Estado de Minas:01/01/2013
Mesmo tendo ido dormir depois da meia-noite, Cecília se levantou muito cedo hoje, disposta a aproveitar ao máximo o primeiro dia do ano. Afinal, o mundo não acabou, mais um Natal aconteceu e os planos para 2013 estão mais vivos do que nunca. Resta-lhe, portanto, imaginar possíveis (e impossíveis) formas de felicidade para o ano que se inicia, apesar de saber que as coisas nem sempre acontecem como esperamos. Ainda bem que ela está aberta ao acaso e não teme os acontecimentos imprevistos. Pelo contrário, considera que são eles que dão um tempero especial à vida.
Cecília, antes de preparar o café, vai até a varanda aguar as plantas, que são muitas. “Nossa, a avenca está linda”, diz para si mesma com ar de surpresa. Olha, então, para o céu e os prédios à sua frente, sentindo uma inexplicável vertigem. Vai até a cozinha, pega as frutas e o queijo na geladeira, põe o pão para aquecer no forno e arruma a mesa do café, usando as xícaras e os pratos brancos que comprou recentemente. “Será que ele vai acordar muito tarde?”, pergunta-se, pensando no marido e olhando para as frutas, com fome. Pega uma maçã e decide esperar o marido pelo tempo que for preciso, pois faz questão de tomar seu primeiro café do ano com ele. Em seguida, liga o som da sala e escolhe um CD de Paulo Moura para dar um ritmo alegre ao dia. Ela sempre gostou de ouvir chorinho, samba e gafieira ao som de clarineta, nos dias felizes. Já nas horas solitárias, prefere um concerto de piano e violino.
De repente, a imagem de seu pai lhe vem aos olhos. “Se ele ainda estivesse vivo, estaria completando 77 anos hoje”, Cecília pensa, fazendo as contas nos dedos. E passa a rememorar as inúmeras vezes em que foi, no dia 1º de janeiro, às festas que ele oferecia em sua casa, no interior de Minas, as quais começavam na noite de 31 de dezembro e iam até o final da tarde do dia seguinte, com muita comida, bebida, roda de violeiros, grupos de folias de reis e apresentações de congado. Seu pai foi um homem simples e generoso, que dava aos outros o que tinha e o que não tinha. Adorava organizar festas e fazer as pessoas felizes, sem nunca pedir nada em troca. Por isso mesmo era amado e admirado por todo mundo. Pena ter morrido tão cedo, deixando sua filha órfã e seus amigos muito tristes.
Lá fora, um cachorro late e um carro passa, ruidoso. Uma leve brisa chega pela janela. Cecília passa a mão direita nos olhos para afastar as lágrimas incontidas. “Não, não quero chorar hoje, não quero ficar pensando no passado”, diz com firmeza. E para se desviar das lembranças, começa a listar, aleatoriamente, as coisas que pretende fazer ao longo do ano que começa, como cultivar orquídeas e violetas na varanda do apartamento, andar de barca no Rio São Francisco, visitar Paris e Diamantina, voltar ao Vale do Reno, conhecer a Serra do Caparaó, ler todos os romances de Javier Marías, retomar as aulas de dança clássica, comprar uma nova adega de vinhos, jogar fora todos os papeis inúteis das gavetas e rever todos os filmes de Wim Wenders. “Será que vou conseguir cumprir a lista inteira?”, pergunta-se. Mas prefere acreditar que vai dar conta de quase tudo, mesmo com o acaso e os imprevistos.
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