SP na onda do Rio
DO RIODE SÃO PAULO
Quando o assunto é cinema, a chamada "locomotiva da nação" empalidece diante do Rio de Janeiro. São Paulo hoje produz menos filmes e registra menos espectadores por sala do que o Estado vizinho, que tem uma economia bem menos potente.
Para reverter esse quadro, a prefeitura paulistana quer aprovar na Câmara até o final deste ano projeto de lei que cria uma agência de fomento ao cinema.
"O Rio construiu uma política agressiva de fortalecimento da produção local. Queremos acelerar isso aqui, com uma agência não igual, mas inspirada no modelo da RioFilme", afirma a produtora Débora Ivanov, que participa da formulação do projeto.
O modelo da RioFilme, originalmente uma distribuidora, sofreu uma inflexão em 2009, quando passou a priorizar investimento em produções com potencial de grande bilheteria.
O resultado é o aumento exponencial do lucro da empresa municipal carioca, que só neste ano soma receita de R$ 5 milhões oriunda da bilheteria dos filmes em que apostou.
RioFilme defende fomento a blockbusters
Produções comerciais geram emprego e renda e devem receber investimento do governo, diz diretor da empresa
Gestão iniciada em 2009 aumentou investimentos e bilheteria de projetos bancados pela estatal
"Pela mesma razão que o BNDES coloca dinheiro numa fábrica de carro na Bahia: porque gera emprego e renda. Tem uma série de vantagens econômicas óbvias."
É esse tipo de visão que Muselet, um francês radicado no Brasil há dez anos, levou para a RioFilme desde 2009, quando foi convidado a trabalhar lá pelo então recém-empossado presidente da empresa, Sérgio Sá Leitão.
A dupla entrou na RioFilme --que completou 20 anos em 2012-- para implantar uma mudança de paradigma.
Enquanto em 2008 a estatal investiu R$ 1,1 milhão e lançou sete filmes, que venderam um total de 18,6 mil ingressos, em 2012 foram R$ 51 milhões (um quarto desse valor vindo do lucro com investimentos anteriores) e 16 filmes lançados, com 12,7 milhões de ingressos vendidos.
A comparação com o BNDES também é ilustrada com números: entre 2009 e 2012, os 32 filmes mais bem-sucedidos em que a empresa investiu geraram um PIB de R$ 540 milhões e 8.340 postos de trabalho, segundo estudo da RioFilme com dados da Ancine, da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do RJ) e do Filme B (portal especializado em cinema nacional).
"O discurso comum diz que o filme comercial se mantém sozinho, e que o governo tem de ajudar os filmes autorais. Eu acho que temos de fazer as duas coisas", diz Muselet.
Assim, a estatal dividiu seu financiamento de cinema em duas linhas: investimento reembolsável, na qual adquire participação nas receitas de projetos que têm boa perspectiva comercial, e não reembolsável, que visa a "diversidade cultural e acesso das pessoas à cultura".
A verba da RioFilme --R$ 101,5 milhões no período 2009-2012 -- foi dividida "meio a meio" entre as duas linhas, segundo o diretor.
Para que o filme possa ser financiado pela estatal, a partir deste ano sua produtora terá de ser carioca.
"Esse negócio de cinema não é eu tenho uma ideia na minha garagem com meus amigos, vamos filmar'. Ou você tem propriedade intelectual valiosa ou não tem negócio", diz Muselet, citando o caso da Disney.
Como exemplo nacional de "propriedade intelectual valiosa" ele cita a franquia cômica "De Pernas pro Ar", cujo segundo filme foi lançado no ano passado.
A RioFilme investiu R$ 2,5 milhões no longa e já obteve R$ 2,9 milhões de retorno --com as vendas para TV, espera faturar 140% do que gastou. Há, ainda, o retorno em impostos (nos três níveis de governo) pagos pela produção: R$ 14,3 milhões.
Aprofundado o aspecto mercadológico da linha de investimento reembolsável, a partir deste ano a RioFilme não investirá mais em longas que dão lucro, mas em empresas que dão lucro.
