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domingo, 1 de setembro de 2013

Alceu Valença diz não ligar para dinheiro nem para direito autoral

folha de são paulo
RODRIGO LEVINO
DE SÃO PAULO
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Alceu Valença foi atropelado --e mudou de nome. "Aqui quem fala é Alceu Tipoia", se apresenta à reportagem da Folha, antes de soltar uma gargalhada.
Com o braço direito imobilizado há duas semanas, desde que foi atingido por um ciclista na orla do Rio ("Foi uma dor da porra, fiquei urrando na calçada"), o cantor teve de adaptar para os shows arranjos de canções como "Tropicana" e "Tesoura do Desejo", pérolas de seu repertório.

Lucas Landau/Folhapress
O músico Alceu Valença em seu apartamento, no Rio
O músico Alceu Valença em seu apartamento, no Rio
"Não posso tocar violão, então chamei sanfoneiro, encorpei mais o negócio, ninguém vai sentir nem falta", diz o pernambucano, que a partir do dia 7, faz em São Paulo sete shows, seis deles (no Circuito Sesc) dedicados ao cancioneiro nordestino.
Leia trechos da entrevista.
Direitos autorais
Não me interesso por essas coisas porque eu não ligo para dinheiro. Não faço ideia do que ganho, do quanto tenho. Tem lá um advogado contratado para cuidar dessas burocracias, Deus me livre! Minha mulher é quem sabe.
Quando quero comprar uma coisa, peço um dinheirinho a ela. No Leblon, como todo mundo me conhece, faço pendura em banca de revista, lanchonete, taxi...
Redes Sociais
Adoro o Facebook. Escrevo sobre política, literatura, compartilho músicas. Esses dias publiquei um vídeo cantando nas ruas de Paris, cheias de neve. Os fãs adoram, é outra relação.
Música
Não faço download, nada disso. Para dizer a verdade, mal ouço música. Gosto mais de ler, tenho uma vasta biblioteca em casa.
Inéditas
Tenho um monte de música aqui, mas eu pergunto: lançar um disco para quem? Para quê? Não existe mais mercado, não vale a pena. É mais futuro eu pegar um punhado delas e jogar no Facebook, né?
Novo forró
Não existe novo forró! Isso [o forró eletrônico, que domina as paradas no Nordeste] que cantam por aí é outra coisa, é apelativo, é musicalmente pobre.
O forró de verdade tem métrica, rima, harmonia e melodia típicas, ora!
Você pode misturar com qualquer outra coisa --como eu misturo--, mas aí não vai poder chamar de forró.
Novos nomes
Não acompanho músicos da nova geração. A oferta é muito grande e falta curadoria. Nesse ponto, as gravadoras fazem falta, pois havia algum tipo de filtro, de recorte, mas hoje em dia é um mar de coisas, é muito difícil lidar com tanta informação.
Manifestações de junho
Observei tudo com muita atenção e acho que foi um levante fantástico. Discordo do quebra-quebra, mas é bonito ver o povo nas ruas. Deixou os políticos todos apavorados. Quem é político e é corrupto deve estar em pânico pensando nas próximas eleições e em como vai se apresentar.
Posicionamento
Desde o começo das manifestações eu me pronunciei a respeito, em apoio ou com críticas, nos shows, no meu blog. Mas entendo que é muito difícil artistas brasileiros se posicionarem publicamente. Há um medo danado de desagradar. Ainda mais em se tratando de uma coisa tão difusa como essas marchas.
Eleições 2014
Conheço [o governador de Pernambuco] Eduardo Campos [PSB] desde criança. É um sujeito decente, capacitado, muito inteligente e fez um governo fantástico. Capacitado ele é, mas se vai entrar na disputa é outra coisa --ele ainda não firmou isso.
ALCEU VALENÇA AO VIVO
QUANDO sáb., 7/9, às 22h
ONDE Credicard Hall (av. das Nações Unidas, 17.955, tel. 0/xx/11/4003-5588)
QUANTO de R$ 30 a R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
CIRCUITO SESC
QUANDO dias 10, 11, 25, 26
e 27/09, às 21h
ONDE Sesc Bertioga, Sesc Piracicaba e Sesc Ipiranga
QUANTO de R$ 6 a R$ 30

