terça-feira, 12 de março de 2013

Tecnologia a serviço da história-Paloma Oliveto‏

Tomografia computadorizada, análises de DNA e softwares de reconstituição facial são empregadas no estudo do passado. Contudo, métodos não substituem fontes documentais 


Paloma Oliveto

Estado de Minas: 12/03/2013 

Brasília – Milhares ou centenas de anos após terem morrido, figuras históricas recuperam a voz e ajudam a esclarecer episódios que relatos e documentos de época não conseguiriam resolver. A ampliação do uso de tecnologia moderna nas pesquisas arqueológicas está permitindo conhecer cada vez mais detalhes da vida e das condições de óbito de personagens como o faraó egípcio Tutancâmon, o “homem do gelo” Ötzi e, mais recentemente, o rei inglês Ricardo III, além do herói da Independência do Brasil, d. Pedro I. 

Máquinas de tomografia computadorizada, softwares de reconstituição facial, equipamentos para datação de carbono e aparelhos de sequenciamento de DNA se juntaram às tradicionais ferramentas dos arqueólogos e historiadores, que agora trabalham com geneticistas, biólogos, radiologistas e médicos forenses. Os resultados das pesquisas multidisciplinares lançam luz sobre questões que, de outras formas, jamais seriam conhecidas. Personagens são redimidos, tramas e conspirações vêm à luz e rostos que só se viam em pinturas ganham formas precisas e confiáveis. 

“Certamente, a tecnologia está revolucionando o estudo da história”, afirma o patologista francês Philippe Charlier, especialista em antropologia forense do Hospital Universitário Raymond Poincaré, em Garches, e do Laboratório de Ética Médica e Medicina Legal de Paris. Há pouco mais de uma semana, Charlier revelou detalhes sobre as técnicas de embalsamamento do coração de Ricardo I, legendário monarca inglês morto há mais de 800 anos durante uma batalha na França. Antes disso, o Sherlock Holmes do passado, uma das alcunhas que Charlier coleciona, havia feito o reconhecimento do crânio do rei francês Henrique IV e examinado ossos que se supunham pertencer a Joana D’Arc (nesse caso, os estudos mostraram que o material não era da heroína).

Raios X O uso da tecnologia nos estudos arqueológicos é antigo, mas, só recentemente, os métodos se tornaram mais sofisticados e seguros. Segundo o egiptólogo Michael Habicht, que integra o Projeto Múmia da Universidade de Zurich, na Suíça, logo após a descoberta dos raios X, Conrad Roentgen começou a radiografar tecidos mumificados. “Em 1912, o anatomista britânico Grafton Elliot Smith publicou o resultado da primeira autópsia das múmias reais do Museu do Cairo, oferecendo uma descrição completa de seus corpos, além de estimar a idade com que morreram. Contudo, o único equipamento existente à época para fazer essa avaliação eram os olhos de Smith, que, mais tarde, mostraram-se não tão acurados assim”, conta Habicht.
Os mortos continuariam a descansar em paz até a década de 1960, quando as universidades de Michigan e de Alexandria iniciaram um projeto no Museu do Cairo para radiografar os faraós e suas rainhas. Em 1979, a Universidade de Manchester, na Inglaterra, deu um passo adiante ao estudar diversos corpos mumificados não apenas por meio da radiologia, mas fazendo exames forenses, como análise de arcadas dentárias e digitais, fazendo reconstituição facial e datação por radiocarbono. Alguns anos depois, o geneticista Svante Pääbo, famoso por afirmar que o homem moderno procriou com os neandertais, investigou amostras de DNA retirados dos dentes de múmias. Naquela época, porém, o risco de contaminação era muito grande, e o trabalho não foi conclusivo. 

Demoraria até 2010 para que um estudo genético oferecesse detalhes importantes sobre personagens milenares: liderados pelo egiptólogo Zahi Hawass, cientistas de várias partes do mundo anunciaram detalhes sobre a família de Tutancâmon, o faraó menino, que assumiu o trono aos 12 anos e morreu aos 19, em 1324 a.C. As análises de DNA das múmias revelaram que ele era filho de Akenaton, rei polêmico que estabeleceu o monoteísmo no período em que governou o Egito, e de Nefertiti. A genética também evidenciou que Tutancâmon era fruto de uma relação incestuosa: seus pais eram irmãos sanguíneos.
Um pouco sumido depois de afastado do ministério das Antiguidades por ser considerado muito próximo ao ex-ditador Hosni Mubark, Zahi Hawass continua envolvido em alguns projetos. No ano passado, ele assinou como coautor um estudo publicado na revista British Medical Journal no qual se constata que o faraó Ramsés III foi assassinado com um corte na garganta em 1156 a.C., confirmando um antigo papiro que citava a morte do rei em um episódio conhecido como Conspiração do Harém.

No Brasil Sozinhos, os modernos equipamentos não podem fazer muita coisa. Documentos como o papiro milenar são fundamentais para encaixar todas as peças do quebra-cabeça histórico. A arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, que recentemente divulgou o resultado da exumação de dom Pedro I, d. Maria Leopoldina e d. Amélia, disse que seu trabalho só foi possível depois de ela vasculhar o arquivo do Museu Imperial, de Petrópolis, em busca de cartas e documentos do século 19. “A tecnologia só é útil quando se tem uma fonte primária de época”, esclareceu.

Com os dados de que precisava à mão, Ambiel partiu para a etapa tecnológica, que revelou informações como a altura do imperador e as lesões nas costelas provocadas por quedas de cavalo. Além disso, as tomografias desmentiram uma antiga versão de que d. Pedro teria empurrado a primeira mulher, Leopoldina, de uma escadaria. “Ela não tinha fraturas. Só pelos documentos, não teríamos como saber disso”, ponderou Valdirene, ao apresentar o trabalho.

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