Bruno Freitas
Estado de Minas - 12/11/2012
Acúmulo de gordura no fígado, diabetes tipo 2, obesidade. Doenças causadas por má alimentação passam a ser melhor compreendidas com uma nova e importante ferramenta científica que pode ajudar a prevenir males do tipo, cada vez mais comuns no cotidiano apressado das pessoas. Baseada na reação de camundongos, uma pesquisa realizada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each/USP) constatou que a prática de atividade física regular é capaz de impedir o desenvolvimento de distúrbios metabólicos mesmo em quem não adota dieta balanceada, gerando respostas no tecido adiposo e no músculo esquelético que favorecem o gasto de energia obtida por meio dos alimentos – em vez de simplesmente estocá-la no corpo.Valendo-se de uma ração incrementada com amendoim, biscoito à base de amido de milho, chocolate e açúcar – batizada de Cafeteria – para imitar os hábitos alimentares humanos, o estudo observou que animais sedentários alimentados com a dieta desenvolveram quadro de intolerância à glicose, resistência à insulina e obesidade.
Submetidos a um programa de treinamento de dois meses, onde fizeram uma rotina de exercícios sobre uma miniesteira durante uma hora diária, cinco dias por semana, os camundongos foram divididos em quatro grupos: sedentários alimentados com ração normal (controle), sedentários com Cafeteria, treinados com dieta padrão e treinados com dieta Cafeteria.
Enquanto os sedentários da dieta controle apresentaram aumento de peso de 13,3%, os sedentários da dieta de Cafeteria tiveram aumento de 21,3%. Os camundongos alimentados com a ração doce e incrementada que praticaram os exercícios, entretanto, tiveram uma elevação de peso de apenas 8,7%. "O treinamento físico realizado pelos animais alimentados com dieta de Cafeteria também teve um crescimento bem mais discreto de níveis de colesterol", revela a coordenadora da pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fabiana de Sant'Anna Evangelista.
Especialista no desenvolvimento de pesquisas envolvendo exercício físico, a pesquisadora explica que os camundongos sedentários submetidos à Cafeteria desenvolveram comportamento alimentar compulsivo, baseado no prazer, o que levou a ingestão calórica superior, aumento da adiposidade e da glicemia e maior resistência à ação de insulina.
Um aspecto interessante observado no estudo foi que o comportamento do tecido adiposo se manifestou de forma diferente. Ao mesmo tempo em que os sedentários da Cafeteria secretaram 80% mais leptina (hormônio que desempenha importante papel na regulação da ingestão alimentar e no gasto energético, gerando um aumento na queima de energia e diminuindo a ingestão alimentar), nos ratos treinados foi observado aumento de 20%. Já a adiponectina, proteína que atua na melhora da sensibilidade à ação da insulina, foi reduzida em 30% nos sedentários. Nas cobaias treinadas houve aumento em 25%, indicando um dos mecanismos relacionados com o efeito preventivo do diabetes. “Ficou evidente que o exercício físico evitou a hipertrofia das células adiposas e a consequente alteração da sinalização celular que contribui para regular o metabolismo energético. A atividade lipolítica do tecido adiposo branco aumenta tanto por estímulo da dieta quanto do treinamento físico. No entanto, apenas o grupo que treinou apresentou redução na adiposidade. Essa resposta pode ser consequência da abundância de ácidos graxos oriundos do tecido adiposo que não são oxidados e acabam sendo novamente estocados no tecido adiposo”, explica Fabiana.
A análise revelou ainda que os camundongos que praticaram atividade física tinham maior concentração de citatro sintase, uma enzima que é essencial para que as moléculas de gordura sejam oxidadas, fornecendo energia. Ou seja, a rotina de treinamento não apenas elevou o consumo de energia do tecido muscular esquelético, como também aumentou o metabolismo energético do próprio tecido adiposo.