ANÁLISE
Artista é, no mínimo, o mais incendiário de sua geração
LUIZ FERNANDO VIANNAESPECIAL PARA A FOLHADa talentosa geração que despontou no Nordeste no início da década de 1970 (Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Fagner, Belchior, Ednardo), Alceu Valença foi, no mínimo, o mais explosivo.
Sua combinação de forró, baião e embolada com rock e performance teatral era incendiária e cativante.
Em seus shows com Jackson do Pandeiro, em 1978, ele fazia uma versão de "Pisa na Fulô" que resume isso: acordeom mais solo de guitarra; trejeitos vocais de repentista mais postura de roqueiro.
Já se passaram quatro anos de seu último disco, "Ciranda Mourisca", em que apresentou versões suaves de alguns de seus sucessos. Um disco com momentos bonitos, refletindo um homem com mais de 60 anos, que deixava um certo gosto de saudade do Alceu incendiário.
Ouvindo-se, por exemplo, "Dia Branco", "Molhado de Suor" e "Dente de Ocidente" no CD de 2009 e no LP de 1974 (seu primeiro solo, intitulado "Molhado de Suor"), percebe-se que as canções em nada envelheceram, mas perderam um pouco de intensidade nas interpretações.
Como 35 anos não são 35 dias, Alceu ainda pode enternecer, mas não levanta mais a poeira. Talvez nem queira.
E, também, o país dos anos 1970, sob a ditadura militar, inspirava uma agressividade que hoje pode soar deslocada, apesar dos protestos nas ruas.
Mas Alceu continua sendo quem combina melhor Olinda e Leblon, Luiz Gonzaga e baladas, irreverência forrozeira e dores de amor. O lugar que conquistou com suas grandes composições ("Maracajá", "Íris", "Espelho Cristalino", "Coração Bobo", "Anunciação") é só dele e ninguém tasca.

    quarta-feira, 14 de agosto de 2013

    Roda morta - Rodrigo Levino

    folha de são paulo
    Roda morta
    Ex-apresentador do 'Roda Viva', Paulo Markun grava 'Retrovisor', programa em que vai entrevistar personagens históricos interpretados por atores
    DE SÃO PAULO
    Entrevistar Anita Garibaldi sobre sua luta ao lado do marido, Giuseppe; o Barão de Mauá a respeito da falência que enfrentou ou saber o que movia Monteiro Lobato na campanha pelo petróleo nacional. Como estão todos mortos, uma maneira possível seria convocá-los numa mesa espírita.
    O jornalista e escritor Paulo Markun pensou noutra solução: juntar história, jornalismo e teatro.
    Daí nasceu "Retrovisor", um talk-show com personagens históricos que começa a ser gravado hoje, em São Paulo, e será exibido em 2014 pelo Canal Brasil.
    "Minha motivação era fazer a entrevista impossível. Depois, surpreender o espectador com um recorte histórico e uma abordagem pouco conhecidos", disse Markun, que apresentou o "Roda Viva", na TV Cultura, entre 1998 e 2008.
    NÃO TÃO ÓBVIOS
    Já no primeiro corte, nomes como os de Getúlio Vargas e Tiradentes foram limados. Para o apresentador, o fato de terem tido vidas bastante escrutinadas tiraria qualquer surpresa do programa.
    A lista final foi fechada com 13 notáveis, incluindo o escritor Euclydes da Cunha (1866-1909), o poeta e inconfidente mineiro Cláudio Manoel da Costa (1729-1789) e o líder do movimento integralista Plínio Salgado (1895-1975). O programa registra a atuação deles até os anos 1930, aproximadamente.
    As entrevistas, gravadas no auditório da Biblioteca Mário de Andrade, se concentram em períodos ao mesmo tempo críticos para a vida dos personagens e de grande impacto para a história do Brasil.
    PESQUISA
    "Não me interessa saber de Euclydes da Cunha sobre a traição de sua mulher, mas as impressões dele sobre Canudos pouco antes de o povoado ser dizimado", justifica.
    Para tanto, se deu uma longa pesquisa histórica e, na sequência, um trabalho de caracterização dos personagens, interpretados por atores.
    "Eles trabalharam em cima de uma base historiográfica que os permitiu reproduzir o pensamento geral de cada personagem", conta Markun, responsável por jogar na conversa os dados históricos, deixando a fala dos atores mais livres e espontâneas, sem cara de aula de história dramatizada.
    A primeira das entrevistadas é Anita Garibaldi (1821-1849). Ou melhor, a atriz Lucienne Guedes, caracterizada como a militante que atuou no Brasil e na Itália.
    Antes de cada edição, um vídeo situa o entrevistado na história. O público também poderá fazer perguntas, desde que dentro do contexto apresentado.

    domingo, 11 de agosto de 2013

    'Amanhã vamos pra rua fazer uma anarquia' Ronie bem louco - Rodrigo Levino

    folha de são paulo
    Ronnie bem louco
    Fracassos nos anos 1960, discos da fase psicodélica de Ronnie Von são relançados, agora como cult e experimentais
    (RODRIGO LEVINO)DE SÃO PAULOO disco fracassou? Viva o disco fracassado! Longe de ser uma regra, não é raro ver essa lógica aplicada na música pop: discos mal recebidos por crítica e público e que anos mais tarde são redescobertos têm sua importância reavaliada e se tornam "cult".
    De Lou Reed ("Metal Machine Music", 1975) a Nick Drake ("Pink Moon", 1972), passando por Tom Zé, os exemplos são muitos.
    Ronnie Von, 69, é um entendido desse riscado.
    "Foi um fiasco desses antológicos. Disseram que era o fim da minha carreira", contou ele à Folha, sobre os discos "Ronnie Von", de 1968, "A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nuncamais", de 1969, e "A Máquina Voadora", de 1970.
    Relançados em vinil, os títulos estavam fora de catálogo desde os anos 1970. Nesse meio tempo, se tornaram item de colecionador --edições originais podem custar US$ 300 (cerca R$ 690) em sites como o eBay.
    O motivo que explica o renascimento dos álbuns é o mesmo que serviu para decretar seu fracasso: ousadia.
    Musicalmente, a trilogia era alicerçada em psicodelia (um conceito distante para jurados de Flavio Cavalcanti, que apresentava o principal programa de calouros da época), muito colada em "Revolver" (1966), dos Beatles, e "If Only for a Moment", do grupo britânico Blossom Toes.
    Nas letras, havia anjos que andavam de bicicleta no céu e viagens em naves fenícias. Junto disso, arranjos que juntavam guitarras elétricas e orquestrações vertiginosas.
    "Acho que ele queria, sobretudo, romper de vez a rivalidade com Roberto Carlos", disse Alberto Sacomani, produtor dos três discos.
    À época, "rei" e "príncipe", como eram chamados, apresentavam cada um seus programas de TV. De um lado, os bambas do iê-iê-iê, do outro, Ronnie e os tropicalistas.
    O distanciamento se completou com esses discos. Enquanto Roberto Carlos cantava "é ciúme, ciúme de você", Ronnie Von ia de "pois amanhã vamos pra rua fazer/ fazer uma tremenda anarquia".
    "Público, gravadora, rádios: ninguém entendeu nada", disse ele, que até hoje jura ter gravado toda aquela loucura de cara limpa.
    "Ficávamos do meio-dia às cinco da manhã no estúdio. O esquema dos arranjos era criou-gravou, não tinha isso de pré-produção. A gente era meio inconsequente", contou rindo Sacomani.
    O primeiro disco da trilogia, aliás, foi gravado durante um mês em que a gravadora esteve sem diretor. Tremenda anarquia.
    André Midani, o novo chefe, bancou o arroubo a despeito das vendas pífias e dos custos de gravação.
    No detalhe, os discos representavam também a aproximação definitiva entre Ronnie Von e os tropicalistas, com quem ele já gravara dois discos --com os Mutantes e com Caetano Veloso.
    Damiano Cozzela, parceiro de Rogério Duprat (1932-2006) e Julio Medaglia, arquitetos de importantes arranjos da Tropicália, se encarregou de "transformar em música os quadros de Salvador Dalí" com suas orquestrações, segundo Ronnie.
    Antes de afundar a própria carreira, o cantor voltou às paradas com músicas mais palatáveis como "Banda da Ilusão" (1973).
    Ficou um arrependimento. "A verdade é que eu não deveria ter me afastado da Tropicália. Foi coisa de gravadora, gente dizendo ah, isso aí não dura muito'. Mas acho que foi uma ousadia que dá orgulho", diz.
      PROFECIA
      'Amanhã vamos pra rua fazer uma anarquia'
      Lançada em 1969, a música "Anarquia" poderia servir de trilha para as manifestações recentes, com versos como "quem manda hoje somos nós, mais ninguém" e "não ligamos pra quem vai/ nem quem vem atrapalhar". "A motivação da minha geração era outra, mas o paralelo faz muito sentido", diz Ronnie.

