Aos domingos, são 200 canais transmitindo aos berros, ao vivo e em cores, as indecorosas manhãs sertanejas
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 26/04/2013
Preciso perguntar
ao meu advogado se posso escrever o nome da operadora de TV a cabo que
fiz a besteira de instalar, já paguei três mensalidades e o contrato é
de um ano. Se o doutor disser que posso e que, em caso de processo,
incumbe meia dúzia dos muitos advogados de seu escritório da minha
defesa, vou explicar direitinho como funciona, isso é, “como não
funciona” a parabólica parafusada na parede externa aqui do apê. É a
maior porcaria jamais instalada em qualquer lugar do planeta. Se chove
em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, o sinal some na Zona da Mata de
Minas e aparece um aviso para desligar o equipamento e aguardar cinco
minutos. Ora, bolas, pensei que uma parabólica, virada para o céu, não
tivesse relação com eventuais e rapidíssimos cortes de luz, de resto
segurados pelo nobreak. Sim, botei o nobreak de 600VA no conjunto
televisivo, quando o equipamento não segurou o novo computador, que
exigiu nobreak de 1.200VA e tem aguentado firme. Já lhes disse que meu
“plano” dá direito a uns 60 canais, 70 dos quais religiosos. Pode? Acho
que pode, porque é religião à beça e à bessa, com o seguinte fenômeno:
aos domingos, são 200 canais transmitindo aos berros, ao vivo e em
cores, as indecorosas manhãs sertanejas. É um sertanejar que não acaba
mais, osso duro de roer para quem morou na roça a vida inteira e não
suporta duplas sertanejas. Duplas e conjuntos de uma porção de
sertanejos com aqueles chapéus ridículos, mas há coisa pior: um dos
canais exibe, há dias, o Campeonato Mundial de Curling, sem favor algum o
esporte mais idiota inventado até hoje. Para os que não o conhecem, dou
algumas informações, que Tiro e Queda é serviço: criado na Escócia por
volta do século 16, o curling teve suas primeiras regras escritas em
1838. O objetivo do “esporte” idiota é despachar pedras redondas de
granito polido até um alvo, utilizando para isso da ajuda de
“varredores” que ficam alisando a pista de gelo à frente das pedras
deslizantes.
Diz a Wikipédia que o nome da imbecilidade
esportiva se origina do verbo inglês to curl, que significa girar, e se
deve ao fato de as pedras serem levemente giradas no lançamento
descrevendo uma parábola em sua trajetória. Louras lindíssimas
trabalhando como “varredoras” na pista de gelo, quando, evidentemente,
poderiam varrer o assoalho aqui do apê e aproveitar a oportunosa
ensancha para comprar o philosopho em 60 prestações mensais, taxa zero,
ainda com o IPI reduzido.
Trauma de thauma
Ando
com trauma de thauma. Trauma, do grego traûma,atos 'ferida, avaria,
derrota, desastre', por influência do francês trauma 'violência,
traumatismo, choque emocional'. Pois é, ando em choque emocional depois
que recebi o livro Thauma, do nosso Délcio Vieira Salomon. Não sou
crítico literário, nada sei de literatura, não passo de simples leitor,
que sabe quando gosta ou não gosta de um livro. Gostei de Thauma e acho
que nas 357 páginas Délcio escreveu O LIVRO, assim mesmo, em caixa alta.
No Google, vejo que thauma é grego e quer dizer “o espanto, a
admiração, a perplexidade, o assombro”, talqualmente fiquei depois de
ler o livro do ilustre brasileiro, um romance de ideias que mistura
investigação filosófica, mitológica, sociológica,
psicológica/psiquiátrica – mistureba, como diz o autor.
Ainda no
Google aprendo que Platão e Aristóteles indicaram com precisão a
experiência que, segundo eles, dá origem ao pensar filosófico. É aquilo
que os gregos chamaram thauma (espanto, admiração, perplexidade). A
filosofia, pois, começa quando algo desperta nossa admiração, nos
espanta, capta nossa atenção (Que é isso? Por que é assim? Como é
possível que seja assim?), nos interroga insistentemente, exige uma
explicação. Espantar-se diante das coisas, interrogá-las, é próprio da
condição humana. Qualquer cultura, por mais primitiva que seja, tem,
desde sempre, seu arsenal de respostas e explicações às questões que
normalmente são postas. Vitória editorial da Cultuarte.
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