corantes sintéticos são frequentemente tema de pesquisas sobre o possível grau de nocividade à saúde. Alguns como o amaranto e o ponceau 4 R já foram banidos em países como os EUA. Problemas como hiperatividade e até câncer são ligados ao uso de corantes em alimentos. No entanto, a professora Helena ressalta que os estudos são controversos e até hoje ainda não existe comprovação dos males que causam à saúde, daí o fato de ainda serem permitidos não só no Brasil mas em muitos países.

Nenhum comentário:

Postar um comentário