        domingo, 4 de agosto de 2013

        Pavão sem ministério - Rodrigo Levino

        folha de são paulo
        Pavão sem ministério
        Canção de 'Saramandaia' marcou a chegada de cearenses à cena nacional da música, mas foi desprezada no remake
        RODRIGO LEVINOEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"O remake de "Saramandaia", novela de Dias Gomes exibida pela Globo em 1976, gerou uma crítica nas redes sociais desde a estreia, em junho: cadê a música do pavão?
        Telespectadores mais atentos (e antigos) sentiram falta de "Pavão Mysteriozo", do músico cearense Ednardo, trilha da abertura da novela nos anos 1970 e que, na versão atual, virou só um tema do personagem João Gibão (Sergio Guizé).
        Lançada em 1974, no disco de mesmo nome, a canção da abertura foi o estouro da boiada na carreira de José Ednardo Soares Costa Sousa.
        Ele estreara no ano anterior com os também cearenses Rodger e Teti no álbum "Meu Corpo, Minha Embalagem, Tudo Gasto na Viagem -- O Pessoal do Ceará".
        "Eu soube que a canção tinha sido incluída na trilha da novela vendo TV. Foi um susto, mas foi maravilhoso", contou Ednardo, 68, à Folha.
        Ali também começou algo maior: a consolidação nacional de uma cena musical cearense que desde o final dos anos 1960 havia migrado para o eixo Rio-São Paulo.
        Além de Ednardo, Rodger e Teti, Fagner, Belchior e Amelinha vieram de mala e cuia. Na trincheira dos compositores estavam Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Augusto Pontes e Fausto Nilo.
        "Elis [Regina] já havia gravado [em 1972] Mucuripe', e Hora do Almoço', do Belchior, começava a ganhar destaque, mas Pavão' foi a primeira dessa leva a ser massificada", disse Fagner.
        Em 1973, ele lançara "Manera Fru-Fru, Manera", que tinha "Mucuripe", parceria com Belchior. Esse último saiu no ano seguinte com o disco "Mote e Glosa", onde estava "À Palo Seco". Em 1975, Amelinha já excursionava como cantora com Toquinho e Vinicius de Moraes.
        NOTÍCIAS DO SUL
        "O ajuntamento dessa turma toda começou na faculdade de arquitetura do Ceará e depois migrou para o Bar do Anísio, que ficava na orla de Fortaleza, na época, uma vila de pescadores. Era um tempo de completa efervescência cultural", conta Nilo.
        Parte do dinheiro do diretório estudantil, dirigido pelo compositor e arquiteto, era destinada a coisas alheias à arquitetura e ao urbanismo.
        "Comprávamos discos, revistas e jornais, com acesso livre para todos. Sabíamos dos shows no teatro Opinião e dos poemas de Ferreira Gullar pelo "Jornal do Brasil". Aquilo tudo nos incendiava."
        Entre as compras estavam discos de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, cantorias de viola, bolachões de Bob Dylan e dos Beatles, romances franceses e livros de filosofia.
        CENSURA
        O ambiente estudantil afinou também a ideologia do grupo, mais à esquerda.
        Pouco comentado até por seu criador, "Pavão Mysteriozo" tinha um toque político nas entrelinhas ""ou nem tanto, basta ouvir hoje versos como "me poupa do vexame/ de morrer tão moço/ muita coisa ainda/ quero olhar".
        "Era uma canção de protesto, política, sobre a construção de um mecanismo que nos faria voar, fugir do que vivíamos. A censura não percebeu", disse Ednardo.
        A base da letra era o romance de cordel "O Romance do Pavão Misterioso", conhecido no Nordeste a partir dos anos 1920 (leia ao lado).
        "Eu assistia à novela e ouvia a música na TV que havia na praça de Catolé do Rocha [PB]", lembrou o cantor paraibano Chico César.
        "Nos víamos representados em algo de grande circulação, que eram a novela e a música. Aquela realidade da qual tratava a canção, de sol abrasador, de um mundo fantástico entremeado à realidade, todo nordestino já conhecia desde a infância."
        Passados 40 anos, o legado do pavão vingou.
        Os nomes mais vistosos daquela cena como Fagner, Ednardo, Belchior, Fausto Nilo e Amelinha ainda estão na estrada.
          Cordel que inspirou música divide famílias de violeiros
          DO EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
          O folheto que conta a história de um "pavão misterioso/ que levantou voo na Grécia/ com um rapaz corajoso/ raptando uma condessa/ filha de um conde orgulhoso" é um clássico da literatura popular nordestina. Foi criado no começo do século 20.
          Em 2006, o livro "Memória das Vozes: Cantoria, Romanceiro e Cordel" (Fundação Cultural da Bahia), da pesquisadora francesa Idalette Muzart, cravou que seu autor é o paraibano José Camelo de Melo e não José Melchíades Ferreira --as famílias disputam a autoria até hoje.
          Melchíades teria se apropriado de "O Romance do Pavão Misterioso" durante uma temporada de Camelo longe da Paraíba.
          Para a escritora potiguar Clotilde Tavares, autora de "A Botija" (Editora 34), que reconta a obra em prosa, o folhetim é de ficção científica.
