Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
É comum sentirmos prazer ao retornarmos a um local onde vivemos uma boa experiência.
Uma cidade associada a uma paixão ou um restaurante onde começou um romance. Muitas
vezes a memória desses lugares é tão forte que temos medo de retornar e nos
decepcionarmos, mas é comum voltarmos buscando o prazer sentido no passado. Agora foi demonstrado que os camundongos fazem o mesmo: memorizam os locais onde sentiram prazer e retornam com frequência, buscando renovar a sensação. Mas, se no caso dos humanos são estímulos visuais que identificam o local, no dos camundongos é o cheiro de algumas gotas de urina.
Existem inúmeros exemplos de animais que utilizam marcas olfativas para demarcar
Existem inúmeros exemplos de animais que utilizam marcas olfativas para demarcar
território, identificar indivíduos e estabelecer quem manda em quem. Cachorros machos depositam urina em superfícies verticais, demarcando território. Cadelas no cio atraem machos exalando perfumes enlouquecedores. Enquanto os humanos usam estímulos visuais para memorizar a localização espacial de objetos, outros mamíferos utilizam estímulos olfativos para chegar ao local desejado. Cachorros podem usar o olfato para identificar o local por onde passou a raposa e segui-la.
Até recentemente, acreditava-se que os animais detectavam moléculas voláteis para construir um "mapa olfativo" da região em que viviam. Mas, se esse fosse o único mecanismo, o "mapa" seria constantemente alterado pelo vento e outros fatores que removem moléculas voláteis. Agora, cientistas descobriram que camundongos usam o cheiro de moléculas não voláteis, depositadas em locais determinados, para memorizar locais importantes, como aquele por onde passa seu parceiro sexual preferido.
O experimento é simples. Em um espaço previamente desconhecido, foram colocadas duas placas de petri (parecem pires feitos de vidro). Sem colocar nada nas placas, foi estudado quanto tempo fêmeas de camundongo ficavam em cada uma delas. Como era de se esperar, passaram o mesmo período de tempo em cada uma. Em seguida, foi colocada uma gota de urina de um camundongo macho em uma das placas e as fêmeas foram colocadas no ambiente por 10 minutos. Atraídas pelo cheiro do macho, elas ficaram três vezes mais tempo perto da placa que continha a urina.
Essas fêmeas foram então recolocadas em suas gaiolas. O local foi limpo, as placas, retiradas e substituídas por outras sem urina. Um dia depois, as fêmeas foram postas novamente no local. Mesmo sem o estímulo do cheiro, elas voltaram ao local onde, no dia anterior, estava a urina do macho, indicando que haviam memorizado o local.
Em um segundo experimento, os cientistas descobriram que, se utilizassem urina de fêmeas, as fêmeas não mostravam preferência pelo local nem o memorizavam. Aumentando o tempo entre a exposição das fêmeas à urina do macho e o momento em que elas eram trazidas de volta ao local, descobriu-se que a memória persiste por até 14 dias.
Quando os cientistas investigaram qual dos componentes da urina dos machos respondia pela memorização espacial nas fêmeas, descobriram que é o feromônio r-darcin, que não é volátil e portanto não se espalha pelo ar. Esses resultados demonstram que, ao visitar inicialmente um ambiente desconhecido, as fêmeas descobrem os locais onde os machos passaram (urinaram no local, depositando o feromônio) e memorizam sua localização. Quando voltam nos próximos 14 dias, mesmo na ausência de qualquer cheiro elas retornam ao local.
Organização social. Os cientistas creem que esse mecanismo de mapeamento espacial é importante para a organização social dos camundongos. Funcionaria assim: um macho passa por um local e deixa seu cheiro. As fêmeas memorizam o local e voltam lá na esperança de encontrar o macho. Se o macho não voltar nos próximos 14 dias, elas abandonam o local, concluindo que ele é pouco propício a encontros amorosos. Esse mecanismo de "marcar encontros" facilita o acasalamento.
