terça-feira, 23 de abril de 2013

Sumiço de bate-bocas abre brecha para defesa-Helena Mader, Diego Abreu e Adriana Caitano‏

Ministros do STF excluem trechos de discussões das 8.405 páginas do acórdão do julgamento do processo do mensalão e advogados dos réus afirmam que vão recorrer contra a supressão 


Helena Mader, Diego Abreu e Adriana Caitano

Estado de Minas: 23/04/2013 

Brasília – Quatro meses após a conclusão do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou ontem o acórdão do processo. A aguardada divulgação dos votos dos ministros da Corte manteve a série de polêmicas que envolveu o caso: alguns magistrados suprimiram trechos dos debates travados em plenário durante o julgamento, o que gerou críticas de réus e até de magistrados do próprio STF. O ministro Luiz Fux retirou do acórdão todos os 520 comentários e colocações feitos ao longo dos quase cinco meses do processo. Com isso, o acórdão traz trechos sem sentido, em que ministros respondem  questionamentos feitos por Fux, por exemplo, sem que a fala dele com a pergunta apareça no documento. O ministro Celso de Mello excluiu boa parte de suas participações em debates. Advogados de condenados reclamam da supressão e garantem que vão recorrer contra o cancelamento de trechos dos votos de ministros.

O acórdão do mensalão, que tem 8.405 páginas, foi divulgado pelo Supremo na manhã de ontem. O relator do processo, presidente Joaquim Barbosa, e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, mantiveram a íntegra de suas polêmicas e acaloradas discussões no plenário. Os constantes bate-bocas entre esses ministros foram transcritos e incluídos no acórdão.

O regimento interno do STF determina que as notas taquigráficas ou transcrições de áudio do julgamento devem fazer parte do acórdão. Por isso, para o ministro Marco Aurélio Mello, a supressão de trechos de discussões e votos do acórdão contraria a legislação. “Se um ministro não quer que um determinado comentário não entre no acórdão, então que se policie para não falar”, critica Marco Aurélio. Ele acredita que essa supressão poderá dar brecha para que condenados recorram da decisão. “A defesa se vale de qualquer aspecto que entenda válido para socorrer os interesses do defendido”, justificou.

O ministro Gilmar Mendes disse que o cancelamento de trechos do debate “é normal” e que isso ocorre quando uma frase fica fora de contexto. Ele cancelou apenas três participações feitas ao longo do julgamento. Questionado se os trechos suprimidos por outros ministros acarretam prejuízo para o acórdão, Gilmar disse que não há problema, pois, na sua avaliação, o mais importante é o conteúdo do voto.

De acordo o gabinete do ministro Celso de Mello, o cancelamento de trechos do debate não altera o conteúdo do que foi decidido em plenário nem o resultado do julgamento. O gabinete acrescenta que os ministros – quando não relator ou revisor – têm a faculdade de cancelar seus votos, quando não são os primeiros a divergir da tese apresentada. Informa ainda que o prazo concedido para a entrega dos votos é destinado exatamente à revisão.

Em nota, o ministro Luiz Fux explicou que os cortes tiveram como motivação reduzir o número de páginas do acórdão. “O cancelamento das notas taquigráficas se deve à juntada de votos escritos. Desse modo, a repetição geraria indesejado aumento do número de páginas do acórdão, que, como sabido, alcançou a marca de mais de 8 mil laudas. O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, em um resumo dos votos escritos.”

omissão Na tarde de ontem, os advogados dos réus já se debruçavam sobre o documento. Alguns esperavam a publicação do acórdão para definir a estratégia para rebater o resultado e outros apenas pretendiam reforçar apontamentos já feitos. “Eu transcrevi as sessões transmitidas pela tevê e comecei a redigir o embargo sobre os pontos relevantes de omissões que identifiquei, agora falta checar os possíveis pontos de contradição”, comentou Marcelo Leal, advogado do ex-deputado Pedro Corrêa.

