Mariana Peixoto
Estado de Minas: 12/06/2013
Julie Delpy e Ethan Hawke em Antes da meia-noite: um dos casais mais famosos do cinema romântico contemporâneo |
“Pense nisso: daqui a 10, 20 anos, você está casada. Só que seu casamento não tem a mesma energia de antes. Você começa a culpar seu marido. Você começa a pensar em todos os caras que encontrou na vida e o que poderia ter acontecido se tivesse ficado com um deles. Bem, eu sou um desses caras.” Foi dessa maneira que o americano Jesse convenceu a francesa Celine, que tinha acabado de conhecer, a deixar o trem que iria levá-la a Paris e acompanhá-lo por uma noite em Viena. No verão de 1995, ele é realmente um desses caras. Dezoito verões mais tarde, Jesse ainda é um cara. Só que o marido.
Nada será como antes para Jesse e Celine, os personagens que movem não a mais bonita, porém certamente uma das mais verdadeiras histórias de amor do cinema contemporâneo. Dezoito anos depois de Antes do amanhecer e nove depois Antes do pôr-do-sol, o cineasta norte-americano Richard Linklater lança Antes da meia-noite, filme que coloca em xeque a relação do casal interpretado por Ethan Hawke e Julie Delpy, coautores da (pelo menos até agora) trilogia. Lançado em janeiro no Festival de Sundance, chega aos cinemas brasileiros nesta sexta-feira.
Depois de se conhecerem e passar uma noite em Viena aos 20 e poucos anos, se encontram em Paris aos 30 e poucos, os dois, recém-entrados na casa dos 40, casados e pais de gêmeas, estão em férias na Grécia. Durante seis semanas do verão, conviveram com um grupo diverso de pessoas num cenário idílico que esconde a crise econômica pela qual passa o país. Não é preciso ir muito longe para perceber a metáfora. Jesse e Celine, a despeito do entrosamento que salta aos olhos, também estão com problemas. O confronto vai ocorrer justamente em sua última noite na praia, quando deixam as filhas aos cuidados de amigos e vão passar a noite num hotel.
Isso só ocorre no terço final da narrativa. O gatilho está logo no começo. No aeroporto, Jesse se despede de Hank, o filho adolescente que teve com a primeira mulher. Hoje, o garoto vive com a mãe em Chicago e o pai, radicado em Paris, sente por perder os anos de formação do filho. Acredita que uma mudança com toda a família para os Estados Unidos pode mudar a situação. Celine é radicalmente contra.
A assinatura de Linklater continua presente, principalmente com longas sequências em movimento, sempre pontuadas por diálogos inteligentes e absolutamente naturais, que acabam remetendo aos filmes anteriores. A primeira delas traz 14 minutos de Jesse ao volante e Celine a seu lado. É banal, tanto por isso adorável, os dois brincando de brigar sobre parar ou não para mostrar às filhas (mais) uma série de ruínas gregas ou o que vai acontecer quando o pai “rouba” metade da maçã de uma delas. Ou então vê-la imitar, na frente dos outros, uma mulher estúpida que se encanta ao conhecer um escritor.
É admirável o que o diretor e a dupla de atores fizeram com os personagens: optaram pelo caminho mais difícil, que certamente não vai agradar a todos. Até pela impossibilidade de ser vivida em toda a sua plenitude, a relação apresentada nas narrativas anteriores, ainda que factível, era totalmente idealizada. Numa situação diferente, o embate é certeiro, numa longa e cruel DR que por vezes exaspera o espectador. O amor ainda se faz presente, mas há muita coisa ao redor para massacrá-lo: a criação das filhas, a ex-mulher vingativa, a aproximação da meia-idade, frustrações profissionais, além do mais puro desgaste da vida a dois. No passado, eles se desafiavam a ficar juntos apesar de não ter tempo para tal. Agora, o desafio do casal é se manter unido por toda a vida. A procura da razão, quem já viveu uma longa história de amor sabe, é a parte mais difícil.
Terminou?
A pergunta obrigatória para os fãs do casal – “Vai haver um quarto filme?” – não tem uma resposta objetiva: “Vamos nos afastar de Jesse e Celine por agora, vamos deixar que eles continuem conversando, e então veremos. Quem sabe?”, foi o que disse Linklater. Aguardemos os próximos nove anos.
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Inspiração
Nos créditos finais de Antes da meia-noite, aparece uma dedicatória a uma certa Amy Lehrhaupt. Foi o encontro dela com o diretor Richard Linklater que o teria inspirado a criar a história de amor entre Jesse e Celine. O ocorrido, que só veio à tona há poucos meses, tem pelo menos 25 anos. Linklater a teria conhecido numa loja de brinquedos. “Ficamos uma noite inteira caminhando pela Filadélfia em 1989 e só descobri há poucos anos que ela havia morrido jovem, num acidente da moto”, afirmou o diretor à imprensa internacional. Amy teria morrido poucos meses antes de Linklater filmar o primeiro encontro entre Jesse e Celine em Viena, para o filme Antes do amanhecer (1995).
Cenas dos capítulos anteriores
• Viena, 1995//Antes do amanhecer
Se for para falar em comédia romântica, termo hoje um tanto desgastado, este é o único a se encaixar perfeitamente no conceito do subgênero. Dois jovens se conhecem num trem e decidem passar uma única noite juntos em Viena. No Café Sperl, conversam sobre si próprios num jogo de falsos telefonemas; na Wiener Riesenrad, mais antiga roda-gigante do mundo, beijam-se pela primeira vez. Passam a noite no parque e, no dia seguinte, se despedem na estação de trem. Sem trocar nenhuma informação como endereço ou até mesmo sobrenome, decidem se encontrar na mesma plataforma exatos seis meses mais tarde.
• Paris, 2004//Antes do pôr-do-sol
Mais curto dos três filmes – tem apenas 80 minutos –, traz uma narrativa em tempo real. Nove anos depois da noite em Viena, Jesse é um autor promissor. Publicou romance que relata o que ocorreu com Celine e, quando vai lançá-lo em Paris, acaba a reencontrando. Casado e com um filho pequeno, ele tem poucas horas até o embarque para o voo que vai levá-lo de volta aos EUA. Em uma hora os dois conversam em cenários como a livraria Shakespeare & Co., Le Pure Café, o (parque) Promenade Plantée e o Sena. Jesse finalmente vai até a casa de Celine. Ao ouvi-la ao violão tocando A waltz for a night (Valsa para uma noite), ele entende absolutamente tudo. A cena final, com o jogo de olhares, as meias palavras e Nina Simone ao fundo, é antológica.
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