Renomados cientistas BRASILEIROS não
estão livres de enfrentar burocracias NO DIA A DIA. Eles reconhecem
AUMENTO dA PESQUISA no país, mas ponderam que qualidade não acompanha índices
Carolina Cotta
Estado de Minas: 16/05/2013
Sérgio Danilo
Pena, integrante do grupo de cientistas que trabalharam no projeto
Genoma Humano – um dos maiores esforços internacionais para mapear os
genes do homem –, fez pesquisa e lecionou em grandes universidades
mundiais por 12 anos. Em 1988, introduziu os testes de paternidade por
DNA na América Latina. Já formou 40 doutores, mas tem a mesma
dificuldade de importar um reagente que qualquer outro pesquisador. Na
quinta e última reportagem da série “Vida de cientista”, o Estado de
Minas mostra que a realidade dos percalços da ciência nacional não bate à
porta apenas dos recém-doutores. Cientistas de renome internacional
também sofrem na pele com dificuldades.
Sérgio Pena chega a
esperar semanas, às vezes meses, para ter o reagente liberado em seu
laboratório na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte,
ou em seu laboratório privado, o Gene. É prova de que os grandes nomes
da ciência nacional enfrentam os mesmos problemas de burocracia,
remuneração e infraestrutura, mesmo tendo visibilidade internacional.
Especialista
em genética, o pós-doutor pelo National Institute for Medical Research,
de Londres, tem assento no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia,
diretamente ligado à Presidência da República. Vê com bons olhos o 13º
lugar em produção científica conquistado pelo Brasil, que ultrapassa
importantes países europeus, e com olhos menos satisfeitos o ranking de
citações, resultado de artigos publicados por pesquisadores brasileiros.
“Cresceu a publicação, mas a qualidade do que é produzido não
acompanhou esse número”, critica.
Exemplo de modelo no qual o
Brasil precisa investir, a ciência translacional, aquela que tem uma
reverberação na sociedade, Pena, assim que voltou do exterior,
preocupou-se em abrir não só sua linha de pesquisa e laboratório na
UFMG, mas também um espaço privado de pesquisa. Para isso, precisou se
multiplicar. “Fazia pesquisa no hospital e no Gene. Investi muito para
ter uma carreira acadêmica e também privada. Faço pesquisa acadêmica em
um e ciência aplicada no outro. Desde o começo vivi esse binômio hoje
tão desejável da interação da universidade com a empresa.”
Por
outro lado, ele considera fazer ciência em empresa duplamente complicado
no país. Nas universidades, por exemplo, é possível fazer importação
direta. Nas empresas acaba aparecendo a figura do atravessador. Isso sem
contar a demora. “Fora da universidade preciso pagar mais imposto. O
que custaria R$ 100 mil, vira R$ 300 mil. Mas talvez o que mais incomode
é a morosidade. Tenho que pensar hoje o que vou precisar daqui a seis
meses. Isso atrasa a pesquisa.”
PERDA DE TEMPO O
problema não é diferente no Departamento de Física, onde trabalha o
professor Marcos Pimenta, de 55 anos, referência em nanotubos de
carbono. Pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em
Cambridge, nos EUA, o pesquisador lembra dos tempos em que fez pesquisa
na universidade americana. Se pedia um filtro ótico, no dia seguinte o
equipamento estava em sua mesa. “Aqui, tenho que escrever um projeto,
esperar que seja julgado, aguardar o dinheiro, fazer o processo de
importação. Depois de seis meses, ainda tenho que buscar o material no
aeroporto. Passamos parte do tempo trabalhando em coisas que não são
nosso objeto final”, diz.
Segundo o secretário-executivo do
Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luiz Antônio
Rodrigues Elias, o problema do atraso das importações está melhor desde a
criação do CNPq Expresso, que reduz a burocracia. A ideia do programa é
dar agilidade à vistoria da Receita Federal, Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e outras instituições de fiscalização nos
aeroportos internacionais. “A fiscalização é necessária. Se vou importar
um ser vivo para pesquisa, tenho que garantir a sanidade da amostra”,
justifica.
Fundador de uma linha de pesquisa inédita no Brasil e à
frente do laboratório de espectrospia Raman, que estuda a interação
entre luz e matéria, Marcos Pimenta também vê outros entraves ao
progresso da ciência nacional, como o tempo de dedicação às aulas.
Segundo ele, em países desenvolvidos um pesquisador leciona no máximo
quatro horas semanais. A situação já ocorre na Universidade de São Paulo
(USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A própria
Universidade Federal do Rio de Janeiro já baixou para seis horas. Na
UFMG a carga didática é de nove horas por semana.
BOLSA IRRISÓRIA “Damos
muita aula e assim ficamos em desvantagem também no tempo disponível
para a pesquisa. Muitas vezes trabalhamos como um don Quixote, o tempo
inteiro lutando contra os moinhos para fazer a coisa andar”, desabafa.
