As lamentações do dinossauro
Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer os mesmos erros?
Mas, primeiro, as apresentações: Vargas Llosa apresenta-se como "um dinossauro em tempos difíceis". O que significa este jurássico autorretrato?
Significa uma confissão: Vargas Llosa olha em volta e vê frivolidade, aparência -numa palavra, "espetáculo". E vê o desaparecimento da cultura como experiência ética e estética que nos permite compreender os problemas do mundo.
Hoje, esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos".
O termo não é inocente, e Vargas Llosa sabe disso: como diria Marx e os seus discípulos, sobretudo o "situacionista" Guy Debord, existe na civilização de hoje, como existia na civilização dos séculos 19 e 20, uma vontade desesperada de remeter o pensamento e a cultura para as margens da sociedade capitalista. E aqui reside a minha pergunta primeira: não terá sido sempre assim?
Platão, na sua "República", não era particularmente entusiasta dos poetas da sua época. Shakespeare, tido agora como parte fundamental do "cânone ocidental", era considerado um dramaturgo "popular" pela "intelligentsia" da Inglaterra isabelina.
Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer o mesmo erro dos nossos antepassados, que sempre se consideraram testemunhas de um mundo em decadência?
Woody Allen, de quem Vargas Llosa manifestamente não gosta, glosou sobre o assunto em "Meia-Noite em Paris": há nos contemporâneos de todas as eras um descontentamento com o presente que os leva a romantizar eras passadas.
Assim acontecia com o personagem do filme, o roteirista Gil (um notável Owen Wilson), que suspirava no século 21 pela Paris da década de 20. Até viajar a esse passado de "festa móvel", como lhe chamou Hemingway, e descobrir que os contemporâneos da década de 20 suspiravam pela Belle Époque; e os contemporâneos da Belle Época, pelo Renascimento italiano; e etc. etc., sempre em regressão nostálgica.
Não quero com isso dizer -Deus me livre e guarde!- que um dia olharemos para as brincadeiras conceituais de um Damien Hirst da mesma forma que olhamos para um Cézanne ou para um Matisse. Nessa matéria, o vaso sanitário de Marcel Duchamp já encerrou há muito o capítulo dos "happenings" circenses.
Mas será preciso reproduzir aqui o que os críticos coevos de Cézanne e Matisse escreveram à época sobre os quadros desses dois reputados mestres?
Ponto de ordem. Concordo com Vargas Llosa sobre a "civilização do espetáculo" que se espalhou em volta. Concordo que a sensibilidade cultural do nosso tempo torna mais difícil o aparecimento de um James Joyce porque escasseia o público exigente e paciente para o ler. Concordo que o "eclipse" do intelectual se deve ao papel abjeto que ele teve, sobretudo no século 20, ao emprestar o seu nome e prestígio a regimes totalitários.
E concordo, de alma e coração, que o relativismo larvar que contaminou a "crítica" e as "humanidades" faz com que hoje uma ópera de Verdi ou um concerto dos Rolling Stones sejam colocados no mesmo patamar valorativo.
Mas introduzo aqui uma ligeira variação ao argumento central de Vargas Llosa: vivemos hoje uma "civilização do espetáculo" porque o nosso tempo globalizado criou os mecanismos de difusão que nos permitem assistir a esse excesso de espetáculo.
Assistimos a tudo: ao lixo cultural, mas também a raras preciosidades. Assistimos aos tubarões em formol de Damien Hirst, mas também aos retratos de Lucien Freud. Assistimos à mediocridade pirotécnica de Hollywood, mas também ao cinema de Michael Haneke. Lemos Dan Brown, mas também os romances do próprio Vargas Llosa.
Perante esta selva estética e ética, o caminho não está em jogar a toalha e decretar o fim de uma "civilização". Está, pelo contrário, em ser "um dinossauro com calças e gravata", disposto a resgatar do caos o que merece ser celebrado como nunca.
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