Um item que chamou a atenção da maioria dos defensores foi a ausência de frases ditas por alguns ministros em plenário. “O fato de o ministro Fux ter tirado do acórdão o que disse me parece ser uma omissão e nós podemos pedir que ele declare o que foi retirado. Isso pode vir a ser considerado contraditório”, adiantou Luiz Fernando Pacheco, advogado do deputado José Genoino (PT-SP). “Se esses cancelamentos sugerirem alguma supressão de pontos relevantes, pode-se ensejar em embargo de declaração por omissão”, concorda Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende Roberto Jefferson. O prazo para a apresentação de recursos vai de hoje até 2 de maio. (Colaborou Edson Luiz)

Mancha na história  

O escândalo do mensalão foi classificado no voto do ministro Luiz Fux como o evento que “maculou a história recente do Brasil”. Embora tenha suprimido do acórdão todas as suas participações nos debates, o magistrado juntou ao documento a íntegra de seu voto, que não havia sido lida no julgamento. Em um dos trechos, Fux se refere ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu – que recentemente o acusou de ter prometido absolvê-lo – como o comandante de uma quadrilha que tinha um “projeto de poder de longo prazo de ilicitude amazônica”. Já o presidente do STF e relator do caso, Joaquim Barbosa, descreve José Dirceu como a pessoa que estava à frente da “organização” e do “controle” das atividades criminosas.
Mais controvérsias pela frente


Brasília – O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quer agilidade na apreciação dos recursos dos réus condenados no julgamento do processo do mensalão e disse ter certeza de que “o Supremo velará para que sua decisão tenha eficácia e efetividade”. Ele defende que a execução das penas seja determinada tão logo o julgamento dos embargos de declaração seja concluído. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, tem adotado o entendimento de que os decretos de prisão só podem ser expedidos depois do trânsito em julgado do processo – quando não há mais possibilidade de recorrer.

O recurso cabível para contestar as decisões tomadas no julgamento do mensalão são os chamados embargos de declaração, instrumento voltado para contestar omissão, obscuridade ou contradição. No entanto, os réus prometem entrar também com embargos infringentes. Essa é uma das controvérsias que ainda deverão ser enfrentadas pelo Supremo. O regimento interno da Corte prevê os dois embargos: os de declaração e os infringentes, únicos com possibilidade de mudar o resultado do julgamento. Mas nesse caso é preciso haver pelo menos quatro votos favoráveis ao réu. Dos 25 condenados, 14 se encaixam nessa situação e poderiam então recorrer duas vezes.

O tema, porém, é controverso. A Lei nº 8.308/1990 não prevê a possibilidade de apresentação de embargos infringentes em ações penais. “Nunca apreciamos se a 8.308 revogou ou não o nosso regimento”, lembra Marco Aurélio Mello. A decisão a respeito do mensalão pode ter reflexos nas ações penais que tramitam em outras cortes, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para Gurgel, os embargos infringentes são “manifestamente inadmissíveis”. “Eles constam do regimento interno do STF, mas não são compatíveis com a regulação que se tem. Não tenho dúvida nenhuma do descabimento deles”, frisou o procurador-geral da República.

O advogado de Henrique Pizzolato, Marthius Sávio, é um dos defensores que já deram sinais de que, após os embargos de declaração, vão insistir nos infringentes. “Identificamos que há documentos nos autos que não foram devidamente analisados pelos ministros, o que poderia sim ter efeito diferente no que foi julgado”, destaca. “Quanto mais garantia de defesa, como alternativas e aumento de prazo, menor a chance de nulidade de um processo”, ressalta Leonardo Issac, advogado de Simone Vasconcelos. No acórdão, Joaquim Barbosa observa que a permanência dos deputados condenados em mandato é incompatível com as penas aplicadas pelo STF. (DA, HM, AC e EL)

o que diz a lei

A Lei 8.038, de 1990, não prevê os embargos infringentes para ações penais. No entanto, o regimento interno do Supremo Tribunal Federal, editado antes da lei, admite esse recurso. Caberá ao plenário da Corte decidir se há essa possibilidade em relação à Ação Penal 470. Se houver, os embargos serão sorteados para um relator, excluídos os ministros Joaquim Barbosa, que assumiu esse papel no processo do mensalão, e Ricardo Lewandowski, que foi revisor do caso. Os embargos infringentes podem ser propostos quando um réu foi condenado mas obteve ao menos quatro votos pela absolvição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário