Estado de Minas: 06/06/2013
Mais um dos grandes
mistérios da medicina pode ter sido solucionado por uma equipe
brasileira de cientistas. A ocorrência de um tipo de puberdade precoce,
denominada puberdade precoce central, apesar de atingir milhares de
crianças em todo o mundo, ainda era considerada um caso idiopático – sem
causa conhecida –, principalmente em meninas. A doença pode acarretar
efeitos adversos no comportamento social e no desenvolvimento
psicológico, além de anormalidades físicas, como baixa estatura e maior
risco de diabetes, câncer e condições cardíacas. Segundo pesquisadores
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HC/FMUSP), a resposta para o desenvolvimento da enfermidade está
em defeitos no gene MKRN3. Os resultados do estudo apontam a
hereditariedade paterna como uma das possíveis causas para a doença e
foram publicados na edição desta semana da New England Journal of
Medicine.
A puberdade precoce é definida pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos em meninas e dos 9 anos em meninos. Quinze famílias com indivíduos nessa condição, sendo 13 brasileiras, duas americanas e uma belga, foram reunidas para que tivessem as informações genéticas analisadas. Necessariamente os núcleos familiares deveriam ter pelo menos duas pessoas com a característica. Em média, os indivíduos diagnosticados chegaram à puberdade por volta dos 5 anos.
Primeiro, os pesquisadores buscaram definir o componente genético do mal e identificaram que 30% das famílias tiveram alterações em um único gene do cromossomo 15. A descoberta foi fruto de um esforço completamente pioneiro do time brasileiro, que contou ainda com a colaboração tecnológica de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
As mutações genéticas identificadas pelo grupo diminuíram a função da proteína gerada pelo gene MKRN3, ou seja, são mutações inativadoras. “Não tínhamos nenhuma informação sobre esse efeito dessa proteína. Então, a etapa que se segue é entender qual é o papel dela no desenvolvimento puberal humano”, detalha, em entrevista ao Estado de Minas, a responsável pela Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento da HC/FMUSP e autora do estudo, Ana Cláudia Latrônico Xavier.
Uma terceira bateria de experimentos, dessa vez no cérebro de camundongos, relacionou a secreção da substância produzida pela proteína ao desenvolvimento puberal. “Vimos que normalmente a expressão dessa proteína em uma região do hipotálamo é aumentada na fase da infância e é suprimida na puberdade. Tem uma correlação inversa, ela parece ser um regulador negativo, um inibidor do desenvolvimento puberal.” Na puberdade precoce, essa inibição é perdida e há uma antecipação do processo. Ana Cláudia Latrônico conta que a intenção, agora, é fazer um trabalho sequencial e repetir os experimentos em macacos e em humanos, e fazer uma análise do hipotálamo depois da morte das cobaias.
Impactos Uma das características mais interessantes do trabalho foi a caracterização da hereditariedade das alterações genéticas como paterna. Ana Cláudia Latrônico observa que o pai costuma ser o familiar que menos acompanha a criança em consultas e, dessa forma, o médico tem menos informação a respeito do processo da puberdade sofrido por ele. “Além disso, eles muitas vezes não sabem dizer qual foi a idade em que começaram a ter pelos ou mudaram a voz. Em meninas, o desenvolvimento evidente das mamas e o início do ciclo menstrual facilitam. Outra coisa é que o pai pode ser um carregador assintomático, ou seja, leva o defeito mas não apresenta as características”.
Os dados apresentados pela equipe brasileira deverão ter uma forte repercussão na comunidade científica e a descoberta poderá se refletir na prática clínica, acredita a autora do estudo. “É como se fosse um quebra-cabeça. Estamos mostrando um novo fator que regula a puberdade humana”, comemora Ana Cláudia. Ela espera também oferecer aos pacientes um diagnóstico mais preciso a respeito da origem genética da puberdade precoce, e também prevenir o problema em gerações futuras. “Se a gente descobre exatamente os padrões de herança, vamos saber quem está afetado ou não, e o estudo genético se tornará possível. Talvez, o efeito mais importante seja entender como que o homem quando nasce demora 10 anos para se desenvolver do ponto de vista sexual, o que é muito diferente dos animais inferiores.”
Integrante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Margaret Boguszewski também está otimista com os efeitos da descoberta. “A investigação desse gene (o MKRN3) é pouco comum. A relação dele com a puberdade precoce e a origem paterna do problema são descobertas tão importantes que estão em uma das principais revistas de medicina do mundo. Com esses resultados, vai ser possível esclarecer uma doença que até então não era explicada”, acredita.
