Itália, mas pode chamar de Brasil
Todo dia há um escândalo político, 20 anos depois da operação "Mãos Limpas", que prendeu 4.000
ROMA - Indignado com os escândalos cotidianos na política brasileira? Venha para a Itália. Vai experimentar sentimentos contraditórios: inveja porque aqui muita gente graúda vira e mexe vai para a cadeia. Mas também orgulho patriótico porque, em pelo menos um ponto, o Brasil está mais avançado.
Refiro-me especificamente à lei da ficha limpa, em vigor no Brasil. Aqui, Beppe Grillo, cômico que virou um político-antipolíticos e é a sensação da campanha para o pleito de domingo, coletou 350 mil assinaturas para uma lei popular visando um "Parlamento Pulito" (limpo). Nem foi apreciada pelo Parlamento.
Consequência: não passa dia sem que algum escândalo ocupe na mídia o espaço que deveria ser da campanha eleitoral.
Prender gente graúda, como pedem tantos brasileiros, não adiantou grande coisa: há 20 anos, a Justiça conduziu a chamada "Operação Mãos Limpas". Dinamitou dois dos grandes partidos da época, a Democracia Cristã e o Socialista (depois, a queda do Muro de Berlim sepultaria também o Partido Comunista, que foi o maior do Ocidente). Levou aos tribunais mais de 4.000 expoentes da política e do empresariado.
E daí? Nada. Basta dizer que, no vácuo dos antigos partidos, surgiu um certo Silvio Berlusconi, biliardário que ocupou por três vezes a presidência do Conselho de Ministros, apesar de ser uma espécie de Paulo Maluf italiano: campeão de processos, nenhuma condenação.
Berlusconi é a figura mais destacada na capa do semanário "L'Espresso" de um mês atrás, que apresenta 15 personagens políticos "inapresentáveis", mas que estão presentes nas listas partidárias. Você acha que só há 15 nomes para compor capa semelhante no Brasil?
O fato é que, 20 anos depois, ressurge na Itália a palavra envenenada que dinamitou o sistema político nos anos 90. "Por desgraça, estamos diante de algo muito similar à Tangentopoli", diz Mario Monti, primeiro-ministro em funções e quarto colocado nas pesquisas.
"Tangente" é suborno. "Poli" é cidade. Logo estamos diante de uma "Terra dos Subornos", algo que o brasileiro conhece bem. "Tangentopoli" foi o rótulo usado para os escândalos apurados na "Mãos Limpas".
De novo, ao contrário do Brasil, dá cadeia. Foi preso, por exemplo, Gianlucca Baldassari, gestor do banco mais antigo do mundo, o MPS (Monte dei Paschi di Siena), enrolado em operações com derivativos que o levaram às cordas. Foi salvo por uma injeção de dinheiro público -feita no governo Monti, diga-se- de € 3,9 bilhões (R$ 10,2 bi).
Foi também preso Giuseppe Orsi, conselheiro-delegado da Finmeccanica, empresa acusada de ter pago comissões, eventualmente repassadas a políticos, para vender helicópteros à Índia, que acaba de desfazer o negócio.
Para você ficar com inveja: em vez de criticar as "tangenti", Berlusconi diz que os juízes que mandam prender os empresários "atrapalham a economia". A tese do ex-premiê é cínica mas realista: quem não paga comissão não fecha negócio. No Brasil, muito político pensa -e age- assim, mas jamais admite.
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