O Globo 11/01/2015
O músico uruguaio Socio compôs uma balada linda que se chama “Fan de Faith no More” e que escuto com frequência, apesar de uma parte da letra me intrigar. Lá pelo meio da canção, ele diz que “pensar nunca funcionou”, e a cada vez que ouço esse verso, penso: não, Socio, não é bem assim.
Logo me ocorrem várias experiências que vivi que só foram compreendidas através do pensamento, e todas as boas conversas que tive com amigos e que resultaram em mudanças de pensamento, e tudo o que escrevi movida pelos meus pensamentos, e todas as noites em que perdi o sono por causa dos meus pensamentos, e todos os filósofos que formataram e deram sentido aos meus pensamentos, e todas as consultas no psicanalista em que meus pensamentos foram cirurgicamente dissecados, e todas as discussões que brotaram porque meus pensamentos não combinavam com os dos outros, e todas as escolhas que fiz só depois que o meu pensamento autorizou, sem falar na superioridade que o ser humano se outorga por ter o privilégio de pensar e os bichos não.
Com que topete vem alguém dizer que pensar nunca funcionou?
A maior prova de que pensar funciona é que depois de muito pensar nesse verso acabei chegando à conclusão de que ele revela uma verdade, só que foi mal transmitida.
A maior prova de que pensar funciona é que depois de muito pensar nesse verso acabei chegando à conclusão de que ele revela uma verdade, só que foi mal transmitida.
Pensar demais nunca funcionou. Faltou o advérbio de intensidade.
Pensar, a gente pensa mesmo que não queira. Estamos condenados à atividade cerebral, cada um fazendo bom uso ou mau uso dos neurônios que têm. Não é a isso que Socio se refere na música, imagino. Ele se refere a pensar demais. O demais ficou subentendido, é o que deduzo. Pensar demais é uma insanidade, o que explica o fato de nós, mulheres, sermos todas meio dementes. Pensar demais é um autoboicote, pois depois que se atravessa a fronteira do pensamento controlado e se entra no território do pensamento obsessivo, a cabeça da criatura começa a fundir e a soltar fumacinha, até a explosão final.
Pensando demais, a gente ultrapassa a sensatez e vai dar numa zona de turbulência que faz alguns parafusos se soltarem da fuselagem. A coerência desaparece e a fantasia assume o manche. Deveria haver uma sinalização de alerta quando a gente começa a pensar demais: desastre a cem metros, desastre a 50 metros, desastre na próxima curva — pare!
Pensar demais é desperdiçar um tempo em que você poderia estar amando demais, se divertindo demais e levando a vida a sério de menos. É uma corrida em que sempre se passa voando pelo ponto de chegada, indo mais longe do que o necessário. É não ter freio para evitar o descarrilamento de ideias que nunca serão recolhidas, ficarão largadas na pista, sem dono.
Pensar demais é um convite ao desatino.
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