Equilíbrio quebrado Fundamental para o equilíbrio entre a atividade lipolítica – quebra de moléculas de gordura para consumo – e a lipogênica (que armazena gordura no tecido adiposo), a proteína AMPK passou a ser produzida em menor quantidade nos camundongos sedentários alimentados com a Cafeteria. Fabiana Evangelista constatou então que a dieta induziu, nos dois grupos, o aumento da atividade lipolítica, mas como organismos sedentários não têm capacidade para oxidar os ácidos graxos como fonte de energia, os lipídios acabaram indo para o fígado, se acumulando e causando quadro de esteatose hepática. Parte da gordura voltou para o tecido adiposo, onde foi novamente estocada. “A redução da atividade da AMPK é frequentemente observada em diabéticos tipo 2 e obesos, e está associada à redução da capacidade oxidativa, aumento da lipogênese e aumento ou redução da lipólise”, alerta a pesquisadora. O grupo treinado alimentado com a mesma dieta, por outro lado, apresentou aumento significativo da AMPK. Segundo ela, os camundongos mantiveram a lipólise aumentada, menor lipogênese e melhora na capacidade de oxidar os ácidos graxos.
Embora o foco do estudo tenham sido os mecanismos celulares induzidos pelo treinamento, a pesquisadora alerta que ele oferece uma mensagem muito importante à população sobre a importância do controle de peso corporal e a redução dos riscos cardiovasculares. Quando há aumento de peso e adiposidade, acrescenta Fabiana, outras consequências metabólicas podem surgir com o tempo. “Especialmente porque o tecido adiposo funciona não apenas para estocar energia, mas também para produzir substâncias com ação em diferentes locais do organismo.” Ela sustenta que o fato de fazer exercícios físicos não permite que se coma de tudo. “Se o indivíduo elevar demais o consumo calórico e não queimar na mesma proporção, o excesso de calorias se acumulará”, alerta. O próximo passo de pesquisa é entender melhor o impacto da atividade física no metabolismo do tecido muscular esquelético para desvendar a cooperação com o tecido adiposo.
Três perguntas para...
Airton Golbert, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Como o portador de distúrbios metabólicos pode aproveitar a atividade física para evitar o desenvolvimento dos males?
O exercício físico regular traz uma série de benefícios metabólicos, diminuindo a necessidade de insulina pelo organismo, pois a mesma insulina age melhor sendo necessário um trabalho menor do pâncreas para utilização da glicose proveniente da alimentação. Isso pode prevenir o diabetes tipo 2 e auxiliar no emagrecimento e manutenção do peso. Em quem tem diabetes haverá melhora do controle da doença, podendo levar à diminuição de remédios. Em indivíduos com excesso de peso e obesidade, a diminuição do peso é uma evidência de melhora metabólica.
No estudo feito pela pesquisadora Fabiana Evangelista, a prática dos exercícios elevou o consumo de energia do tecido muscular esquelético e aumentou o metabolismo energético do próprio tecido. De que forma isso pode ser aproveitado pela medicina?
Essas modificações são usadas nas recomendações de tratamento e prevenção de diabetes, onde o exercício físico é um item fundamental.
Além dos exercícios, como chegar a um emagrecimento eficiente?
Um controle alimentar, e em primeiro lugar, vontade e determinação. Por isso, é muito importante o tratamento e a prevenção de diabetes tipo 2 em pessoas com mais de 40 anos, com hábitos pré-estabelecidos. Seguir a orientação dos profissionais é indispensável. Para quem não faz exercício, nessa fase, é complicado. O cotidiano corrido é outro dificultador. É preciso mudar o estilo de vida. Vivemos uma epidemia: mais de 50% da população brasileira têm excesso de peso e 15% é obesa. O exercício físico é uma grande saída, não só na prevenção e controle de diabetes, como também de problemas cardiovasculares.
