quinta-feira, 29 de novembro de 2012

CIÊNCIA » O fracasso de Kyoto - Max Milliano Melo

Artigos publicados na revista Nature aponta que o protocolo criado para combater o aquecimento global falhou. Emissões de gases do efeito estufa aumentaram 

Max Milliano Melo
Estado de Minas: 29/11/2012 

“O aquecedor está ligado.” A frase estampada na capa da edição de hoje da revista Nature anuncia, com base em uma série de artigos, o fracasso do Protocolo de Kyoto em conseguir reduzir as emissões globais de gases causadores do efeito estufa, apesar de todo o esforço empregado em sucessivas reuniões de cúpula dedicadas ao tema. O alerta de uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo é feito no momento em que, mais uma vez, líderes políticos tentam chegar a um acordo para prorrogar a validade do protocolo, previsto para expirar no próximo mês, durante a 18ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP18), em Doha, no Catar.

Segundo Dieter Helm, professor de Políticas Energéticas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, embora o principal alvo de Kyoto tenha sido reduzir os níveis de CO2 e demais gases que agravam o aquecimento global, as emissões permanecem em uma curva ascendente. “Elas passaram de quase 2 partes por milhão (ppm) por ano, no início de 1990, para quase 3ppm atualmente”, informa o especialista, para quem a situação deve piorar ainda mais.

“O grande problema de Kyoto é que ele leva em consideração apenas a produção de carbono, e não a emissão”, afirma o britânico. A distorção nos cálculos favorece o lançamento de uma quantidade maior de carbono na atmosfera. “O aquecimento global não leva em conta as fronteiras nacionais. Se um consumidor dos Estados Unidos compra um carro, pouco importa se o aço dentro dele é feito lá ou na China”, prossegue. “A diferença entre a produção de carbono e o consumo de carbono não é trivial. Veja o Reino Unido: de 1990 a 2005, a sua produção de carbono caiu cerca de 15%, mas o consumo subiu aproximadamente 19%, quando se leva em conta o carbono embutido nas importações.” O que ocorreu, portanto, segundo o especialista, foi uma transferência das emissões, desvirtuando a intenção do protocolo.

Se o atual acordo é falho, a elaboração de um substituto é ainda mais problemática. “Na COP de Durban, em dezembro de 2011, o máximo que se conseguiu foi que os países participantes concordassem que até 2015 haverá um acordo sobre o que eles podem fazer depois de 2020”, lamenta o britânico. 

Mercado Outro aspecto do protocolo que falhou em seus objetivos e deve criar um panorama tenebroso para o mundo nos próximos anos é o mercado global de carbono. Segundo o que foi projetado em 1997, os países poderiam colocar um preço nas emissões — ou em seus cortes — e negociá-las entre si. Até o início dos anos 2000, o mercado estava prestes a se tornar uma realidade, mas uma sequência de acontecimentos minou o projeto.

O primeiro deles foi a eleição de George W. Bush, um forte crítico do protocolo, que presidiu os EUA entre 2001 e 2009. Contudo, outros fatores, além da resistência da maior economia e maior poluidor do mundo, outros pontos contribuíram para o fracasso. “A crise de crédito colocou instrumentos de negociação complexos em descrédito. A European Union Emissions Trading Scheme (EU ETS) se viu envolta em escândalos, como o roubo de licenças de emissão e fraudes fiscais”, enumera Michael Grubb, pesquisador da Universidade de Cambridge, também no Reino Unido. Assim, questões financeiras e políticas formaram um gargalo para o crescimento do mercado mesmo na Europa, região que tem se mostrado mais flexível à adoção de mecanismos de redução das emissões.

Em um dos artigos que compõem o especial da Nature, Grubb explica que, embora a questão tenha ganhado novo fôlego nos EUA, no período pós-Bush, a crise econômica atuou como freio na região. “Criou-se o consenso de que os Estados Unidos não teriam estômago para precificação do carbono — o público nunca aceitaria uma tributação”, conta. Sem um mercado grande, o comércio de carbono viu seus preços despencarem. Atualmente, o certificado para emissão de 1t de carbono custa tão pouco que é mais barato pagar por ele do que investir em tecnologias verdes.

Apesar do pessimismo generalizado, Grubb elenca três passos necessários para colocar as medidas de combate às mudanças climáticas de volta nos trilhos. O primeiro seria a inclusão dos Estados Unidos nos esforços globais para a redução das mudanças climáticas. Outro ponto seria o fortalecimento do comércio global de carbono. Por fim, o britânico defende que as nações mais pobres passem a investir em economia verde. “Os países em desenvolvimento devem parar de apontar a responsabilidade das mudanças climáticas para os países ricos e focar seu desenvolvimento em tecnologias limpas”, completa.

Boas e más notícias

Poucas notícias vêm de Doha, no Catar, cidade sede da 18ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP18). Esvaziada em um momento crucial, quando precisa discutir a prorrogação do Protocolo de Kyoto, documento assinado em 1997 e que expira no fim de dezembro, a conferência mantém expectativas modestas. Os primeiros dias foram pontuados por algumas boas notícias locais, e outras más, de caráter mundial.

Se na terça-feira o Brasil foi o único a receber aplausos, após anunciar a redução de 27% no ritmo de desmatamento da Amazônia, ontem foi a vez de o país anfitrião, receber elogios. Em seu discurso, Fahad bin Mohammed al-Attiyah, presidente do programa de segurança alimentar do Catar, afirmou que o país está preocupado com as questões ambientais. “O governo está preparado para tomar decisões no sentido de reduzir o seu impacto ambiental e fomentar projetos sustentáveis”, afirmou. O discurso é considerado um avanço, visto que o país é o maior poluidor per capita do mundo. Segundo o Banco Mundial, cada habitante do Catar emite cerca de 49,1t de carbono por ano.

Ações pontuais, porém, não são suficientes para resolver um problema global. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) informou ontem na COP18 que 2012 foi marcado por calor recorde e degelo no Ártico também sem precedentes. A temperatura terrestre e na superfície dos oceanos ao longo dos 10 primeiros meses do ano foi cerca de 0,45ºC acima da média de entre 1961 e 1990, de 14,2ºC
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