Zero Hora - 08/11/2012
Acho que nunca contei aqui, mas esta história é do folclore familiar.
Meu avô polonês, Jan Wierzchowski, embora tivesse emigrado e criado
raízes no Brasil, era um ufanista da Polônia.
Além da capacidade do avô, a sua firma de construção civil prosperou
também porque a maioria dos funcionários eram seus patrícios – no
período que se seguiu à II Guerra, os ex-combatentes poloneses (que
lutaram com os Aliados e eram “inimigos” dos soviéticos, portanto)
tinham se tornado apátridas: famosos generais cuja coragem era lendária
viviam de bicos na Europa, e oficiais poloneses que ajudaram a libertar a
França, a Bélgica e a Holanda varriam a neve das calçadas inglesas em
troca de um prato de sopa.
Após a guerra, meu avô voltou ao Brasil e, nos anos subsequentes,
trouxe para cá alguns dos ex-colegas de Divisão, oferecendo-lhes
emprego. Esses eram os seus fiéis funcionários, seus amigos queridos, o
seu pedaço da Polônia aqui em Porto Alegre.
A história que conto é sobre uma dessas famílias que meu avô
recebeu. O avô tinha uma pequena casa que outrora ocupara e que então
usava como abrigo para seus conterrâneos que emigravam. Essa família
(vou chamá-los de Os Getka) chegou na terceira classe de um navio, ao
anoitecer, e foi recebida pelos meus avós.
Do porto, foram levados para a casa anteriormente preparada. Lá, os
avós serviram-lhes o jantar e os acomodaram. Antes de partir, Jan
prometeu voltar na manhã seguinte com o café da manhã – os
recém-chegados não falavam uma única palavra de português, dependendo
dos meus avós para tudo. Na manhã seguinte, minha avó Anna levantou-se
cedo para sovar o pão e ferver o leite para os Getka.
Mas qual não foi a surpresa quando, ao chegarem na casinha, Anna e
Jan encontraram os Getka já de café tomado, felizes da vida com a
“hospitalidade brasileira”. Meu avô estranhou e quis saber de onde viera
o café da manhã: sobre a mesa, uma bandeja com canjica, flores, maçãs e
até cachaça, uma dessas que a gente vê nas esquinas, ofertadas
fortuitamente para os orixás, tinha sido fartamente atacada pelo casal
Getka.
Acontece que a casa ficava numa encruzilhada e, ao amanhecer, ali
estava a bandeja. Os Getka comeram tudinho, e meu avô demorou a fazê-los
entender que aquilo se tratava de um dos famosos “despachos”. Seja como
for, os orixás não se revoltaram: os Getka viveram felizes por muitos
anos, tiveram filhos e prosperaram, e talvez um de seus descendentes
hoje esteja, feliz da vida, num terreiro de umbanda por aí.
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