Projeto da UFMG/Santa casa vence prêmio
O programa Promoção de hábitos saudáveis por meio do exercício físico em pacientes com diabetes tipo 2, desenvolvido no Laboratório do Movimento da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com o Ambulatório de Diabetes tipo 2 do Centro Metropolitano de Especialidades Médicas (CEM) da Santa Casa de Belo Horizonte, é vencedor do prêmio em concurso promovido pela Bristol-Myers Squibb Farmacêutica, AstraZeneca do Brasil e Sociedade Brasileira de Diabetes. O programa mineiro tem como objetivo incentivar e avaliar os efeitos da modificação de hábitos de vida, com a inclusão de programas regulares de exercícios físicos, sobre a saúde e qualidade de vida em diabéticos tipo 2. Atualmente, 12 pessoas são atendidas no projeto de BH.
Submetidos a um programa de treinamento de dois meses, onde fizeram uma rotina de exercícios sobre uma miniesteira durante uma hora diária, cinco dias por semana, os camundongos foram divididos em quatro grupos: sedentários alimentados com ração normal (controle), sedentários com Cafeteria, treinados com dieta padrão e treinados com dieta Cafeteria.
Enquanto os sedentários da dieta controle apresentaram aumento de peso de 13,3%, os sedentários da dieta de Cafeteria tiveram aumento de 21,3%. Os camundongos alimentados com a ração doce e incrementada que praticaram os exercícios, entretanto, tiveram uma elevação de peso de apenas 8,7%. "O treinamento físico realizado pelos animais alimentados com dieta de Cafeteria também teve um crescimento bem mais discreto de níveis de colesterol", revela a coordenadora da pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fabiana de Sant'Anna Evangelista.
Especialista no desenvolvimento de pesquisas envolvendo exercício físico, a pesquisadora explica que os camundongos sedentários submetidos à Cafeteria desenvolveram comportamento alimentar compulsivo, baseado no prazer, o que levou a ingestão calórica superior, aumento da adiposidade e da glicemia e maior resistência à ação de insulina.
Um aspecto interessante observado no estudo foi que o comportamento do tecido adiposo se manifestou de forma diferente. Ao mesmo tempo em que os sedentários da Cafeteria secretaram 80% mais leptina (hormônio que desempenha importante papel na regulação da ingestão alimentar e no gasto energético, gerando um aumento na queima de energia e diminuindo a ingestão alimentar), nos ratos treinados foi observado aumento de 20%. Já a adiponectina, proteína que atua na melhora da sensibilidade à ação da insulina, foi reduzida em 30% nos sedentários. Nas cobaias treinadas houve aumento em 25%, indicando um dos mecanismos relacionados com o efeito preventivo do diabetes. “Ficou evidente que o exercício físico evitou a hipertrofia das células adiposas e a consequente alteração da sinalização celular que contribui para regular o metabolismo energético. A atividade lipolítica do tecido adiposo branco aumenta tanto por estímulo da dieta quanto do treinamento físico. No entanto, apenas o grupo que treinou apresentou redução na adiposidade. Essa resposta pode ser consequência da abundância de ácidos graxos oriundos do tecido adiposo que não são oxidados e acabam sendo novamente estocados no tecido adiposo”, explica Fabiana.
A análise revelou ainda que os camundongos que praticaram atividade física tinham maior concentração de citatro sintase, uma enzima que é essencial para que as moléculas de gordura sejam oxidadas, fornecendo energia. Ou seja, a rotina de treinamento não apenas elevou o consumo de energia do tecido muscular esquelético, como também aumentou o metabolismo energético do próprio tecido adiposo.
Equilíbrio quebrado Fundamental para o equilíbrio entre a atividade lipolítica – quebra de moléculas de gordura para consumo – e a lipogênica (que armazena gordura no tecido adiposo), a proteína AMPK passou a ser produzida em menor quantidade nos camundongos sedentários alimentados com a Cafeteria. Fabiana Evangelista constatou então que a dieta induziu, nos dois grupos, o aumento da atividade lipolítica, mas como organismos sedentários não têm capacidade para oxidar os ácidos graxos como fonte de energia, os lipídios acabaram indo para o fígado, se acumulando e causando quadro de esteatose hepática. Parte da gordura voltou para o tecido adiposo, onde foi novamente estocada. “A redução da atividade da AMPK é frequentemente observada em diabéticos tipo 2 e obesos, e está associada à redução da capacidade oxidativa, aumento da lipogênese e aumento ou redução da lipólise”, alerta a pesquisadora. O grupo treinado alimentado com a mesma dieta, por outro lado, apresentou aumento significativo da AMPK. Segundo ela, os camundongos mantiveram a lipólise aumentada, menor lipogênese e melhora na capacidade de oxidar os ácidos graxos.
