terça-feira, 16 de julho de 2013

Paraenses rejeitam domínio tecnobrega

folha de são paulo

Pará lança ritmo junglebeat, mistura de batidas africanas e músicas regionais

Lucas Nobile
Mais de 7.000 quilômetros separam Abeokuta, na Nigéria de Fela Kuti (1938-1997), e Barcarena, no Pará de Mestre Vieira. Contemporâneos, os pais do afrobeat e da guitarrada, respectivamente, nunca se encontraram, mas as influências de suas músicas se unem agora por um estilo criado em solo paraense.
Trata-se do recém-gerado junglebeat (batida da selva), gênero que mescla as referências percussivas do afrobeat com ritmos do norte do país, mais especialmente do Pará, como guitarrada e carimbó.
O estilo é encabeçado pela Zebrabeat Afro-Amazônia Orquestra e conta ainda com poucas bandas, como Metaleiras da Amazônia.
Editoria de Arte/Folhapress
A Zebrabeat mistura em seu balaio sonoro referências como Fela, Mulatu Astatke, Mestre Vieira, Mestre Solano, Curica e Aldo Sena, entre outros, e prepara para este ano o lançamento de seu primeiro álbum, com temas que podem ser ouvidos na internet (soundcloud.com/zebrabeat ).
"Misturamos o groove do afrobeat com a influência que temos do Caribe e do Pará, como a guitarrada e o carimbó", diz o baterista Júnior Gurgel.
O gênero ainda flerta com referências de black music, guitarrada, zouk, carimbó, ritmos latinos, e "sons da floresta amazônica", como define o músico.
Com shows previstos para São Paulo e Rio, ainda sem data definida, a Zebrabeat Afro-Amazônia Orquestra é apenas uma das diversas bandas da cena paraense que começam a despontar e a extrapolar as fronteiras locais.
Além deles, o duo instrumental Strobo, Trio Manari --que recentemente chamou a atenção do guitarrista mexicano Carlos Santana, que deve gravar uma música do grupo--, Camila Honda, Natália Matos e Juliana Sinimbú, as três últimas com estética mais pop, são alguns que lançam discos em 2013.
Alguns, como Matos, Sinimbú e Honda, terão seus trabalhos incentivados por um edital da Natura Musical, divulgado no primeiro semestre.
FESTIVAL
Esses artistas reforçam a efervescência da produção local, que desde 2006 apresenta todo ano em São Paulo revelações e veteranos no festival Terruá Pará, bancado pelo Governo do Estado --em 2012, houve também uma edição carioca do evento.
Há no time nomes mais pop, como Felipe Cordeiro, Luê e Lia Sophia, e mais clássicos --Dona Onete, Manoel Cordeiro e Sebastião Tapajós.
Existe também uma novíssima geração local, com nomes como Enquadro, A Trip to Forget Someone, Projeto Secreto Macacos (instrumental) e Molho Negro (rock), que faz uma música popular e bem elaborada.
Com uma recente e ainda tímida difusão de sua música para o país, esse grupo de artistas nega a possibilidade de que o tecnobrega de Gaby Amarantos, o melody da Gang do Eletro e o brega do Calypso ofusquem o restante da produção paraense.
"Acho positivo o destaque do tecnobrega. Por mais que seja uma moda, abre as portas para a música do Pará", diz Marcelo Damaso, produtor e organizador do festival Se Rasgum, de Belém.
Para o guitarrista e produtor Pio Lobato, que já fez trabalhos de resgate da música dos mestres da guitarrada paraense, a produção local não corre risco de ser ofuscada.
"Acho que não vai acontecer isso porque não existe um investimento público em massa na música para festas de rua como ocorreu na Bahia, com o axé e o Carnaval", explica Lobato, que prepara um disco para o ano que vem.
Para ele, o espaço dado pela rádio pública a artistas independentes tem sido fundamental para fortalecer a cena e "fomentar essa geração".
"O que ofusca é a repetição. Gaby e Gang do Eletro representam a música paraense. Todos têm espaço para fazer música verdadeira", diz Léo Chermont, do Strobo.

OPINIÃO
Produção do Estado é diversa, rica e supera o 'regionalismo'
RODRIGO LEVINOEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
É típico: sempre que cenas regionais são alçadas à vista do grande público, parte de seus expoentes fica à margem do recorte feito por rádios, TVs e gravadoras, que pinçam nomes para servir como metonímia do que querem expor.
Um risco a quem emerge dessas cenas é o de ser posto no saco do "regionalismo", como se não houvesse particularidades em cada nome. Pior ainda é ser carimbado como "exótico", termo a um passo do preconceito.
Para os mais atentos, desde o início dos anos 2000 a música do Pará se transformou numa botija de estilos, gêneros e influências (uma fronteira aberta para países latinos e caribenhos), que serve a variados recortes, do brega ao cult, do dançante ao experimental.
Com curiosidade e fones de ouvido, é possível descobrir um universo igualmente rico por trás dos nomes em voga na mídia (Gaby Amarantos, Gang do Eletro, Calypso), mostrando o quanto é vasta e se renova permanentemente a cena.
E o que é melhor: numa variedade tamanha de estilos que só a falta de criatividade justificaria restringi-los ao recorte geográfico. Ora, importa que é música --e da boa

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