ALOK JHADO
"GUARDIAN"
As palestras de Michael Faraday na Royal Institution de Londres, no começo do século 19, faziam tanto sucesso que havia congestionamento das carruagens que traziam espectadores, na Albermarle Street em Mayfair. Como resultado, ela foi transformada na primeira rua de mão única da capital britânica. Faraday era um excelente comunicador e deslumbrava aqueles que o assistiam com as mais recentes descobertas sobre química e eletricidade. Suas palestras eram uma combinação de grande ciência e excelente entretenimento.
Mas em algum momento do século 20, a ideia de que a diversão podia servir de conduto à ciência desapareceu, ainda que os frutos do trabalho científico estivessem ganhando importância na vida das pessoas. Com a profissionalização cada vez maior dos cientistas depois da Segunda Guerra Mundial, a disciplina cresceu e a diversão se foi.
Para aqueles que não são especialistas e não têm tempo de aprender o básico, o que ocasionalmente requer muito esforço, ciência se tornou algo assustadoramente difícil. Era algo de sério demais, importante demais, para conter diversão.
Para quem acredita que a ciência deve ocupar posição central em nossa cultura, essa conclusão é claramente desastrosa. Felizmente para nós, um exército de geeks, humoristas e cientistas está trazendo de volta o espetáculo científico à moda de Faraday.
O líder desse ressurgimento da ciência como entretenimento é o humorista Robin Ince --suas apresentações de standup incorporam elementos científicos há uma década, mas ele conquistou mais atenção com o organizador do grupo Uncaged Monkeys, formado por Simon Singh, Ben Goldacre, Brian Cox e celebridades e cientistas convidados.
O espetáculo "Infinite Monkey Cage", derivado do programa de sucesso que Ince apresenta na Radio Four da BBC, oferece à audiência canções e piadas, entremeadas por minipalestras sobre cosmologia e medicina científica. A última turnê do espetáculo, encerrada alguns meses atrás, atraia milhares de espectadores a cada noite em teatros de todo o Reino Unido.
O grupo Uncaged Monkeys domina a cena, e Ince abriu caminho para um ecossistema de entretenimento científico em rápida expansão. No Festival of the Spoken Nerd, os humoristas Helen Arney e Matt Parker e o apresentador Steve Mould utilizam ferramentas de apresentação científica --entre as quais o programa PowerPoint e projetores de imagens-- para fazer humor, acrescentando canções sobre físicos apaixonados (e desapaixonados), e propondo charadas matemáticas para que a plateia resolva no intervalo. O que começou com poucos espectadores no salão de um pub há dois anos agora se tornou uma turnê que vem lotando teatros em todo o Reino Unido.
Essa atitude --a de que a ciência oferece boas ideias para entretenimento e discussão (mesmo que você não seja cientista)-- vai atingir sues maiores públicos nesta semana, quando Dara O'Briain, um comediante conhecedor de ciência, estrear seu novo programa de TV na BBC Two, "Science Club". O primeiro episódio tem uma entrevista com o célebre geneticista Steve Jones sobre sexo --pontuada por risadas, debates e demonstrações.
Boa parte da audiência de Ince, O'Briain e outros são pessoas previamente interessadas em ciência. Mas o pessoal da ciência como entretenimento está indo além de seu público típico: o projeto Guerilla Science começou com voluntários que fizeram palestras em um festival de música em 2008. Passados quatro anos, eles estão colaborando com o Wellcome Trust, National Portrait Gallery e Secret Cinema para incorporar ciência a espetáculos interativos encenados em lugares inesperados. O objetivo das fundadoras, Zoe Cormier e Jennifer Wong, é mexer com as emoções dos espectadores usando ideias científicas da mesma forma que fariam com teatro ou arte.
No extremo mais intelectualmente sofisticado do mercado, a história de sucesso é a Wellcome Collection, em Londres, um lugar para "os incuravelmente curiosos", inaugurado cinco anos atrás para promover a colisão entre medicina e arte. Os fundadores esperavam atrair 100 mil visitantes ao ano, mas no ano passado quase meio milhão de pessoas visitaram as exposições, cujos temas variam de sujeira a identidade, e participaram de eventos, como assistir a uma cirurgia cardíaca e conversas com os cirurgiões que a estavam realizando. Na semana passada, a instituição anunciou um plano de expansão de 17 milhões de libras (cerca de R$ 55 milhões), que ampliará seu espaço e o escopo de suas mostras.
EXÉRCITO DE RACIONALISTAS
O público que se interessa pelo Uncaged Monkeys e Festival of the Spoken Nerd se entrelaçam com outros movimentos de base que estão se espalhando pelo país. Há as reuniões "Céticos no Pub", em Sheffield, Cardiff, Nottingham, Edimburgo, Winchester e dezenas de outras cidades --voluntários organizam palestras sobre ciência, filosofia ou que qualquer tema que os interesse, em bares. E o objetivo nem sempre é a diversão: foi durante uma palestra do Céticos no Pub, em Holborn em 2009, que surgiu a campanha de Simon Singh para combater a acusação de difamação que lhe foi movida pela Associação
Britânica de Quiropraxia.
Com apoio e estímulo dos céticos britânicos, a campanha pela reforma de leis de difamação teve grande impacto, e os três grandes partidos do Reino Unido prometeram atualizar as antiquadas leis britânicas de difamação em seus programas para a eleição de 2010.
Poucos anos atrás, cientistas se lamentavam junto aos amigos quando viam um erro grosseiro sobre ciência na TV, ou quando um ministro demonstrava incompetência científica em suas declarações. Hoje, eles agem. Os céticos e outros interessados que fizeram contato por meio dos espetáculos produzidos por Ince ou pelos livros e colunas de Ben Goldacre se tornaram um exército de racionalistas, organizado via redes sociais, que se mobiliza para combater o flagelo dos inimigos da vacinação, homeopatas, políticos, empresas e, na realidade, qualquer pessoa que utilize provas científicas indevidamente.
Ince planeja continuar usando a ciência em suas apresentações. Sua próxima turnê terá por base os trabalhos de Richard Feynman e Charles Darwin. Será que a ideia de ter uma plateia que busque apenas diversão, um dia, o preocupa? "O público é subestimado o tempo todo", diz. "Acredito que se você oferecer coisas interessantes às pessoas, elas se deixarão atrair".
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
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