          "Imagine: algo criado nos anos 1920, no interior do Nordeste, que falava de telegrama, fotografia, de uma construção que tinha alavanca, chave e botão/ Voava igualmente ao vento / Para qualquer direção'. Isso é futurismo, ora."
          Segundo Clotilde, o folheto também é um auge da criatividade dos violeiros e cantadores nordestinos.
          OPINIÃO
          Canção ainda comove e faz falta na nova versão da novela
          LUIZ FERNANDO VIANNAESPECIAL PARA A FOLHAPara quem tem em torno de 40 anos, "Saramandaia" sem "Pavão Mysteriozo" é como Picasso sem tinta.
          Da Dona Redonda podemos lembrar. Da canção de abertura da novela não conseguimos esquecer. Até hoje.
          Ednardo lançou a música com uma estranha grafia que alegraria Glauber Rocha e Zé Celso, em 1974. Dois anos antes da novela que a transformou em fenômeno nacional.
          O sucesso foi tanto que é até compreensível, embora injusto, ver Ednardo como autor de um só sucesso.
          Quem viveu os anos 1970 pôde ouvi-lo cantando nas rádios e TVs "Enquanto Engomo a Calça", "Terral", "Artigo 26", "Vaila". Seus shows lotavam. Meninos, eu vi.
          Mas algo naquelas canções perdeu força. A leveza de suas "histórias bem curtinhas fáceis de contar" parecem antigas vistas daqui, de um mundo que embruteceu.
          As imagens de "Pavão", quase lisérgicas, eram uma mensagem contra a bruta década militar. Mas nem precisava. A canção continua comovente e faz uma tremenda falta na nova "Saramandaia".
            TELEVISÃO
            'Saramandaia' discute assuntos sociais
            Trama das 23h já abordou aborto e prostituição; veja outros temas controversos explorados em novelas da Globo
            Autor Ricardo Linhares afirma ser 'hipocrisia negar a realidade' e que 'dramaturgia não pode ser chapa branca'
            ALBERTO PEREIRA JR.EDITOR DO "F5"No ar há menos de dois meses, a nova versão da novela "Saramandaia" (Globo) se propõe a ser mais do que uma atualização da obra original, exibida em 1976.
            Para além dos tipos curiosos criados por Dias Gomes para denunciar desmandos da ditadura militar, como o político corrupto que espirra formiga pelo nariz ou a jovem que queima os lençóis a cada lampejo de prática sexual, a adaptação de Ricardo Linhares tem promovido um debate aberto de temas sociais.
            O folhetim já tratou do direto à prática do aborto, por meio da adolescente Stela (Laura Neiva), que bradou que "a mulher é dona do próprio corpo" após descobrir que a tia sofrera por causa de um procedimento mal feito.
            A defesa da legalização da prostituição também encontrou eco em "Saramandaia", em um relato de Risoleta (Débora Bloch). "Se há consenso entre as pessoas, se não existe violência nem exploração, é uma profissão tão digna quanto todas as outras", afirmou a personagem, uma ex-profissional do sexo.
            "Sou um escritor progressista. Acredito que a TV pode estimular a discussão de ideias, ao mesmo tempo em que entretém", diz Linhares.
            Para ele, esse é o seu trabalho "mais contestador". "Tenho 30 anos de carreira. Quando comecei, era proibido adultério na novela das 18h. O mundo mudou e a televisão acompanhou essas mudanças, algumas vezes abrindo caminho na modernização dos costumes, outras vezes pegando carona em movimentos da vida real."
            "VEM PRA RUA, VEM"
            Logo na estreia de "Saramandaia", lembra o autor, houve a coincidência entre as manifestações que tomaram conta do Brasil e um movimento de jovens da trama, em busca de novos direitos e com uma bandeira clara de repúdio à corrupção.
            Essas cenas haviam sido escritas e gravadas com meses de antecedência.
            "Comecei em sintonia com o que estava acontecendo no país e sigo tratando de temas que estão na ordem do dia. É hipocrisia negar a realidade", diz o autor. "Aproveito a liberdade que o horário proporciona para tocar em determinados temas que considero relevantes. A dramaturgia não pode ser chapa-branca."
            Segundo Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP e membro da Academia Nacional de Artes da Televisão e Ciências de Nova York (uma das responsáveis pelo prêmio Emmy), o caráter progressista de "Saramandaia" está em sintonia com as telenovelas do país, a partir de 1970.
            "Tem sido este um grande diferencial e exemplo da telenovela brasileira ao redor do mundo. Uma contribuição que teve seu início na década de 1970, particularmente com a vinda de dramaturgos para a TV", afirma.
            Alencar e Ricardo Linhares concordam, no entanto, que a sociedade brasileira e mundial tornou-se mais conservadora nas últimas décadas.
            "Tenho em mente que o grande público [brasileiro] não mora na zona sul do Rio, nem nos Jardins de São Paulo. É heterogêneo e deve ser tratado com respeito", diz o autor, que colocará a homofobia, o bullying e o mensalão no foco dos próximos capítulos de "Saramandaia".

