Paloma Oliveto
Estado de Minas: 18/12/2012
Nas últimas décadas, houve muitos avanços nas pesquisas que investigam as causas do mal de Parkinson, uma doença degenerativa que afeta a coordenação motora. Já se sabe, por exemplo, que fatores genéticos e ambientais, como exposição a pesticidas, predispõem o surgimento do problema. A origem da maioria dos casos, contudo, permanece desconhecida. Agora, uma equipe de cientistas do The Scripps Research Institute da Califórnia, nos Estados Unidos, detectou um mecanismo que explica como um importante grupo de neurônios relacionados à enfermidade começa a se deteriorar. A descoberta, que contou com a participação de uma cientista brasileira e foi publicada no Journal of Immunology, poderá ajudar a desenvolver novos tratamentos para prevenir a doença.
“O mal de Parkinson é caracterizado pela perda de neurônios dopaminérgicos, que controlam os movimentos. Acredita-se que inflamações no cérebro contribuam para a morte dessas células”, conta Bruno Conti, professor do Departamento de Neurociência Molecular e Integrativa do instituto. Embora a inflamação não seja uma doença, mas uma resposta imunológica do organismo a infecções ou traumas, ela também é capaz de provocar danos graves. “Ao produzir radicais livres, uma inflamação pode afetar todos os neurônios. Mas a razão pela qual apenas um grupo de células cerebrais morre de Parkinson continuava um mistério”, acrescenta a neuroimunologista brasileira Maria Cecília Marcondes, que assina o artigo como primeira autora, ao lado de Brad Morrison, da Universidade da Califórnia em San Diego.
No estudo, realizado com ratos, os cientistas constataram que uma proteína conhecida por seu importante papel como moduladora de inflamações, a interleucina IL-13Ra1, também está presente nos neurônios dopaminérgicos. Porém, os pesquisadores viram-se diante de um paradoxo: na ausência dessa proteína, em vez de piorarem, os animais com inflamação crônica ficavam protegidos contra a perda dos neurônios. “A descoberta foi, a princípio, surpreendente, já que a IL-13Ra1 serve como receptora para a IL-13 e a IL-14, duas proteínas que têm ação anti-inflamatória. Se a inflamação é conhecida por causar danos, como a falta de substâncias anti-inflamatórias poderia ser um fator de proteção?”, reconhece.
Para solucionar o problema, os pesquisadores fizeram testes no disco de Petri, um recipiente de vidro usado em laboratórios de microbiologia, para saber se a IL-13 e a IL-14 destruíam os neurônios dopaminérgicos sem a influência de outras substâncias. “Descobrimos que elas não matam quando estão sozinhas, mas potencializam bastante os efeitos tóxicos dos radicais livres, que, de outra maneira, não teriam tamanha toxidade”, relata Bruno Conti.
Resultantes da oxidação das células, os radicais livres aumentam quando há processos inflamatórios sem necessariamente provocarem danos ao organismo. Contudo, em níveis muito altos, em vez de mediar a inflamação, eles prejudicam os tecidos. O estudo do The Scripps Research Institute mostrou que, no caso do Parkinson, a morte dos neurônios ocorre devido à interação dos radicais livres com as proteínas IL-13 e IL-14. “A natureza não desenvolveu esses receptores para provocarem doenças. Essas moléculas têm um papel fisiológico muito importante. Mas a combinação de vários fatores pode produzir um resultado que não é necessariamente bom”, explica Maria Cecília Marcondes.
Apesar de o trabalho ter sido realizado em ratos, Conti relata que, em humanos, o gene que decodifica a IL-13Ra1 está localizado em uma região do cromossomo X, conhecida por conter um fator que confere suscetibilidade ao Parkinson. Se estudos futuros confirmarem que os receptores dessa proteína agem nos neurônios humanos da mesma forma como atuam nos ratos, os cientistas poderão desenvolver tratamentos preventivos promissores. Uma possibilidade é descobrir drogas que bloqueiem os receptores IL-13, prevenindo a perda dos neurônios dopaminérgicos na ocorrência de uma inflamação. “Esse é apenas o começo”, diz Conti, lembrando que há muita pesquisa pela frente.
O cientista ressalta que o estudo não sugere que não se devem combater as inflamações por medo de matar os neurônios. “O que nós mostramos é que o importante é a forma como a inflamação é reduzida ou cessada”, ressalta Conti.
Os processos inflamatórios são estimulados por agentes químicos chamados prostaglandinas, que podem causar danos ao produzir mediadores oxidativos.
“As drogas anti-inflamatórias mais comuns, incluindo o ibuprofeno, agem ao bloquear diretamente a síntese das prostaglandinas. Essa é uma estratégia valiosa”, reconhece Conti. “A IL-13 e a IL-14 também reduzem a inflamação, mas elas fazem isso de forma diferente. Se houver radicais livres, a IL-13 e a IL-14 podem danificar os neurônios dopaminérgicos. Essa é uma diferença importante, é como dizer ‘não é a queda que machuca você, mas a forma como você cai’. Então, o que não é recomendado é reduzir a inflamação com a IL-13 ou a IL-14 ou simulando sua síntese”, esclarece.
Outras doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, também podem ter uma ligação com processos inflamatórios, de acordo com diversos estudos. Bruno Conti, porém, acredita que ainda é cedo para relacionar a descoberta do The Scripps Research Institute a outras enfermidades além do Parkinson.
“Atualmente, não há um link direto entre o sistema IL-13 e a doença de Alzheimer. Contudo, entender os mecanismos básicos da perda de neurônios durante o processo de neuroinflamação é certamente relevante para uma melhor compreensão das doenças neurodegenerativas.”
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