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Um futuro sem Chávez
Os resultados das eleições estaduais de anteontem na Venezuela tornam ainda mais incerto o futuro do país. O presidente Hugo Chávez -no poder há 14 anos, reeleito em outubro para mandato de mais seis- obteve vitória acachapante ao arrebatar 20 dos 23 Estados.Por outro lado, o principal líder da oposição, Henrique Capriles, que há dois meses alcançara 44% dos votos ao disputar contra Chávez, foi reeleito governador no decisivo Estado de Miranda. Credenciou-se, assim, como candidato natural na próxima eleição para presidente.
O que confere nervosismo ao quadro é que esse pleito pode estar próximo. Chávez enfrenta um câncer designado como "pélvico" que o levou à quarta cirurgia em Havana, Cuba, na semana passada. O prognóstico não é bom. Antes de se operar, o autocrata indicou seu vice-presidente e chanceler, Nicolás Maduro, como herdeiro -sinal de que prepara o cenário da própria ausência.
Caso Chávez fique inabilitado por razão duradoura nos primeiros quatro anos do novo mandato, o que a muitos observadores parece provável, se não iminente, a Constituição estipula novas eleições presidenciais em um mês.
A decisão popular deverá recair, então, sobre Nicolás Maduro ou Henrique Capriles. O fato de serem vistos como políticos moderados nos respectivos campos em confronto acena para uma desejável distensão no crispado clima político do país.
O regime "bolivariano" -espécie de estatismo autocrático e plebiscitário- beneficiou-se na década passada do imenso apetite internacional por petróleo, do qual o país é grande produtor. A economia cresceu a taxas altas, gerando excedente que o governo emprega para transferir renda e assegurar apoio na população mais pobre.
O dirigismo estatal produziu, ao mesmo tempo, seu costumeiro cortejo de mazelas em termos de ineficiência produtiva e corrupção governamental, num país que não consegue emancipar-se da ruinosa dependência do petróleo. Caracas, uma das cidades mais violentas do continente, tornou-se símbolo da inépcia oficial.
A enfermidade de Hugo Chávez cerca de tons emocionais o crepúsculo de uma era que dificilmente sobreviverá à personalidade do líder que a engendrou. A opção diante dos venezuelanos será escolher de que forma e sob qual liderança virar essa página.
Conflito desnecessário
STF excede funções ao cassar deputados condenados pelo mensalão, mas Câmara se equivoca ao cogitar descumprir a decisão judicial
A decisão apertada (5 votos a 4) alcança os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), além de José Genoino (PT-SP), que poderá assumir uma cadeira em janeiro.
O voto de minerva coube ao ministro Celso de Mello, que ainda lançou um repto ao outro Poder da República: "A insubordinação legislativa ou executiva diante de decisão judicial revela-se comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível".
Celso de Mello não precisou nomear o destinatário do desafio -todos sabem que se trata do deputado Marco Maia (PT-RS). O presidente da Câmara defendera, nos últimos dias, que o Legislativo não cumprisse a decisão do Supremo.
Verdade que o STF extrapolou suas funções ao determinar, pela via judicial, a perda de mandatos conferidos pela vontade popular. Mais razoável seria, como argumentaram os ministros vencidos, atribuir aos demais representantes eleitos pelo povo a responsabilidade de cassar seus pares.
O fundamento dessa interpretação está na própria Constituição. O parágrafo segundo do artigo 55 diz que somente o Congresso pode decidir sobre cassação de mandatos de deputados condenados. A regra se baseia no princípio de freios e contrapesos -neste caso, manifesta na necessidade de preservar um Poder de eventuais abusos cometidos por outro.
Com a decisão de ontem, como evitar que, no futuro, um STF enviesado se ponha a perseguir parlamentares de oposição? Algo semelhante já aconteceu no passado, e a única garantia contra a repetição da história é o fortalecimento institucional.
Reconheça-se, porém, que o caso presente passa longe dessa hipótese extrema. Os réus do mensalão não têm condições políticas e morais de permanecer no Congresso Nacional. Se, agindo com maior prudência, o STF tivesse preservado a prerrogativa dos parlamentares, não há dúvidas de que os deputados, até por força da legítima pressão popular, se encarregariam de efetuar as cassações.
Dadas as circunstâncias, não há por que aumentar o atrito entre os Poderes. Em vez de prolongar uma querela sobre deputados indefensáveis, a Câmara deveria reconhecer que, num Estado de Direito, é da corte suprema a última palavra na interpretação constitucional -ainda que dela se discorde.
O mau passo do STF poderia ter sido evitado, mas nem por isso compromete um julgamento conduzido com rigor por 53 sessões.
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