Bruna Sensêve
Estado de Minas: 06/11/2012
Brasília – “Vou lhe contar sobre os muito ricos. Eles são diferentes de mim ou de você.” Assim F. Scott Fitzgerald iniciou o conto O menino rico, publicado em 1926. No texto, o escritor americano relata a rotina e a conduta daqueles que vivem com muito dinheiro. Três pesquisadores americanos das universidades de Chicago, Harvard e Princeton, todas nos Estados Unidos, decidiram realizar um experimento para entender como o excesso ou a falta de bens pode afetar o comportamento e as tomadas de decisões das pessoas. As conclusões foram divulgadas na sexta-feira na revista Science.
O grupo, coordenado por Anuj Shan, concluiu que, diferentemente dos ricos, os pobres tendem a focar sua atenção em necessidades urgentes, ocupar muito a mente pensando nelas e fazer uma quantidade insustentável de empréstimos, a qualquer custo. Apesar de parecerem atitudes um pouco óbvias para pessoas com necessidades imediatas, as conclusões encontradas pelos pesquisadores são no mínimo curiosas ao avaliar que os indivíduos comparados no estudo não estavam realmente em dificuldade ou conforto financeiro. Os voluntários simplesmente participaram de jogos inofensivos e, momentaneamente, encontravam-se classificados entre uma das duas categorias (veja infografia).
Foram cinco experimentos, bastante similares a famosos game shows televisivos, nos quais os participantes foram distribuídos em duas categorias. A principal diferença entre os dois grupos estava na quantidade de chances, de tempo ou de dinheiro que recebiam a cada rodada para poder jogar, uma espécie de salário. Os “ricos” tinham uma maior quantidade de recursos, enquanto os pobres quase nenhum. A proposta era identificar o comportamento dos participantes ao encarar tais situações. Curiosamente, a primeira observação fugiu do esperado.
Os cientistas imaginavam que aqueles que tinham mais recursos deveriam demonstrar maior cansaço mental, pois, com mais recursos, passariam mais tempo realizando as tarefas propostas. No entanto, observou-se que os jogadores com menos recursos chegavam ao fim dos jogos mais exauridos mentalmente, mesmo atuando por menos tempo. Isso porque a escassez de possibilidades fez com que eles se envolvessem mais profundamente com as tarefas, já que não poderiam desperdiçar o pouco que tinham. A falta não só causou um cansaço maior, como também foi responsável pela mudança no foco de atenção. Eles eram mais atentos que os ricos a cada pequena oportunidade. Esses, por outro lado, tendiam a tomar decisões com menos empenho.
Consequências Em algumas etapas, um fator da realidade foi adicionado ao jogo: a possibilidade de empréstimo. Tanto entre os pobres quanto entre os ricos, havia aqueles que poderiam pegar recursos extras (mais tempo, tentativas ou dinheiro fictício), a um determinado custo, e outros que não contavam com essa possibilidade. Entre os participantes que não podiam pegar empréstimos, os pobres se saíram melhor que os ricos, fazendo mais pontos que os ricos, mesmo contanto com condições adversas.
Por outro lado, os pobres que tinham a oportunidade de tomar empréstimos obtiveram resultados desastrosos nos jogos. Segundo um dos autores, Eldar Shafir, da Universidade de Princeton, o mais marcante foi observar nos voluntários, que não eram pobres de verdade, comportamentos muito similares a ações observadas em indivíduos que, na vida real, têm poucos recursos e pegam empréstimos sem medir muito as consequências. “Pudemos ver que esses jogadores evitaram o empréstimo a altos custos quando tinham o suficiente, mas sucumbiram a ele poucos minutos depois de sentir necessidade. Enquanto essa atitude é constantemente interpretada como um sinal de falta de compreensão, de educação ou de autocontrole, vimos pessoas com alto nível de escolaridade, estudantes de grandes universidades americanas, agindo da mesma forma”, detalha.
O comportamento daqueles que poderiam pegar empréstimos possibilitou uma avaliação do foco de atenção do grupo com menos recursos. Nos jogos, quando os competidores não tinham recursos suficientes, era vantajoso aproveitar alguns extras. Da mesma forma, quando as pessoas não têm o suficiente para pagar suas contas, elas podem se beneficiar de pequenos empréstimos. “O problema está em quando eles focam tanto nessa necessidade imediata que recorrem a uma solução que não vale a pena, que vai prejudicá-los. Focar no que importa é inteligente, focar demais, apenas nisso, é arriscado”, analisa Shafir.