Esse mecanismo não é muito diferente do usado por humanos. Membros da nossa espécie voltam frequentemente a locais onde podem encontrar parceiros sexuais, mas nesse caso a placa de petri se chama bar ou balada e memorizamos o local por informações visuais e não olfativas.
Mas o ato de memorizar locais propícios ao acasalamento tem a mesma função: permite que parceiros disponíveis sejam facilmente encontrados, mesmo em uma cidade enorme como São Paulo. E, se a memória for agradável, o retorno é garantido.
* Fernando Reinach é biólogo.
Até recentemente, acreditava-se que os animais detectavam moléculas voláteis para construir um "mapa olfativo" da região em que viviam. Mas, se esse fosse o único mecanismo, o "mapa" seria constantemente alterado pelo vento e outros fatores que removem moléculas voláteis. Agora, cientistas descobriram que camundongos usam o cheiro de moléculas não voláteis, depositadas em locais determinados, para memorizar locais importantes, como aquele por onde passa seu parceiro sexual preferido.
O experimento é simples. Em um espaço previamente desconhecido, foram colocadas duas placas de petri (parecem pires feitos de vidro). Sem colocar nada nas placas, foi estudado quanto tempo fêmeas de camundongo ficavam em cada uma delas. Como era de se esperar, passaram o mesmo período de tempo em cada uma. Em seguida, foi colocada uma gota de urina de um camundongo macho em uma das placas e as fêmeas foram colocadas no ambiente por 10 minutos. Atraídas pelo cheiro do macho, elas ficaram três vezes mais tempo perto da placa que continha a urina.
Essas fêmeas foram então recolocadas em suas gaiolas. O local foi limpo, as placas, retiradas e substituídas por outras sem urina. Um dia depois, as fêmeas foram postas novamente no local. Mesmo sem o estímulo do cheiro, elas voltaram ao local onde, no dia anterior, estava a urina do macho, indicando que haviam memorizado o local.
Em um segundo experimento, os cientistas descobriram que, se utilizassem urina de fêmeas, as fêmeas não mostravam preferência pelo local nem o memorizavam. Aumentando o tempo entre a exposição das fêmeas à urina do macho e o momento em que elas eram trazidas de volta ao local, descobriu-se que a memória persiste por até 14 dias.
Quando os cientistas investigaram qual dos componentes da urina dos machos respondia pela memorização espacial nas fêmeas, descobriram que é o feromônio r-darcin, que não é volátil e portanto não se espalha pelo ar. Esses resultados demonstram que, ao visitar inicialmente um ambiente desconhecido, as fêmeas descobrem os locais onde os machos passaram (urinaram no local, depositando o feromônio) e memorizam sua localização. Quando voltam nos próximos 14 dias, mesmo na ausência de qualquer cheiro elas retornam ao local.
Organização social. Os cientistas creem que esse mecanismo de mapeamento espacial é importante para a organização social dos camundongos. Funcionaria assim: um macho passa por um local e deixa seu cheiro. As fêmeas memorizam o local e voltam lá na esperança de encontrar o macho. Se o macho não voltar nos próximos 14 dias, elas abandonam o local, concluindo que ele é pouco propício a encontros amorosos. Esse mecanismo de "marcar encontros" facilita o acasalamento.
Esse mecanismo não é muito diferente do usado por humanos. Membros da nossa espécie voltam frequentemente a locais onde podem encontrar parceiros sexuais, mas nesse caso a placa de petri se chama bar ou balada e memorizamos o local por informações visuais e não olfativas.
Mas o ato de memorizar locais propícios ao acasalamento tem a mesma função: permite que parceiros disponíveis sejam facilmente encontrados, mesmo em uma cidade enorme como São Paulo. E, se a memória for agradável, o retorno é garantido.
* Fernando Reinach é biólogo.
MAIS INFORMAÇÕES: PHEROMONAL INDUCTION OF SPACIAL LEARNING
IN MICE. SCIENCE, VOL. 338, PÁG. 1.462, 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário