Galera à deriva
Estamos um tanto quanto perdidos nos relacionamentos que estabelecemos com os mais novos, ocupem eles o papel de filhos ou de alunos.
Num tempo em que ser jovem é o desejo de todas as pessoas, de crianças a velhos, o papel educativo, que é responsabilidade dos adultos, entra em declínio principalmente por causa das atitudes destes últimos.
Quando conversamos com crianças, falamos como se elas percebessem e entendessem o mundo da mesma maneira que nós. Damos ordens e queremos que aprendam que essas ordens devem ser atendidas para sempre, daquele momento em diante.
Fazemos "combinados", que são pequenos contratos, como se elas pudessem bancar sua parte nesses acordos.
Damos explicações complicadas a respeito dos fatos do mundo e, paradoxalmente, protegemos as crianças de tudo. Tudo mesmo. Ou seja: de um lado, tratamos as crianças como se já fossem jovens e, de outro, não reconhecemos seu potencial para aprender a avaliar as situações e perceber seus riscos.
E com os adolescentes, como temos agido?
Aí é que a situação se complica. Pelo que tenho observado, como nós tratamos as crianças como se elas fossem jovens, quando elas se tornam adolescentes há uma tendência a considerá-las adultas antes da hora, antes da entrada na maturidade.
Acontece que a tutela dos adolescentes por parte dos pais e dos professores é fundamental para a finalização do processo educativo e de formação. Sem a presença educativa adulta nessa parte do processo, muitos adolescentes têm ficado à deriva nesse período tão importante da vida.
Dou um exemplo para ilustrar a maneira como estamos expondo os jovens a certo tipo de vivência.
Um conhecido, que me contou o ocorrido, estava em uma calçada conversando com um grupo quando viu chegar um carro dirigido por um rapaz. Ao lado dele, uma garota, com pouco menos de 18 anos, estava com quase todo o corpo para fora da janela do veículo.
O motorista estacionou o carro e esse meu conhecido, sem hesitar, foi imediatamente conversar com a garota. Falou dos perigos que ela corria ao andar no carro daquela maneira, explicou o que poderia acontecer e, nesse momento da conversa, deu-se conta de que a garota poderia reagir mal à abordagem. Ele pensou que ela poderia dizer que ele nada tinha a ver com aquilo, por exemplo. Então se desculpou com a garota por sua intervenção e esperou a reação dela.
Entretanto, a garota o surpreendeu. Dirigiu-se a ele com muito respeito e, logo após sair da posição em que estava no carro, disse que não via motivo algum para que ele se desculpasse porque estava fazendo justamente o que a mãe dela deveria fazer, ou seja, cuidando dela.
Você percebe, caro leitor, o lamento por trás da manifestação dessa jovem? O que ela disse foi que, por sentir-se sem o acompanhamento cuidadoso de um adulto responsável, era capaz de se colocar em situações de perigo.
Muitos adultos acreditam que o jovem quer ser liberado dos cuidados de pais e responsáveis e se sente muito melhor vivendo desacompanhado. Não é verdade.
Claro que os jovens reclamam das orientações que recebem, tentam transgredir as normas que devem acatar, rebelam-se contra os adultos que os acompanham. Mas tudo isso faz parte do jogo.
Talvez seja a maneira que eles têm de agradecer a companhia que fazemos a eles neste momento em que vivem.
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".
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