terça-feira, 23 de abril de 2013

Maria Esther Maciel - Música ao acaso‏


Estado de Minas: 23/04/2013 

Ontem, por telefone, uma amiga contou-me esta história, acontecida na terça-feira passada. Ela estava indo de carro para a casa da mãe, num fim de tarde depois de um dia intenso, e ouviu o sinal no painel do carro indicando que a gasolina estava no fim. Com receio de que o combustível não fosse suficiente para todo o percurso, resolveu parar no primeiro posto que viu no caminho. O trânsito estava sofrível, como sempre está nesses horários de pico. “Imagine se a gasolina acaba no meio desta avenida?”, pensou antes de estacionar diante da bomba de combustível e esperar pelo atendimento. Estava com o som ligado, pois costuma ouvir música nos momentos em que dirige sozinha. Tinha feito, inclusive, uma seleção de músicas especialmente para essas horas no carro.

Quando o rapaz do posto se aproximou, ela ouvia uma das suítes de Bach para violoncelo solo, interpretada por Yo-Yo Ma. Era o Prelúdio da suíte nº 2, que é uma beleza. Ao perceber a presença do moço, abaixou o volume e pediu-lhe que completasse o tanque. Ele recebeu as chaves, mas continuou parado diante da janela do carro. Até que perguntou: “Que música é essa?”. Ela, surpresa, falou de quem era a música. Ele, então, pediu-lhe que aumentasse de novo o volume, pois estava achando lindo o que ouvia. Disse que não havia entendido bem o nome do compositor e perguntou se ela podia anotar para ele, colocando também o título da música. Ela o atendeu, anotando tudo num pedaço de papel encontrado na bolsa. O rapaz devia beirar os 20 anos; era magro, tinha um sorriso largo, lábios fartos e olhos miúdos. Estava visivelmente encantado com o som que ouvia. Só depois de a faixa acabar, foi cuidar da gasolina. Quando terminou de abastecer o carro, ainda comentou: “Acho que essa foi a música mais bonita que já ouvi na minha vida. Obrigado.”

Ela, sem saber muito bem como reagir, disse algo prosaico como “que bom que você gostou”, acompanhado de um sorriso previsível. Pegou as chaves, pagou a conta e arrancou o carro, agradecendo ao moço o serviço e a gentileza. Ele ainda repetiu, com explícita sinceridade: “Valeu, gostei da música. Obrigado”.

Esse episódio mexeu com minha amiga. Ela, que sempre achara uma balela essa história de que pessoas de determinadas classes sociais (seja CD, X ou Y, não importa) não são capazes de apreciar certos tipos de arte, considerada elitista, confirmou suas convicções diante do episódio do moço do posto de gasolina. De fato, cabe indagar o porquê desse preconceito contra a capacidade de as pessoas simples apreciarem uma música clássica, um filme legendado, um poema, uma peça de teatro, uma instalação de arte. Não dá para entender essa mania do chamado mercado de mediocrizar tudo, sob o argumento de que as pessoas em geral só gostam de coisas medíocres. Não seria mais interessante que elas pudessem descobrir coisas diferentes, experimentar novas sensações e exercitar formas alternativas de percepção do mundo?

Minha amiga não hesitou: ao chegar em casa naquela noite, gravou uma cópia das seis suítes de violoncelo de Bach, na interpretação de Yo-Yo Ma, e a levou até o posto no dia seguinte, entregando-a ao rapaz que a atendera. E nem se lembrou de perguntar o nome dele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário