Brasil quer reatar com órgão que criticou Belo Monte
candidato do país à comissão de direitos humanos da OEA diz que governo quer retomar relações após afastamento em 2011
À Folha Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos de Lula --e um dos atuais diretores do instituto do ex-presidente--, disse que sua candidatura já é uma "prova clara" de que o governo brasileiro quer "fortalecer" e "estar dentro" do sistema da OEA.
O Brasil está sem embaixador na OEA desde abril de 2011, em retaliação à emissão, pela CIDH, de uma medida cautelar para forçar o país a suspender as obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por possíveis impactos à comunidade indígena local.
Vannuchi disputará, na eleição que ocorre hoje durante cúpula da OEA na Guatemala, três das sete vagas com representantes de México, Colômbia, EUA, Equador e Peru.
Folha - O Brasil retirou sua candidatura em 2011 em retaliação à decisão da CIDH sobre Belo Monte. O que mudou na comissão para que o país voltasse a lançá-lo candidato?
Paulo Vannuchi - Houve uma discussão inédita e extremamente rica nos últimos dois anos sobre o seu sistema de direitos humanos. No final dessa discussão, em março, produziu-se um consenso muito importante sobre renovações e a introdução de preocupações novas: por mais equilíbrio entre as ações de defesa e as de promoção de direitos humanos, e entre as diferentes relatorias.
A sua candidatura demonstra a intenção do Brasil em se reaproximar da OEA?
Total. A apresentação da candidatura é uma prova clara de que o governo quer fortalecer o sistema, quer estar dentro [da OEA]. E não é o primeiro passo: a suspensão da nossa contribuição anual [em 2011] já foi regularizada e também houve a candidatura do Roberto Caldas à Corte [Interamericana de Direitos Humanos, que integra, com a CIDH, o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos].
E eu sinto que há um interesse do sistema [da OEA] em ter o Brasil dentro, porque nenhum outro país tem a mesma capacidade de intermediação. O Brasil se senta com os EUA, com a Venezuela, com a Argentina --até com Cuba, que está fora do sistema.
O sr. tem insistido na necessidade de equilíbrio dentro da CIDH. O que há de descompasso na comissão?
Muitas vezes apareciam temas em que a CIDH tinha uma preocupação e não tinha condições, sobretudo de recursos humanos e orçamentários, para trabalhá-los. O orçamento até hoje é muito asfixiante --e praticamente inviabiliza o funcionamento de uma verdadeira comissão. Então o equilíbrio envolve uma decisão dos Estados de financiarem o sistema [a CIDH vive de doações externas feitas diretamente para as relatorias].
Além disso, algumas relatorias não tinham condições de viajar para discutir, por exemplo, o sistema prisional. Então quando se fala em equilíbrio é perceber que houve situações em que algumas relatorias dispuseram de mais recursos que outras --como se, em direitos humanos, fosse possível ter uma hierarquia de temas prioritários.
O sr. considera que foi dado muito recurso à relatoria de liberdade de imprensa?
Não, foi dado pouco às outras. Todas deveriam ter o mesmo nível de recursos da de liberdade de imprensa. O que não pode é uma relatoria de direitos da criança ou de sistema prisional não ter dinheiro para fazer viagens.
Após a decisão de Belo Monte, o Brasil criticou os critérios usados na aplicação de medidas cautelares. Ainda é preciso mais transparência?
Antes, havia uma grande disparidade entre medidas cautelares que eram muito bem fundamentadas, com clareza, e outras que não. Esses dois anos permitiram que os Estados apresentassem suas queixas [sobre as medidas aplicadas] --e os comissionados [membros da mesa diretora] ouviram.
Os que entrarão nesta eleição, entrarão sabendo disso --e quando tomarem novas medidas cautelares, cuidarão de garantir critérios de fundamentação e transparência.
Apesar da reforma aprovada em março, o Equador insiste na discussão de temas como a retirada da CIDH de Washington. É preciso seguir debatendo?
O Equador propõe é que não se dê como encerrado o processo de reflexão sobre o sistema. Isso é positivo. O que não pode é a discussão prosseguir como se não tivessem ocorrido esses dois anos de debate com resultados.
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