Estado de Minas: 06/06/2013
E assim aconteceu que
caminhando com uma colega pela larga avenida no sábado à tarde, alegre
depois de ter dado uma oficina de literatura numa sala banhada de luz,
uma forma escura como um lobo materializou-se do nada e saltou-me em
cima, metendo as garras na minha garganta para arrancar a corrente que a
rodeava. Rasgou a camisa, arrancou o que pôde e foi-se correndo dobrado
sobre si mesmo, como se eu fosse persegui-lo. O assecla permaneceu de
pé na esquina, fingindo falar ao celular. Era a Avenida Callao, de
Buenos Aires.
Somo mais essa violência às tantas de que já fui vítima.
Vítima educada que não grita, não lança impropérios, não chora. Vítima treinada para recompor a roupa, erguer a gola do blazer sobre a camisa rasgada, murmurar “não foi nada”, e retomar a conversa como se nada tivesse sido.
Mas foi. Um hálito de brutalidade invadiu meu cotidiano. E deveria saber revidá-lo para tirar de cima de mim seu cheiro pestilento. Deveria insultar aos berros o agressor, chutar seu saco ou meter-lhe uma cotovelada no estômago. Deveria conhecer krav magá, ser faixa preta de judô, usar soco-inglês sobre os anéis. Ou fazer-me acompanhar por um homem alto e largo, de terno preto e óculos Rayban.
Alguns são treinados para a fúria e afiam seus dentes, nós somos adestrados para o papel de ovelha. Mas um lobo me ataca e quero, quero muito, a fúria de que fui despida.
Era ainda jovem jornalista quando, andando na Rua do Ouvidor, um transeunte bateu de leve no meu ombro e avisou: “Aquele sujeito roubou a sua carteira”. O sujeito ia lá adiante na rua cheia de gente. Saí no seu encalço. Agarrei-lhe o braço, parou de estalo, murmurou qualquer coisa como “desculpe” e me devolveu a carteira. Pouco dinheiro, mas verniz preto forrado de marroquino vermelho, presente de uma amiga.
Era menos jovem quando no supermercado me bateram a carteira. Tiveram a delicadeza de botar meus documentos num saco de papel e jogar na porta de uma farmácia. Já não era jovem quando o menino se aproximou do carro com aquela carinha doce, aquela vozinha fina e aquele caco de vidro na mão.
Depois, houve a vez em Nova York, em que, numa viagem de trabalho, entrei numa cutelaria butique praticamente vazia, deixei a bolsa sobre o balcão, me afastei meio segundo para examinar um cortador e quando voltei percebi um estremecimento na alça da bolsa. Avisei discretamente a pessoa que estava me atendendo, e ela, igualmente discreta, trancou a porta. O senhor alto e magro que havia entrado pouco antes levava um jornal dobrado debaixo do braço. Dentro do jornal estava a minha carteira.
E teve aquela noite em que o ladrão invadiu meu apartamento através de um basculante, vindo pelos telhados. Entrou no meu quarto enquanto eu dormia, passou pelo quarto da minha filha adormecida e foi esvaziar minha bolsa no terraço. E a outra em que ladrões entraram na minha casa de montanha, roubaram, tomaram todas as bebidas, comeram o que havia na despensa e vomitaram fartamente sobre a minha colcha de crochê.
Em Buenos Aires, voltei para o hotel e deitei na cama, coração batendo. Não era medo nem nervosismo. Era ódio. E mais uma vez não soube o que fazer com ele. Fiquei ali, estendida em silêncio, enquanto, aos poucos, minha alma voltava a pastar.
Somo mais essa violência às tantas de que já fui vítima.
Vítima educada que não grita, não lança impropérios, não chora. Vítima treinada para recompor a roupa, erguer a gola do blazer sobre a camisa rasgada, murmurar “não foi nada”, e retomar a conversa como se nada tivesse sido.
Mas foi. Um hálito de brutalidade invadiu meu cotidiano. E deveria saber revidá-lo para tirar de cima de mim seu cheiro pestilento. Deveria insultar aos berros o agressor, chutar seu saco ou meter-lhe uma cotovelada no estômago. Deveria conhecer krav magá, ser faixa preta de judô, usar soco-inglês sobre os anéis. Ou fazer-me acompanhar por um homem alto e largo, de terno preto e óculos Rayban.
Alguns são treinados para a fúria e afiam seus dentes, nós somos adestrados para o papel de ovelha. Mas um lobo me ataca e quero, quero muito, a fúria de que fui despida.
Era ainda jovem jornalista quando, andando na Rua do Ouvidor, um transeunte bateu de leve no meu ombro e avisou: “Aquele sujeito roubou a sua carteira”. O sujeito ia lá adiante na rua cheia de gente. Saí no seu encalço. Agarrei-lhe o braço, parou de estalo, murmurou qualquer coisa como “desculpe” e me devolveu a carteira. Pouco dinheiro, mas verniz preto forrado de marroquino vermelho, presente de uma amiga.
Era menos jovem quando no supermercado me bateram a carteira. Tiveram a delicadeza de botar meus documentos num saco de papel e jogar na porta de uma farmácia. Já não era jovem quando o menino se aproximou do carro com aquela carinha doce, aquela vozinha fina e aquele caco de vidro na mão.
Depois, houve a vez em Nova York, em que, numa viagem de trabalho, entrei numa cutelaria butique praticamente vazia, deixei a bolsa sobre o balcão, me afastei meio segundo para examinar um cortador e quando voltei percebi um estremecimento na alça da bolsa. Avisei discretamente a pessoa que estava me atendendo, e ela, igualmente discreta, trancou a porta. O senhor alto e magro que havia entrado pouco antes levava um jornal dobrado debaixo do braço. Dentro do jornal estava a minha carteira.
E teve aquela noite em que o ladrão invadiu meu apartamento através de um basculante, vindo pelos telhados. Entrou no meu quarto enquanto eu dormia, passou pelo quarto da minha filha adormecida e foi esvaziar minha bolsa no terraço. E a outra em que ladrões entraram na minha casa de montanha, roubaram, tomaram todas as bebidas, comeram o que havia na despensa e vomitaram fartamente sobre a minha colcha de crochê.
Em Buenos Aires, voltei para o hotel e deitei na cama, coração batendo. Não era medo nem nervosismo. Era ódio. E mais uma vez não soube o que fazer com ele. Fiquei ali, estendida em silêncio, enquanto, aos poucos, minha alma voltava a pastar.
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