Pesquisador 1A do CNPq, o mais alto nível a ser alcançado por um
cientista brasileiro, Marcos recebe uma bolsa de R$ 1.500 em
reconhecimento à sua produtividade. Ser referência em sua área tampouco
lhe dá retorno salarial. Como professor titular tem salário líquido de
R$ 9.500 mensais. “O cientista não é movido pelo dinheiro, mas somos
meio vaidosos, existe um certo narcisismo, uma busca por reconhecimento,
que é nossa maior força interna”, defende o físico.
Sérgio Pena,
em área oposta, não discorda. Convidado para dar uma aula inaugural do
curso de medicina, apresentou aos alunos sua visão do que move o
cientista no século 21. Em sua opinião, não é fama e glória, e lembrou o
fato de o descobridor do código genético, Marshall Niremberg, ter sido
identificado com uma interrogação em uma legenda de foto no Instituto de
Ciências Biológicas/UFMG, feita por uma secretária da época de sua
visita a Belo Horizonte. Tampouco é a expectativa de ter vida mansa, já
que é uma atividade de muito trabalho. Boa remuneração também não
explicaria essa decisão. Sobrava a quarta opção: criar algum
conhecimento novo, de vez em quando. “Essa é a única razão. Esse é o
prazer da vida científica. Nosso hobby é a ciência e a frase famosa
entre os pesquisadores ganha sentido: ‘Se já temos a ciência, para que
algo mais?”
ENTREVISTA »
"É preciso mais inovação no país"
Publicação: 16/05/2013 04:00
Luiz Davidovich
Pós-doutor em física e professor titular da Universidade Federal do Rio De Janeiro
Membro
da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências, do
Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), do Conselho Internacional para a Ciência e da
National Academy of Sciences (EUA), Luiz Davidovich é um dos grandes
nomes da física mundial. As 24 horas do dia não são suficientes para dar
conta de tanta atividade. “Fico sempre devendo”, brinca. Para ele, a
pesquisa no Brasil e a inovação tecnológica estão tendo importante
impacto internacional, embora a inovação ainda caminhe de forma
incipiente.
A pesquisa brasileira progrediu na última década. Que desafios persistem?
A
ciência brasileira está sendo publicada em boas revistas científicas,
mas, com raras exceções, ainda não está pautando os principais
desenvolvimentos científicos e tecnológicos internacionais. É necessário
um salto de qualidade, para alcançar um novo patamar que coloque o país
como protagonista no cenário internacional. É necessário ampliar a base
que dará origem aos profissionais do futuro e diversificar as
instituições de ensino superior. Precisamos investir em áreas do futuro e
superar a burocracia. É necessário também reformar com urgência a
carreira docente das universidades federais, de modo a valorizar a
formação pós-graduada e assegurar que o mérito seja reconhecido. Zelar
para que os jovens professores não fiquem soterrados por um número
excessivo de horas de aula, exatamente no período de suas carreiras em
que podem ser mais criativos na pesquisa, é essencial. Há ainda o grande
desafio de modernizar os programas das universidades.
Um brasileiro tem menos oportunidade de sucesso com a estrutura de pesquisa que tem?
Estamos
ainda distantes do nível de publicações dos países desenvolvidos. Em
parte, essa distância está associada à diferença de recursos para a
ciência, à falta de equipamentos adequados para investigações na
fronteira do conhecimento em várias áreas. No Brasil, devemos contar com
boas ideias realizadas em equipamentos de baixo custo, mas isso não
leva o país às primeiras posições na escala de qualidade das publicações
internacionais. Pesquisadores brasileiros, sobretudo os envolvidos com
pesquisa experimental, gastam um tempo apreciável lutando contra a
burocracia, procurando importar insumos ou equipamentos. Ou brigando
para fortalecer a universidade. Por outro lado, padece a ciência no
Brasil de critérios de avaliação de pesquisadores e programas que
privilegiam a análise quantitativa, em detrimento da qualitativa.
GALERIA DE NOTÁVEIS
CARLOS CHAGAS
Oliveira (MG)
Pela
primeira vez na história da medicina, um pesquisador conseguiu
descrever, por completo, o ciclo de uma doença. No caso, o mineiro
Carlos Chagas e a tripanossomíase americana, conhecida como doença de
Chagas. O médico e sanitarista foi responsável por importantes
descobertas no ramo da parasitologia e da saúde pública: seus estudos
possibilitaram o avanço das práticas de prevenção e combate a doenças
como a malária e a gripe espanhola. Formado pela Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, especializou-se no estudo experimental das doenças
tropicais. Contratado por Oswaldo Cruz com a missão de controlar a
epidemia de malária que assolava o município de Itatinga (SP) e o Norte
de Minas Gerais, Chagas acabou descobrindo algo maior. Suas pesquisas em
Minas o levaram a um protozoário até então desconhecido, que denominou
de Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz. Ficou mundialmente
famoso. Em 1921, em viagem pelos Estados Unidos para uma série de
conferências, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade
de Harvard, tornando-se o primeiro brasileiro a obter a condecoração.
Chagas foi ainda membro honorário da Société de Pathologie Exotique da
França, da Royal Society of Tropical Medicine da Inglaterra e das
Academias de Medicina de Paris, Bruxelas, Roma e Nova York.
Fonte: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
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