Carolina Braga
Estado de Minas: 06/06/2013
Pela prova de fogo da bilheteria a comédia brasileira já passou, e com louvor. Mesmo com cifras positivas, uma crítica comum é que os filmes desse gênero são, no fundo, TV na telona. Não deixa de ser verdade. Porém, uma observação mais cuidadosa – e de coração aberto – permite perceber que a produção constante tem ajudado o cinema de entretenimento a caminhar com as próprias pernas. O segredo parece estar no desenvolvimento do roteiro.
Aposta do segmento neste fim de semana, Odeio o Dia dos Namorados é exemplo interessante. O filme é a terceira parceria entre o diretor Roberto Santucci e o roteirista Paulo Cursino. Antes, vieram Até que a sorte nos separe e De pernas para o ar 1 e 2. Todos muito bem-sucedidos. Para se ter uma ideia, a continuação do longa com Ingrid Guimarães acumula a terceira melhor bilheteria de todos os filmes vistos no Brasil este ano – inclusive os americanos.
Contando com a previsibilidade do mercado, o resultado de Odeio..., protagonizado por Heloísa Pèrrissé, não deve ser muito diferente. Com a mesma equipe de criação, obviamente, eles têm pontos em comum. Em ambos há a mistura de rostos conhecidos do grande público e o manejo de lugares-comuns que podem fazer rir, tipo a mulher que só trabalha e não dá a mínima para a vida amorosa ou a separada que vira dona de sex-shop. A diferença vem da forma de brincar com essas tramas.
Embora o título leve a crer se tratar de uma história bobinha sobre amargor no Dia dos Namorados, à medida que os acontecimentos se desenrolam o espectador não só fica preso à dinâmica, como pode se surpreender. O que parecia elemento principal vira apenas pretexto para falar sobre escolhas, relações interpessoais, solidão. O riso é consequência de um jogo coordenado entre a atuação dos atores e o que eles dizem. “É surpreendente. Tem um dado da emoção e eu gosto dessa inversão de expectativa”, comenta o ator Marcelo Saback. Ou seja: ponto do roteiro.
Subversão
“Existe uma cobrança excessiva sobre a questão da originalidade. Você pode contar uma história que já pressupõe final feliz, mas subverter isso no meio”, diz Paulo Cursino. Formado em publicidade e marketing, desde os 27 anos ele se dedica a criar roteiros. Na televisão, fez carreira na Globo como responsável por escaleta da novela e logo de programas de humor como Sob nova direção, A grande família. Ou seja, na telinha era a figura responsável pela estrutura da história.
No salto para o cinema isso não se perdeu, o que tem a ver com aquela antiga crítica. Mas ele se defende: “Jamais escrevi roteiro para cinema como se estivesse escrevendo para a TV”. Para Cursino, não é o cinema que copia da TV. É o contrário. “A linguagem televisiva está se aproximando da cinematográfica. Isso confunde um pouco a cabeça de quem analisa. Algumas piadas podem até funcionar nos dois meios, da mesma forma e bem, mas é diferente”, ressalta.
Paulo Fontenelle, diretor e roteirista da comédia Se puder... dirija, primeiro filme em 3D feito no Brasil, com estreia marcada para setembro, discorda da crítica sobre semelhança com a televisão, ainda que faça ressalvas. “Acho que temos uma cultura de TV no Brasil que está sendo modificada neste momento. Concordo que o cinema tem um tom televisivo, mas ele está evoluindo para fugir um pouco disso. Daqui a pouco teremos comédias mais cinematográficas”, acrescenta.
Segundo ele, a principal diferença entre as duas produções concentra-se na estrutura. Se na TV produz-se em episódios, a estrutura dos roteiros cinematográficos deve ser mais definida e focada. Como Paulo Cursino explica, na televisão, o telespectador precisa ser “fisgado” logo nos primeiros minutos, para que não mude de canal. “No cinema não tem essa pressa para apresentar a história”, diferencia. Enredos como os de Pernas para o ar ou Até que a sorte nos separe não ficariam tão bem na telinha.
Escrita nova
Tem sido na prática a procura dos roteiristas para encontrar a “cara” da comédia para a telona. Dos primeiros roteiros para os longas de Renato Aragão até o grande sucesso de público que foi De pernas para o ar 1, o próprio Cursino reconhece que a escrita dele mudou. O esquema de produção também. “Tenho visão muito mais abrangente do processo todo. Trabalho muito próximo do diretor. Quando comecei, havia uma tendência do mercado de o roteirista se isolar. Não é mais assim”, conta.
A moda agora é diretor e roteirista em contato o tempo todo. Até o set de filmagem Cursino costuma frequentar. “Comédia só funciona se houver afinação entre diretor, roteirista e ator”, diz. A parceria bem-sucedida com Santucci claro que continua, em ritmo invejável. Simultaneamente à chegada de Odeio o Dia dos Namorados aos cinemas, está no forno a continuação de Até que a sorte nos separe. “Será rodado entre julho e agosto. Sessenta por cento das cenas serão em Los Angeles”, adianta.
PROBLEMA HISTÓRICO?
Para Paulo Cursino, desde a recente retomada do cinema brasileiro – e principalmente agora na “onda das comédias” – virou lugar-comum colocar a culpa no roteiro. Mito, segundo ele. Primeiro, porque a produção nacional engatinha de maneira geral. “Temos deficiência em todos os setores. Além disso, existe uma demanda por roteiristas muito maior que o mercado pode suprir”, diz.
De acordo com ele, hoje, produzem-se mais filmes do que roteiristas para escrevê-los. Um paradoxo. “Concordo e acho que o que falta as pessoas entenderem é que nossos roteiristas têm boas ideias, mas, às vezes, falta um pouco de estudo de estrutura”, completa Paulo Fontenelle. Ele próprio se inclui no grupo. “Temos poucas chances de literalmente praticar a ponto de ver o filme se tornar realidade.”
Embora a lista de sucesso no currículo seja crescente, Cursino se considera um trabalhador braçal. “O mercado naturalmente rotula. Temos que parar de considerar a comédia uma moda. Não é. Estabeleceu-se como gênero industrial. O público brasileiro gosta de rir. Enquanto tiver esse mercado, vou produzir”, avisa.
Novas ideias
Quem quiser se aventurar na prática do roteiro, a Net seleciona novas ideias de séries brasileiras para TV. Com abrangência nacional, o Netlabtv convida estreantes ou profissionais a enviarem até três sugestões. Serão escolhidos quatro projetos na categoria ficção, que receberão verba de apoio no valor de R$ 15 mil cada. Outras quatro propostas de não ficção – que inclui os gêneros documental, variedades, reality show e doc reality – terão R$ 8 mil para serem desenvolvidas. Os selecionados passarão
por laboratório presencial em São Paulo. As inscrições terminam em 28 de julho e podem ser feitas pelo site www.netlabtv.com.
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