Embora o foco do estudo tenham sido os mecanismos celulares induzidos pelo treinamento, a pesquisadora alerta que ele oferece uma mensagem muito importante à população sobre a importância do controle de peso corporal e a redução dos riscos cardiovasculares. Quando há aumento de peso e adiposidade, acrescenta Fabiana, outras consequências metabólicas podem surgir com o tempo. “Especialmente porque o tecido adiposo funciona não apenas para estocar energia, mas também para produzir substâncias com ação em diferentes locais do organismo.” Ela sustenta que o fato de fazer exercícios físicos não permite que se coma de tudo. “Se o indivíduo elevar demais o consumo calórico e não queimar na mesma proporção, o excesso de calorias se acumulará”, alerta. O próximo passo de pesquisa é entender melhor o impacto da atividade física no metabolismo do tecido muscular esquelético para desvendar a cooperação com o tecido adiposo.
Três perguntas para...
Airton Golbert, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Como o portador de distúrbios metabólicos pode aproveitar a atividade física para evitar o desenvolvimento dos males?
O exercício físico regular traz uma série de benefícios metabólicos, diminuindo a necessidade de insulina pelo organismo, pois a mesma insulina age melhor sendo necessário um trabalho menor do pâncreas para utilização da glicose proveniente da alimentação. Isso pode prevenir o diabetes tipo 2 e auxiliar no emagrecimento e manutenção do peso. Em quem tem diabetes haverá melhora do controle da doença, podendo levar à diminuição de remédios. Em indivíduos com excesso de peso e obesidade, a diminuição do peso é uma evidência de melhora metabólica.
No estudo feito pela pesquisadora Fabiana Evangelista, a prática dos exercícios elevou o consumo de energia do tecido muscular esquelético e aumentou o metabolismo energético do próprio tecido. De que forma isso pode ser aproveitado pela medicina?
Essas modificações são usadas nas recomendações de tratamento e prevenção de diabetes, onde o exercício físico é um item fundamental.
Além dos exercícios, como chegar a um emagrecimento eficiente?
Um controle alimentar, e em primeiro lugar, vontade e determinação. Por isso, é muito importante o tratamento e a prevenção de diabetes tipo 2 em pessoas com mais de 40 anos, com hábitos pré-estabelecidos. Seguir a orientação dos profissionais é indispensável. Para quem não faz exercício, nessa fase, é complicado. O cotidiano corrido é outro dificultador. É preciso mudar o estilo de vida. Vivemos uma epidemia: mais de 50% da população brasileira têm excesso de peso e 15% é obesa. O exercício físico é uma grande saída, não só na prevenção e controle de diabetes, como também de problemas cardiovasculares.
Projeto da UFMG/Santa casa vence prêmio
O programa Promoção de hábitos saudáveis por meio do exercício físico em pacientes com diabetes tipo 2, desenvolvido no Laboratório do Movimento da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com o Ambulatório de Diabetes tipo 2 do Centro Metropolitano de Especialidades Médicas (CEM) da Santa Casa de Belo Horizonte, é vencedor do prêmio em concurso promovido pela Bristol-Myers Squibb Farmacêutica, AstraZeneca do Brasil e Sociedade Brasileira de Diabetes. O programa mineiro tem como objetivo incentivar e avaliar os efeitos da modificação de hábitos de vida, com a inclusão de programas regulares de exercícios físicos, sobre a saúde e qualidade de vida em diabéticos tipo 2. Atualmente, 12 pessoas são atendidas no projeto de BH.
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