Entre as produtoras beneficiadas com financiamento automático estão a Conspiração, a TVZero e a Casé Filmes.
"Estou pensando em termos de eficiência econômica do fomento público. Hoje, temos 10% de share' [fatia de mercado do cinema nacional], e estamos assim há dez anos. Ou seja, a performance econômica do filme brasileiro é muito fraca. Como consequência, você tem muito fomento público para filmes que geram pouco PIB, pouco emprego, pouca renda."
Muselet prega que é preciso equilibrar os investimentos, que atualmente estariam quase todos concentrados nos filmes não comerciais.
"Temos de ter O Som ao Redor' e De Pernas pro Ar 2'. Só que, hoje, De Pernas pro Ar 2' é um acidente. Ele acontece apesar do sistema."
O diretor da RioFilme também coloca sob outra perspectiva a recente polêmica em torno do papel da Globo Filmes no sucesso dos filmes nacionais --originada a partir da entrevista de Kleber Mendonça Filho ("O Som ao Redor") à Folha.
"O filme não é comercial porque tem a Globo, ela entra porque o filme é comercial. O que eles conseguem é fazer que o filme que ia fazer 2 milhões de espectadores faça 3 milhões. Mas não transformam um filme de 200 mil ingressos num de 2 milhões."
São Paulo corre para tirar o seu atraso em relação ao Rio
Setor cinematográfico e prefeitura planejam agência para 2014
"São Paulo está atrasada em relação ao polo de produção do Rio de Janeiro e essa timidez não combina com a cidade. Precisamos passar a pensar grande", diz Venturi.
Pensar grande, nesse caso, significa investir na produção de filmes que ambicionem atingir o grande público. Os filmes voltados a experiências de linguagem, entretanto, não ficarão desatendidos, segundo Venturi.
Mas, assim como a RioFilme, a futura agência terá linhas de crédito distintas para as produções "comerciais" e as "autorais". "Vamos separar os tubarões dos bagrezinhos e dos lambaris", diz ele.
E mesmo os puros exercícios narrativos serão incentivados a almejar o sucesso no circuito das mostras. "Um filme tem que reverberar ou nas bilheterias ou nos festivais. Não podemos nos fechar num gueto e fazer filmes para serem vistos só por nós mesmos", diz Venturi.
O privilégio aos títulos de traço comercial inquieta os representantes da vertente autoral do cinema. "Em relação a qualquer projeto de fomento, nós, que somos o lado B do cinema, temos a preocupação se seremos contemplados", diz o cineasta Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus"). "Somos o lado mais frágil, dos que se preocupam mais em refletir sobre os problemas sociais e políticos do país do que em fazer público", diz o diretor.
Sérgio Bianchi ("Cronicamente Inviável") afirma não ser contrário ao projeto e sentir "uma vibração" do prefeito Fernando Haddad e do secretário de Cultura, Juca Ferreira, de "fazer acontecer".
"Mas não acredito em nenhuma medida que funcione enquanto 80% do mercado for dominado pelo filme americano", diz Bianchi.
O cineasta também afirma temer que "daqui a cinco anos tenhamos outra Ancine (Agência Nacional do Cinema), repleta de funcionários e inoperante".
Além de investir na produção e distribuição de filmes (em parceria com empresas já estabelecidas no mercado), a agência deve atuar na capacitação profissional, com ênfase no desenvolvimento de roteiros e na desburocratização dos trâmites para autorizar filmagens em São Paulo.
O nome da agência, ainda indefinido, tende a ser SP Cine ou SP Filmes. Segundo o rascunho atual, ela será uma empresa de sociedade anônima cujo sócio majoritário é a Prefeitura de São Paulo.
A secretaria municipal de Cultura planeja enviar o texto à Câmara em junho e avalia que será possível elevar, em 2014, os atuais R$ 10 milhões destinados ao cinema em seu Orçamento para R$ 30 milhões, a serem geridos pela agência em seu primeiro ano de operação.
O aumento da verba deve se dar via parcerias com o governo federal.
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