Hiperfoco Para explicar melhor a situação, ele usa a metáfora de um controlador de voo. Quando dois aviões se direcionam para uma colisão, é muito importante que se tente resolver o problema. Mas se a atenção fica tão voltada para isso que os outros aviões sob a responsabilidade do controlador são ignorados, a situação pode se tornar um tanto perigosa. Por outro lado, os experimentos também mostraram um lado positivo desse “hiperfoco”. “Se a escassez pode nos envolver muito, a abundância pode nos envolver muito pouco. Parece que, para entender a psicologia da escassez, também devemos apreciar a psicologia da abundância”, diz o estudo.
Os dados coletados em campo pelos pesquisadores mostraram que o foco de atenção induzido pela pobreza é mais evidente do que se imagina. Eles citam a estratégia comum de alguns varejistas de vender um produto por unidade mais barato que em uma quantidade maior. Por exemplo, em um anúncio, o sabonete custa R$ 3, já o pacote com quatro custa R$ 15. “A maioria das pessoas ignora essas ocasionais ‘sobretaxas de quantidade’, mas consumidores de baixa renda são mais propensos a notá-las”, diz o texto.
Segundo o economista e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Medeiros, as pressões causadas pela pobreza impõem certos comportamentos. Ele acredita que, se as oportunidades e condições de vida fossem iguais desde o nascimento, a forma de agir provavelmente seria semelhante. “A analogia é o que ocorre com as mulheres. Elas não ocupam posições inferiores na sociedade porque são menos capazes de liderar. É a discriminação contra as mulheres que as faz reconhecer que o mundo para elas é mais difícil e, assim, de certo modo, ajustam suas expectativas, competindo menos por postos de liderança”, avalia.
PALAVRA DE ESPECIALISTA » Estado do bem-estar
O grupo, coordenado por Anuj Shan, concluiu que, diferentemente dos ricos, os pobres tendem a focar sua atenção em necessidades urgentes, ocupar muito a mente pensando nelas e fazer uma quantidade insustentável de empréstimos, a qualquer custo. Apesar de parecerem atitudes um pouco óbvias para pessoas com necessidades imediatas, as conclusões encontradas pelos pesquisadores são no mínimo curiosas ao avaliar que os indivíduos comparados no estudo não estavam realmente em dificuldade ou conforto financeiro. Os voluntários simplesmente participaram de jogos inofensivos e, momentaneamente, encontravam-se classificados entre uma das duas categorias (veja infografia).
Foram cinco experimentos, bastante similares a famosos game shows televisivos, nos quais os participantes foram distribuídos em duas categorias. A principal diferença entre os dois grupos estava na quantidade de chances, de tempo ou de dinheiro que recebiam a cada rodada para poder jogar, uma espécie de salário. Os “ricos” tinham uma maior quantidade de recursos, enquanto os pobres quase nenhum. A proposta era identificar o comportamento dos participantes ao encarar tais situações. Curiosamente, a primeira observação fugiu do esperado.
Os cientistas imaginavam que aqueles que tinham mais recursos deveriam demonstrar maior cansaço mental, pois, com mais recursos, passariam mais tempo realizando as tarefas propostas. No entanto, observou-se que os jogadores com menos recursos chegavam ao fim dos jogos mais exauridos mentalmente, mesmo atuando por menos tempo. Isso porque a escassez de possibilidades fez com que eles se envolvessem mais profundamente com as tarefas, já que não poderiam desperdiçar o pouco que tinham. A falta não só causou um cansaço maior, como também foi responsável pela mudança no foco de atenção. Eles eram mais atentos que os ricos a cada pequena oportunidade. Esses, por outro lado, tendiam a tomar decisões com menos empenho.
Consequências Em algumas etapas, um fator da realidade foi adicionado ao jogo: a possibilidade de empréstimo. Tanto entre os pobres quanto entre os ricos, havia aqueles que poderiam pegar recursos extras (mais tempo, tentativas ou dinheiro fictício), a um determinado custo, e outros que não contavam com essa possibilidade. Entre os participantes que não podiam pegar empréstimos, os pobres se saíram melhor que os ricos, fazendo mais pontos que os ricos, mesmo contanto com condições adversas.