              segunda-feira, 22 de julho de 2013

              Anitta, do "Show das Poderosas", diz que não ficou rica e que UPPs deixaram funk "light" - Rodrigo Levino

              folha de são paulo
              RODRIGO LEVINO
              EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

              No último final de semana, o álbum de estreia da cantora carioca Larissa de Macedo Machado, 20, lançado no dia 6 de julho, ganhou um "disco de ouro" por alcançar 30 mil cópias vendidas.
              Larissa é o nome verdadeiro de Anitta, funkeira que se tornou fenômeno da música pop brasileira e é dona de um dos maiores hits do ano -"Show das Poderosas". O codinome é inspirado na personagem homônima da série de TV "Presença de Anita" (2001), de Manoel Carlos.
              Lançado no "Fantástico" e publicado no YouTube em 19 de abril, o clipe da música que fala de autoafirmação e competição entre mulheres deve ultrapassar nesta semana 40 milhões de visualizações.
              Para efeito de comparação, o clipe oficial de "Suit & Tie", parceria dos cantores americanos Justin Timberlake e
              Jay-Z, listado entre os grandes lançamentos recentes, tem 43 milhões de visualizações em cinco meses.

              Presença de Anitta

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              Avener Prado/Folhapress
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              Anitta chega para show na boate Royal Club, no Itaim, em São Paulo
              A trajetória de Anitta é meteórica. Descoberta há três anos por um DJ de funk depois de publicar um vídeo em que cantava simulando o microfone com um frasco de perfume, a então estudante de curso técnico de administração começou a viver um conto de fadas do funk melody, subgênero mais palatável do pancadão carioca.
              "Eu Vou Ficar", a tal música (composição dela), ganhou um trato no estúdio e serviu de chamariz para a Furacão 2000, maior produtora de funk do país. A estreia nos palcos veio em seguida.
              "Foi num show em Nilópolis [RJ], num palquinho minúsculo, precário", contou Anitta à Folha, antes de se apresentar numa balada paulistana na semana passada, com ingressos a R$ 250, para um público de classe média alta. Seu cachê pode chegar a R$ 120 mil, a depender do formato do show, que completo tem 20 bailarinos e banda no palco.
              O valor do ingresso daquela noite corresponde à metade do que ela ganhava como estagiária até 2010, quando se decidiu pela carreira artística, a despeito dos olhares desconfiados de alguns colegas. "Hoje eu malho numa academia vizinha ao escritório", diz ela com um tantinho de revanche.
              A carreira, de início espontânea, foi turbinada no último ano. No começo do mês, Anitta e a Furacão 2000 deram por encerrado um processo trabalhista em que a cantora tentava se livrar do contrato inicial para seguir com uma nova produtora.
              Até o acordo entre as partes, ela teve de pagar R$ 5 mil por show realizado sem a produção da Furacão. A liberdade lhe custou R$ 260 mil de multa rescisória.
              TURBINADA
              Kamilla Fialho, sua nova empresária, tratou do banho de loja. Anitta pôs silicone nos seios, fez plástica no nariz, se tornou a queridinha de famosos como Sabrina Sato, tem música ("Meiga e Abusada") incluída em novela da Globo ("Amor à Vida") e bate ponto em tudo quanto é programa de TV --de auditório a culinária.
              A estratégia para os shows é a mesma. Ela vai da balada de playboy à casa de show de classe C, transitando entre o público adolescente e o universitário. A internet ainda é a sua grande plataforma de comunicação com os fãs --tem 300 mil seguidores no Twitter e 780 mil no Instagram.
              No ano passado, a cantora deixou Honório Gurgel, bairro da zona norte do Rio onde morava com a mãe, e hoje vive em um apartamento alugado na Barra da Tijuca, paraíso de jogadores de futebol, periguetes e celebridades. Faz terapia, tem aulas de canto e teatro, personal stylist e acompanhamento de uma fonoaudióloga.
              Na superfície, Anitta e a Furacão dizem que passado o imbróglio judicial a relação segue numa boa. Nos bastidores, a conversa é outra. Artistas ligados à produtora alegam que Anitta foi ingrata com quem a descobriu e investiu em sua carreira.
              Ela conta não ter ficado rica ainda ("As pessoas esquecem que uma carreira não é só dinheiro chegando, é investimento também. E pesado"), mas ganhou dinheiro suficiente para comprar uma casa e trazer a mãe para perto. Só falta tempo para escolher o imóvel.
              DOMESTICADA
              A chave para entender o sucesso da cantora passa pelo que se pode chamar de domesticação do funk. No lugar das letras de apologia ao crime e de sexo explícito, uma garota de classe média fluente em inglês, composições em que apelo sexual e ingenuidade adolescente se entrelaçam, e coreografias muito coladas às músicas.
              "O artista de funk canta o que ele vive e, para fazer sucesso na favela, precisava falar de drogas, crimes, sacanagem. Com a chegada das UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora] e o fim dos bailes, para que cantar sobre isso? O MC já pode fazer sucesso no asfalto com letras mais lights", justifica ela, sobre a linha mais "família" (se comparada a nomes como Valeska Popozuda e Tati Quebra-Barraco) de suas músicas.
              O tom de autoafirmação e uma espécie de feminismo intuitivo pontuam quase todas as 14 músicas do disco de Anitta, a maioria de sua lavra. Para a psicanalista Regina Navarro Lins, versos como "não tô a fim de historinha, conversa fiada/ eu tô querendo homem, cachorro eu tenho em casa" e "faz o que quiser comigo na imaginação/ homem do teu tipo eu uso, mas se chega lá eu digo não" são o retrato de novos tempos.
              "O homem já não tem a primazia do flerte, da conquista e muito menos do desejo", diz a especialista, apontando Anitta como um fruto dessa nova era e uma resposta a "5.000 anos de patriarcado".
              "Anitta é competente. Nos tempos de hoje, da coisa maquinizada, nasce uma cantora que sabe cantar ao vivo", disse Ivete Sangalo. No final de semana retrasado, a baiana levou a carioca até Salvador para cantar "Show das Poderosas" em um festival. Na plateia, 90 mil pessoas.
              É possível que ela demore ou nem sequer chegue ao patamar de Ivete. Mas para quem até pouco tempo a imitava, dançando e cantando na frente do espelho, Anitta já foi bem longe.

