Há tempos, a capacidade de os animais
reconhecerem os parentes, mesmo quando criados longe deles, intriga os
cientistas. Estudos apontam que a identificação se dá pelo cheiro
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 25/06/2013
Brasília – Eles não falam, não escrevem
cartas, não vão a programas de auditório procurar o irmão perdido nem
têm rede social para caçar o pai, do qual foram separados no nascimento.
Ainda assim, se cruzarem na rua com um parente – nem precisa ser de
primeiro grau –, os animais conseguem identificar o familiar, mesmo que
jamais o tenham visto na vida. Essa habilidade, que os humanos não têm,
já foi identificada em mamíferos, aves e até plantas e micróbios. Até
hoje, contudo, permanece um mistério para biólogos, veterinários e
zoólogos, que quebram a cabeça para entender o que está por trás dessa
incrível capacidade de reconhecimento.
Saber com quem um
indivíduo conviverá bem é importante para o manejo de áreas de
conservação e de cativeiro. Ao ser lançado de volta à natureza, por
exemplo, um animal pode ter mais chances de sobrevivência se houver um
parente no grupo libertado – familiares tendem a proteger-se uns aos
outros para garantir a continuação da linhagem. Apesar de o fenômeno ser
considerado um mistério, cientistas começam a encontrar algumas pistas e
acreditam que um dos traços mais importantes no reconhecimento é o
cheiro.
Publicado na edição deste mês da revista Ethiology, um
estudo da Universidade de Medicina Veterinária de Viena constatou que a
identidade olfativa pode ser determinante, mais que familiaridade e
fenótipo. Há quem defenda que é natural um esquilo, por exemplo,
reconhecer seus pais e irmãos, já que foi criado entre eles. A tese,
contudo, se desmonta porque nem todo animal, como cachorros e gatos,
crescem com a família. Diferentemente do que ocorre na vida selvagem,
esses bichos geralmente são separados da mãe com três meses, idade em
que a maioria dos filhotes é colocada à venda. Ainda assim, um estudo da
Universidade de Belfast, na Irlanda, indicou que cachorros domésticos
sabem, inclusive, diferenciar o parentesco, identificando irmãos, pais e
primos.
Outras
teorias sugerem que a resposta está na combinação fenotípica. Traços
semelhantes justificariam a facilidade de reconhecer um indivíduo da
mesma família – embora, sob os olhares humanos, todos os bichos de
determinada espécie ou raça sejam idênticos, isso não é verdade, e nem
uma mosca é igualzinha à outra. Na hora de fazer o reconhecimento, o
animal se basearia nas características físicas dos parentes, informações
que ficam guardadas na memória genética. “Nem sempre esse método é
confiável”, observa Joachim Frommen, da Universidade de Medicina
Veterinária de Viena e autor de um novo estudo sobre o tema. “Animais
são capazes de identificar parentesco distante, mesmo em indivíduos que
têm aparência diferente das deles”, conta.
Até debaixo d’água No
estudo conduzido por Frommen, foram pesquisados peixes da espécie
esgana-gata (Gasterosteus aculeatus). Esse animal é conhecido pela
habilidade de reconhecer parentes e tende a preferir a companhia deles. A
maior parte das espécies de peixe vive em cardumes e, para Frommen, a
escolha do grupo se faz pelo parentesco. “Nadar em cardumes geralmente
minimiza o risco de um indivíduo ser comido pelo predador. Formar um
cardume entre parentes, então, protege não só o indivíduo, mas o grupo
familiar como um todo, o que aumenta a chance de sobrevivência dessa
família.”
Em um primeiro experimento, o esgana-gata tinha de
escolher entre cardumes compostos por irmãos e um grupo da mesma
espécie, mas sem parentesco. “O peixe preferiu os parentes em todas as
repetições do teste, o que não se explica pela familiaridade”, diz
Frommen. Isso porque, na segunda etapa da pesquisa, o animal poderia
optar por fazer parte de um cardume formado pelos irmãos com os quais já
estava acostumado ou acompanhar outro grupo, também composto por
familiares desse nível de parentesco, mas constituído por indivíduos
desconhecidos. Nesse caso, não houve preferência. O esgana-gata se
encaixou nos dois cardumes de irmãos, o que, segundo o veterinário,
reforça a ideia de que é o parentesco, e não a familiaridade, que
importa.