Palavra de especialista
Margaret Boguszewski
membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Pacientes mais informados
"Isso é absolutamente novo. Essa é uma doença relativamente comum, sendo que a maioria dos casos não tem uma causa. Você trata, mas não consegue explicar para a família por que ocorreu ou dizer se o outro filho ou outra pessoa da família terá o mesmo problema. Não podemos dizer que vai mudar o tratamento, mas, em termos de conhecimento da situação, é um grande progresso. É importante ressaltar ainda que existe uma diferença dessa condição da maioria dos casos que vemos no dia a dia. As mães procuram o atendimento médico, mas boa parte das vezes não é uma puberdade precoce. Normalmente, é uma puberdade normal, mas que a própria família considera muito prematura ou não está satisfeita porque a criança ainda não atingiu a altura desejada. É preciso ter cuidado, essa é uma situação que incomoda, mas não é precoce."
A puberdade precoce é definida pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos em meninas e dos 9 anos em meninos. Quinze famílias com indivíduos nessa condição, sendo 13 brasileiras, duas americanas e uma belga, foram reunidas para que tivessem as informações genéticas analisadas. Necessariamente os núcleos familiares deveriam ter pelo menos duas pessoas com a característica. Em média, os indivíduos diagnosticados chegaram à puberdade por volta dos 5 anos.
Primeiro, os pesquisadores buscaram definir o componente genético do mal e identificaram que 30% das famílias tiveram alterações em um único gene do cromossomo 15. A descoberta foi fruto de um esforço completamente pioneiro do time brasileiro, que contou ainda com a colaboração tecnológica de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
As mutações genéticas identificadas pelo grupo diminuíram a função da proteína gerada pelo gene MKRN3, ou seja, são mutações inativadoras. “Não tínhamos nenhuma informação sobre esse efeito dessa proteína. Então, a etapa que se segue é entender qual é o papel dela no desenvolvimento puberal humano”, detalha, em entrevista ao Estado de Minas, a responsável pela Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento da HC/FMUSP e autora do estudo, Ana Cláudia Latrônico Xavier.
Uma terceira bateria de experimentos, dessa vez no cérebro de camundongos, relacionou a secreção da substância produzida pela proteína ao desenvolvimento puberal. “Vimos que normalmente a expressão dessa proteína em uma região do hipotálamo é aumentada na fase da infância e é suprimida na puberdade. Tem uma correlação inversa, ela parece ser um regulador negativo, um inibidor do desenvolvimento puberal.” Na puberdade precoce, essa inibição é perdida e há uma antecipação do processo. Ana Cláudia Latrônico conta que a intenção, agora, é fazer um trabalho sequencial e repetir os experimentos em macacos e em humanos, e fazer uma análise do hipotálamo depois da morte das cobaias.
Impactos Uma das características mais interessantes do trabalho foi a caracterização da hereditariedade das alterações genéticas como paterna. Ana Cláudia Latrônico observa que o pai costuma ser o familiar que menos acompanha a criança em consultas e, dessa forma, o médico tem menos informação a respeito do processo da puberdade sofrido por ele. “Além disso, eles muitas vezes não sabem dizer qual foi a idade em que começaram a ter pelos ou mudaram a voz. Em meninas, o desenvolvimento evidente das mamas e o início do ciclo menstrual facilitam. Outra coisa é que o pai pode ser um carregador assintomático, ou seja, leva o defeito mas não apresenta as características”.
Os dados apresentados pela equipe brasileira deverão ter uma forte repercussão na comunidade científica e a descoberta poderá se refletir na prática clínica, acredita a autora do estudo. “É como se fosse um quebra-cabeça. Estamos mostrando um novo fator que regula a puberdade humana”, comemora Ana Cláudia. Ela espera também oferecer aos pacientes um diagnóstico mais preciso a respeito da origem genética da puberdade precoce, e também prevenir o problema em gerações futuras. “Se a gente descobre exatamente os padrões de herança, vamos saber quem está afetado ou não, e o estudo genético se tornará possível. Talvez, o efeito mais importante seja entender como que o homem quando nasce demora 10 anos para se desenvolver do ponto de vista sexual, o que é muito diferente dos animais inferiores.”
Integrante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Margaret Boguszewski também está otimista com os efeitos da descoberta. “A investigação desse gene (o MKRN3) é pouco comum. A relação dele com a puberdade precoce e a origem paterna do problema são descobertas tão importantes que estão em uma das principais revistas de medicina do mundo. Com esses resultados, vai ser possível esclarecer uma doença que até então não era explicada”, acredita.
Palavra de especialista
Margaret Boguszewski
membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Pacientes mais informados
"Isso é absolutamente novo. Essa é uma doença relativamente comum, sendo que a maioria dos casos não tem uma causa. Você trata, mas não consegue explicar para a família por que ocorreu ou dizer se o outro filho ou outra pessoa da família terá o mesmo problema. Não podemos dizer que vai mudar o tratamento, mas, em termos de conhecimento da situação, é um grande progresso. É importante ressaltar ainda que existe uma diferença dessa condição da maioria dos casos que vemos no dia a dia. As mães procuram o atendimento médico, mas boa parte das vezes não é uma puberdade precoce. Normalmente, é uma puberdade normal, mas que a própria família considera muito prematura ou não está satisfeita porque a criança ainda não atingiu a altura desejada. É preciso ter cuidado, essa é uma situação que incomoda, mas não é precoce."
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