              CRÍTICA - CD
              Sem imagens, álbum expõe produção equivocada para quem nasceu no funk
              THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"A piada é machista, quase cafajeste, mas inevitável: o problema do álbum de Anitta é que ele não é um DVD.
              É evidente que a música da cantora só serve para justificar a exibição corporal diante de fãs com hormônios ferventes, de ambos os sexos.
              Sem as pernas à mostra, o que a moça canta é desprezível? Na verdade, não. É um produto musical inserido no atual pop nacional, como tantos. Apenas não faz a diferença, sob qualquer aspecto.
              Sua voz tem um registro quase infantil, mas isso nunca chegou a ser grande problema para Britney Spears ou Christina Aguilera.
              As letras são pobres, às vezes de mau gosto, mas outros "astros" brasileiros vendem milhões de discos com versos ainda mais rasteiros.
              O imperdoável no caso de Anitta é que a música que produz não está colada à cena funk que a projetou.
              "Anitta" é um álbum que tomou banho de estúdio. A moldura sonora exibe uma mistura sem sal de pop e dance, uma massa genérica que embala muitas cantoras por aí, de divas como Katy Perry e Claudia Leitte a esforçadas como Demi Lovato e Wanessa.
              Faz as pessoas dançarem, claro. No caso de Anitta, faz também a própria dançar e remexer as curvas colossais.
              Se Anitta tivesse mergulhado numa batida funk mais pesada, talvez suas músicas ganhassem alguma ousadia e deixassem de ser uma trilha sonora anódina para coreografias sensuais.

                quarta-feira, 17 de julho de 2013

                Bruna Beber lança seu quarto livro de poesias amanhã em São Paulo

                folha de são paulo
                'Rua da Padaria' reúne versos marcados pelo cotidiano na periferia, onde a escritora morou
                Autora de 29 anos que cresceu na Baixada Fluminense e vive na capital paulista foi um dos destaques da Flip
                RODRIGO LEVINOEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"Quando lançou seu primeiro livro ("A Fila sem Fim dos Demônios Descontentes", 7Letras), em 2006, a poeta carioca Bruna Beber, 29, tinha 22 anos e ouviu do pai, que bancou parte daquela edição em três parcelas: "Se não vender tudo, a gente põe uma banquinha aí na calçada".
                Os 600 exemplares se esgotaram em algumas semanas.
                "Meu pai tem um receptivo de turismo, então ele meio que obrigava todo mundo a comprar o livro, inclusive estrangeiros que não entendiam nada", contou aos risos àFolha.
                Amanhã é outra Beber que lança, em São Paulo, uma nova obra ("Rua da Padaria", Record): autora de quatro livros, reconhecida como um dos nomes significativos de sua geração, traduzida para o inglês, o espanhol e o alemão, e um dos destaques da última Flip, quando autografou cerca de 300 livros em duas horas.
                De voz pausada e forte sotaque carioca, quase intocado pelos sete anos em que vive em São Paulo, Beber diz que nunca esperou por tanto.
                Escreve desde os seis anos porque lê desde então e gosta das duas coisas.
                De uma família de professoras e pedagogas, cresceu cercada por livros. Aos dez anos, decidiu ler "algo difícil".
                Atormentou a mãe por dias seguidos querendo explicações sobre o poema "Marília de Dirceu" (1792), do arcadista Tomás Antônio Gonzaga.
                "Rua da Padaria" é também uma ponte para esse passado, situado entre Duque de Caxias e São João de Meriti, cidades da Baixada Fluminense onde Beber viveu até os 20 e poucos anos, dividida entre a casa dos pais e a dos avós.
                A miríade de sons, cores, cheiros e tipos da periferia são parte importante da obra.
                Nos poemas de "Rua", há o botijão de gás que explode, as crianças correndo atrás da bola, a macumba da encruzilhada ("mamãe posso comer/ essa pipoca"). Junto a isso, pequenos flertes, observações e alegrias comezinhas.
                Quase sempre associada à geração de novos poetas que têm por maior inspiração o cotidiano, Beber se diz inadequada a essas rotulações.
                "Não me enxergo como parte de uma turma ou de um grupo, nem acho que a minha geração esteja construindo alguma espécie de pensamento."
                Revelada na internet, onde manteve "sei lá quantos" blogs de poesia, Beber é um retrato de sua época, em que hierarquia ou dieta cultural têm pouca eficácia.
                "Fui criada numa casa em que Neguinho da Beija-Flor valia tanto quanto Tom Jobim. Não havia juízo de valor. A gente lia, via e ouvia o que gostava."
                A "rua da padaria", a mais movimentada de São João de Meriti, ela cruzou pela primeira vez aos seis anos, sob os olhos da avó. "Foi épico!"
                  RAIO-X - BRUNA BEBER
                  VIDA
                  Nasceu em Duque de Caxias (RJ) em 1984; vive em São Paulo desde 2007, onde trabalha como editora, revisora e tradutora
                  OBRA
                  É autora dos livros "A Fila sem Fim dos Demônios Descontentes" (7Letras, 2006), "Balés" (Língua Geral, 2009), da coletânea "Rapapés & Apupos" (7Letras, 2012) e de "Rua da Padaria" (Record, 2013).
                  Seus poemas foram traduzidos para o espanhol, o inglês e o alemão em coletâneas publicadas na Alemanha, na Argentina, no México, nos Estados Unidos, na Espanha e em Portugal.

