quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Abram Szajaman


Ir e vir
Mobilidade urbana é o desafio mais importante da próxima administração municipal, dos corredores de ônibus à redução do preço do táxi, tão alto em SP
Inúmeros desafios aguardam a próxima administração da cidade de São Paulo, mas nenhum é tão central, estratégico e urgente como a questão da mobilidade urbana.
Tema transversal a todos os outros, destravar o trânsito e assegurar transporte público de qualidade é uma atribuição do Poder Público que hoje se relaciona com a economia, o meio ambiente, a saúde, a segurança, a moradia e até mesmo com a educação e a cultura.
Isso porque a mudança de paradigma para um desenvolvimento sustentado exige profundas alterações de comportamento, sobretudo das comunidades que vivem em metrópoles gigantes como a nossa.
Nas duas últimas décadas, cresceu vertiginosamente no país a venda de automóveis e motocicletas, enquanto caiu o uso do transporte público nas grandes cidades. O incremento da motorização por meio de veículos de transporte individual ou familiar resultou num paradoxo: temos mais carros, mas nos movimentamos menos, pois não há espaço.
Apesar disso, o que temos visto desde quando nossos governos abdicaram do transporte sobre trilhos, relegando trens e bondes aos museus, são cidades cada vez mais pensadas e construídas pelo e para o carro, com desproporcional parcela de espaço público a eles destinada.
Esta lógica perversa, que além de encurtar o tamanho das calçadas já comprometia o verde das poucas praças e parques, acentuou-se com a ocupação das laterais das ruas pelo estacionamento pago. A zona azul, que permite congestionar a quem pagar, é exemplo da rendição da prefeitura à primazia do automóvel.
O paroxismo desses privilégios se prenuncia ao se cogitar proibir a construção de novos prédios ou shoppings, sob o argumento do tráfego extra que podem causar ao entorno. Assim, esses empreendimentos, que geram emprego e melhoram a qualidade de vida, são cada vez mais penalizados por taxas ou pela exigência de imensas garagens.
Essas, ao lado da inútil expansão do sistema viário, apenas ocultam a enorme resistência de se encarar o verdadeiro problema de frente, derivada da tentacular influência da indústria automobilística.
Na atual conjuntura de importantes transformações na sociedade brasileira, que incorporaram milhões de pessoas antes excluídas aos mercados de trabalho e de consumo, chegou a hora de se impor restrições ao uso urbano do automóvel -pela ampliação do rodízio e do pedágio urbano, entre outras medidas amargas, mas impostergáveis- ao mesmo tempo em que se deve reduzir o atraso em relação ao transporte público.
A transformação da cidade de São Paulo de centro industrial em polo de comércio, serviços e turismo de negócios exige mais linhas de metrô, corredores e faixas exclusivas para ônibus e o barateamento dos táxis, muito mais caros aqui do que em outras grandes cidades do mundo.
Pouco se atenta para o fato de que a cidade é feita para as pessoas que querem desfrutar do que ela oferece, sem ter que passar pelo inferno que hoje é um simples deslocamento para ir ao médico ou ao mercado. Padecimento que é maior para quem mora longe, o que exige também uma política de atrair investimentos, empregos e serviços à periferia.
Desde janeiro está em vigor lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidenta Dilma estabelecendo diretrizes para uma política nacional de mobilidade urbana. São Paulo, como os outros municípios, tem três anos para incorporar ao Plano Diretor normas para assegurar este direito humano fundamental.
A Constituição, ao estabelecer alguns princípios básicos como as liberdades individuais, esqueceu-se de inscrever o transporte como um direito social, ao lado do trabalho, da educação e da saúde. Sem mobilidade urbana, o famoso e sagrado direito de ir e vir continuará uma quimera para grande parte dos paulistanos, em especial os segregados do outro lado do muro que Fernando Haddad prometeu derrubar.
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