Por outro lado, os pobres que tinham a oportunidade de tomar empréstimos obtiveram resultados desastrosos nos jogos. Segundo um dos autores, Eldar Shafir, da Universidade de Princeton, o mais marcante foi observar nos voluntários, que não eram pobres de verdade, comportamentos muito similares a ações observadas em indivíduos que, na vida real, têm poucos recursos e pegam empréstimos sem medir muito as consequências. “Pudemos ver que esses jogadores evitaram o empréstimo a altos custos quando tinham o suficiente, mas sucumbiram a ele poucos minutos depois de sentir necessidade. Enquanto essa atitude é constantemente interpretada como um sinal de falta de compreensão, de educação ou de autocontrole, vimos pessoas com alto nível de escolaridade, estudantes de grandes universidades americanas, agindo da mesma forma”, detalha.
O comportamento daqueles que poderiam pegar empréstimos possibilitou uma avaliação do foco de atenção do grupo com menos recursos. Nos jogos, quando os competidores não tinham recursos suficientes, era vantajoso aproveitar alguns extras. Da mesma forma, quando as pessoas não têm o suficiente para pagar suas contas, elas podem se beneficiar de pequenos empréstimos. “O problema está em quando eles focam tanto nessa necessidade imediata que recorrem a uma solução que não vale a pena, que vai prejudicá-los. Focar no que importa é inteligente, focar demais, apenas nisso, é arriscado”, analisa Shafir.
Hiperfoco Para explicar melhor a situação, ele usa a metáfora de um controlador de voo. Quando dois aviões se direcionam para uma colisão, é muito importante que se tente resolver o problema. Mas se a atenção fica tão voltada para isso que os outros aviões sob a responsabilidade do controlador são ignorados, a situação pode se tornar um tanto perigosa. Por outro lado, os experimentos também mostraram um lado positivo desse “hiperfoco”. “Se a escassez pode nos envolver muito, a abundância pode nos envolver muito pouco. Parece que, para entender a psicologia da escassez, também devemos apreciar a psicologia da abundância”, diz o estudo.
Os dados coletados em campo pelos pesquisadores mostraram que o foco de atenção induzido pela pobreza é mais evidente do que se imagina. Eles citam a estratégia comum de alguns varejistas de vender um produto por unidade mais barato que em uma quantidade maior. Por exemplo, em um anúncio, o sabonete custa R$ 3, já o pacote com quatro custa R$ 15. “A maioria das pessoas ignora essas ocasionais ‘sobretaxas de quantidade’, mas consumidores de baixa renda são mais propensos a notá-las”, diz o texto.
Segundo o economista e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Medeiros, as pressões causadas pela pobreza impõem certos comportamentos. Ele acredita que, se as oportunidades e condições de vida fossem iguais desde o nascimento, a forma de agir provavelmente seria semelhante. “A analogia é o que ocorre com as mulheres. Elas não ocupam posições inferiores na sociedade porque são menos capazes de liderar. É a discriminação contra as mulheres que as faz reconhecer que o mundo para elas é mais difícil e, assim, de certo modo, ajustam suas expectativas, competindo menos por postos de liderança”, avalia.
PALAVRA DE ESPECIALISTA » Estado do bem-estar
Celia Lessa Kerstenetzky - professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (Uff)
Estado de Minas : 06/11/2012
“Quando aplicamos a lógica da pesquisa ao caso de pessoas que têm forte restrição de renda e de informação, observamos que uma consequência importante é que decisões como tornar a água potável, vacinar as crianças ou fazer alguma provisão para a saúde e para a velhice não deveriam ser tomadas individualmente, mas sim, coletivamente, por um Estado do bem-estar, em vez de fazer com que aqueles em escassez absoluta de recursos sejam forçados a dispendê-los para atender necessidades ainda mais urgentes. Ao garantir a provisão pública de oportunidades para uma vida saudável e longa e de acesso ao conhecimento, um Estado social permitiria aos pobres de renda e de informação escapar da armadilha das decisões de baixa qualidade, tendo mais chances de se libertar da situação de pobreza.”
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