Embora reconheça que a semelhança física tenha um papel
na identificação, Frommen aposta mais no cheiro. Mesmo vivendo dentro
d’água, os peixes têm uma capacidade olfativa bastante apurada. A
bióloga Jill Mateo, pesquisadora da Universidade de Chicago, diz que,
mesmo depois de um longo período de hibernação, os animais reconhecem os
parentes, indicando que provavelmente não se trata de memória olfativa.
Para ela, o mais provável é que familiares compartilhem um odor
determinado. Ao se deparar com um espécime que cheira igual a ele, o
bicho percebe que faz parte da mesma “árvore genealógica”.
“O
olfato é uma importante ferramenta de sobrevivência”, diz Mateo, que
pesquisou o mecanismo de reconhecimento familiar em grupos de esquilos.
“Eles precisam disso não só para se proteger criando grupos, mas porque
devem reconhecer os irmãos para evitar cruzar com eles, o que pode
trazer efeitos negativos na linhagem genética”, afirma. De acordo com a
pesquisadora, entender como ocorre a identificação dos parentes é
importante para conhecer melhor a seleção de hábitat, de relações
sociais e de parceiros. “Essas informações ajudam os cientistas a
organizar grupos de animais que se adaptarão com mais sucesso ao
ambiente natural depois de sair do cativeiro e serem reintroduzidos na
vida selvagem”, diz.
Semelhança Na pesquisa que fez na
Universidade de Chicago, Jill trabalhou com esquilos cujas mães foram
capturadas no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. Depois do
nascimento, a cientista misturou as ninhadas, de forma que os esquilos
foram criados tanto com irmãos quanto com estranhos. Na primavera,
quando estavam com 25 dias, 32 animais e suas mães foram transferidos
para outra gaiola, onde filhotes não parentes foram introduzidos. Em
novembro, eles voltaram ao laboratório e começaram a hibernar, acordando
apenas em abril do ano seguinte. Jill, então, coletou amostras do odor
dos animais e testou o interesse dos esquilos por seus irmãos de sangue e
de criação. “Eles se interessaram muito mais pelo cheiro dos irmãos dos
quais foram separados ainda recém-nascidos do que pelo odor dos
esquilos com os quais foram criados”, conta a cientista.
Isso não
significa que os mamíferos roedores não tenham criado laço com os
irmãos de criação. Eles apenas se esqueceram do cheiro, uma indicação da
inexistência de memória olfativa. Os animais se fixaram nas amostras
dos parentes porque o odor era semelhante ao deles. No verão, quando as
famílias foram reunidas, os esquilos mostraram interesse tanto pelos
familiares de sangue quanto pelos animais com os quais cresceram.
A
bióloga também estudou o reconhecimento de parentesco entre pinguins,
animais que vivem em colônias formadas por mais de mil indivíduos. Mesmo
nessa multidão, eles são capazes de identificar uns aos outros, dado
que já se conhecia. A pesquisa de Jill foi a primeira a mostrar que
essas aves também sabem diferenciar os parentes sanguíneos dos demais
integrantes do grupo. O odor familiar é secretado por uma glândula, que
produz um óleo importante para deixar as penas secas, mesmo no mar.
“O
que achamos muito interessante é que esse tipo de óleo é produzido por
outras espécies animais, incluindo uma variedade de insetos, como
abelhas e moscas. Os insetos também são capazes de reconhecer familiares
graças ao olfato”, observa Bryan D. Neff, professor da Universidade de
Western Ontario e especialista em identificação de parentes no mundo
animal.
“Quanto aos pinguins e às aves em geral, é importante
saber diferenciar quem são seus vizinhos e quem são seus irmãos, por uma
questão evolutiva”, afirma. O especialista afirma que o reconhecimento
olfativo pode ajudar funcionários de zoológicos e aviários a introduzir
os animais em novos recintos. “Se você tratar a área primeiro com um
cheiro com o qual estão familiarizados, é mais provável que tenham uma
boa adaptação”, diz. O mesmo vale para o local onde os bichos são
colocados para cruzar. Se estiver impregnado pelo perfume de um irmão,
no entanto, é provável que o animal se recuse a reproduzir.
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