quinta-feira, 16 de maio de 2013

Editoriais Folha de SP

folha de são paulo

O caso Angelina Jolie
Foi sem dúvida surpreendente e corajoso o artigo que Angelina Jolie escreveu para o jornal "The New York Times", no qual a atriz revelou ter feito cirurgia para retirar as mamas e assim diminuir o risco de desenvolver um câncer.
Habituada a usar em favor de causas humanitárias o interesse que desperta na imprensa, Jolie, desta vez, deflagrou um debate acerca do procedimento --controverso-- e da promessa de uma medicina cada vez mais personalizada, baseada em informações do perfil genético do paciente.
Jolie, 37, decidiu realizar dupla mastectomia preventiva após descobrir uma mutação no gene BRCA 1 que a torna extremamente propensa a desenvolver tumores nas mamas e nos ovários --ela ainda planeja removê-los. Segundo a atriz, o risco de câncer de mama era de 87%, e o de ovário, de 50%.
Só uma minoria dos tumores de mama (cerca de 10%) tem origem genética. Parcela ínfima da população, estimada entre 0,1% e 0,2%, carrega as mutações perigosas, que são um pouco mais frequentes entre judeus de origem europeia.
Procedimentos como o adotado por Jolie se tornaram possíveis depois que pesquisadores identificaram nos genes BRCA 1 e 2 variantes deletérias associadas à doença e desenvolveram testes para detectá-las. Num lance questionável, ambos os genes foram patenteados nos Estados Unidos pela empresa Myriad Genetics. O caso está na Suprema Corte norte-americana.
Não menos polêmica é a decisão de Jolie de remover preventivamente tecidos que, até prova em contrário, permaneciam saudáveis. Diversos profissionais de saúde sustentam que seria preferível um acompanhamento rigoroso, ou até uma quimioterapia profilática, a solução tão radical.
O problema é que ainda não há um número suficiente de casos para determinar de forma estatisticamente segura qual é a melhor conduta. A escolha acaba definida pela tolerância ao risco de cada paciente --decisão pessoal e intransferível, para a qual contribuiu, no caso de Jolie, o fato de sua mãe ter morrido de câncer aos 59 anos.
Não demorará para que cientistas identifiquem novas associações entre variantes genéticas e moléstias, estendendo a mais pessoas dilemas como o vivido pela atriz.
Se a era da medicina personalizada acena com medicamentos e terapias mais eficientes, desenhados para o perfil genético de determinada pessoa, também deverá multiplicar as ocasiões em que se conhecerá a doença, mas não a cura. Cada um terá de escolher de quanta informação necessita.

    EDITORIAIS
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    Contra o tempo
    Manobras obscuras do Congresso ameaçam a MP dos Portos, uma tentativa de pôr o setor no compasso da acirrada competição global
    A corrida do governo federal para impedir de caducar a medida provisória nº 595 --a famigerada MP dos Portos-- termina hoje, prazo final para o Congresso votá-la. Falta pouco para o público constatar se o Legislativo terá dado o passo à frente de que o país precisa ou se optará pelo arcaísmo que tão bem tem representado.
    A julgar pelas últimas sessões sobre o tema na Câmara, caberia esperar pelo pior. Quem ainda não se resignou a desviar os olhos do desfile de inanidades presenciou espetáculo surreal em plenário.
    "MP dos Porcos" e "chefe de quadrilha" foram alguns dos termos que os deputados Anthony Garotinho (PP-RJ) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) se permitiram dirigir um ao outro. Surpreende que segmento tão particular da infraestrutura --ainda que vital para a competitividade nacional-- produza tanto ardor e tão pouca luz.
    Por certo há interesses beneficiados e prejudicados com a mudança do status quo pretendida pela MP --basta mencionar que terminaram envolvidos na discussão negócios e projetos de empresários proeminentes como Daniel Dantas, Eike Batista e Emílio Odebrecht. O controle da alocação de mão de obra nos portos também mobiliza entidades trabalhistas de peso, como a Força Sindical.
    É de supor que os afetados estejam a exercer pressão sobre aliados no Congresso, atividade que nada teria de questionável se exercida com mais clareza. O baixo nível atingido, entretanto, parece decorrer mais da confluência desses interesses contrariados ou favorecidos com demandas comezinhas da massa parlamentar, que se acredita desatendida e espezinhada pela presidente Dilma Rousseff.
    Não por acaso, a deficiente articulação política do governo teve de recorrer às burras do Planalto e liberar coisa de R$ 1 bilhão em emendas individuais represadas. Sai muito caro, como de hábito, tanger o Congresso na direção necessária --ainda assim, muito mais barato que tolerar o atraso feudal dos portos nacionais.
    O Brasil ocupa o 45º lugar, entre 155 países, no índice de desempenho logístico (LPI, em inglês) compilado pelo Banco Mundial em 2012. No ranking de competitividade global de 2013 do Fórum Econômico Mundial, o país subiu da 53ª para a 48ª posição, mas amarga uma 107ª colocação no quesito infraestrutura e despenca para a 135ª em matéria de portos.
    Dito de outra maneira, o sistema portuário precisa de uma reviravolta, que não virá sem a competição entre terminais. É uma questão de sobrevivência para a economia brasileira. E o Congresso precisa decidir se vai ficar a favor da necessidade histórica --ou contra ela.

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