sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O mestre Aires - Carlos Herculano Lopes

Na época, o professor Aires, que nasceu em 1909, na mesma cidade que JK, ainda era colunista do jornal

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 10/10/2014


Relendo estes dias Arraial do Tejuco, cidade de Diamantina, de Aires da Matta Machado Filho, edição de 1945 ainda muito bem conservada, que ganhei de presente do livreiro Amadeu, então dono de famoso sebo (um dos mais tradicionais de BH), lembrei-me do velho mestre, com quem tive certa convivência quando entrei para o Estado de Minas, no fim dos anos 1970. Na época, o professor Aires, que nasceu em 1909, na mesma cidade que JK, ainda era colunista do jornal.

Num artigo autobiográfico, ele escreveu: “Em 1933, inventei a coluna ‘Escrever certo’, no Estado de Minas. Aí, pela forma ao meu limitado alcance, tenho dado vazão ao espírito público, procurando ajudar os que não puderam ter escolaridade completa...”. A coluna do mestre, como ocorre com a de Dad Squarisi, servia como referência para milhares de pessoas quando o assunto era a língua portuguesa, da qual ele entendia como poucos. De sua autoria, entre tantos outros, continuam sendo consultados livros como Pequena história da língua portuguesa e Dicionário popular e didático da língua portuguesa.

Todas as semanas, o velho mestre, que também era filólogo e linguista, com um passo miúdo e meio inseguro, devido a um sério problema de visão que o acompanhava desde a infância, ia à redação do jornal, na Rua Goiás, para levar o seu artigo, de vez em quando escrito à mão. Algumas vezes, cheguei a datilografá-lo para ele, assim como a ajudá-lo a subir e descer as estreitas escadas do velho prédio.

Foi professor de filosofia e letras na PUC Minas, catedrático na Faculdade de Filosofia da UFMG, pertenceu à Academia Mineira de Letras (AML) e ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Era irmão do professor de direito Edgard da Matta Machado, um bamba no assunto, e morreu tragicamente num acidente de carro, em 1985, quando voltava de um sítio em Sete Lagoas. Em 26 de fevereiro de 1989, quando o velho mestre completaria 80 anos, Carlos Drummond de Andrade, de quem era amigo, publicou no Estado de Minas o poema Em louvor ao mestre Aires: “O Aires dos ares bons/ Da linguagem/ e do machado que não mata/ mas desbasta e aparelha/ a fina palavra/ Diamantina...”. Não sei se saiu em algum livro.

Se escrevo tudo isso sobre o mestre Aires é para também lembrar um caso que o próprio, dando boas risadas, uma tarde contou para nós na redação do EM. Estava ele num ponto de ônibus na Rua da Bahia, quase esquina da Avenida Augusto de Lima, em frente à então Gruta Metrópole, à espera do lotação que o levaria ao Bairro Santo Antônio. Devido à visão quase nenhuma, precisava que alguém falasse para ele a hora em que o ônibus estivesse chegando, para então dar o sinal e seguir viagem.

Ocorreu de pedir auxílio a um homem simples, que também esperava pelo transporte, e nem de longe poderia imaginar estar ao lado de uma das maiores autoridades do país sobre a língua portuguesa. “Meu amigo, preciso de uma gentileza sua”, lhe disse o professor: “Quando o Floresta-Santo Antônio estiver chegando, você me avisa?”. Ao que o outro, sem se fazer de rogado, respondeu de pronto: “Seu moço, o senhor me desculpe não poder te ajudar, é que eu também sou analfabeto”.  

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