                  terça-feira, 16 de julho de 2013

                  Paraenses rejeitam domínio tecnobrega

                  folha de são paulo

                  Pará lança ritmo junglebeat, mistura de batidas africanas e músicas regionais

                  Lucas Nobile
                  Mais de 7.000 quilômetros separam Abeokuta, na Nigéria de Fela Kuti (1938-1997), e Barcarena, no Pará de Mestre Vieira. Contemporâneos, os pais do afrobeat e da guitarrada, respectivamente, nunca se encontraram, mas as influências de suas músicas se unem agora por um estilo criado em solo paraense.
                  Trata-se do recém-gerado junglebeat (batida da selva), gênero que mescla as referências percussivas do afrobeat com ritmos do norte do país, mais especialmente do Pará, como guitarrada e carimbó.
                  O estilo é encabeçado pela Zebrabeat Afro-Amazônia Orquestra e conta ainda com poucas bandas, como Metaleiras da Amazônia.
                  Editoria de Arte/Folhapress
                  A Zebrabeat mistura em seu balaio sonoro referências como Fela, Mulatu Astatke, Mestre Vieira, Mestre Solano, Curica e Aldo Sena, entre outros, e prepara para este ano o lançamento de seu primeiro álbum, com temas que podem ser ouvidos na internet (soundcloud.com/zebrabeat ).
                  "Misturamos o groove do afrobeat com a influência que temos do Caribe e do Pará, como a guitarrada e o carimbó", diz o baterista Júnior Gurgel.
                  O gênero ainda flerta com referências de black music, guitarrada, zouk, carimbó, ritmos latinos, e "sons da floresta amazônica", como define o músico.
                  Com shows previstos para São Paulo e Rio, ainda sem data definida, a Zebrabeat Afro-Amazônia Orquestra é apenas uma das diversas bandas da cena paraense que começam a despontar e a extrapolar as fronteiras locais.
                  Além deles, o duo instrumental Strobo, Trio Manari --que recentemente chamou a atenção do guitarrista mexicano Carlos Santana, que deve gravar uma música do grupo--, Camila Honda, Natália Matos e Juliana Sinimbú, as três últimas com estética mais pop, são alguns que lançam discos em 2013.
                  Alguns, como Matos, Sinimbú e Honda, terão seus trabalhos incentivados por um edital da Natura Musical, divulgado no primeiro semestre.
                  FESTIVAL
                  Esses artistas reforçam a efervescência da produção local, que desde 2006 apresenta todo ano em São Paulo revelações e veteranos no festival Terruá Pará, bancado pelo Governo do Estado --em 2012, houve também uma edição carioca do evento.
                  Há no time nomes mais pop, como Felipe Cordeiro, Luê e Lia Sophia, e mais clássicos --Dona Onete, Manoel Cordeiro e Sebastião Tapajós.
                  Existe também uma novíssima geração local, com nomes como Enquadro, A Trip to Forget Someone, Projeto Secreto Macacos (instrumental) e Molho Negro (rock), que faz uma música popular e bem elaborada.
                  Com uma recente e ainda tímida difusão de sua música para o país, esse grupo de artistas nega a possibilidade de que o tecnobrega de Gaby Amarantos, o melody da Gang do Eletro e o brega do Calypso ofusquem o restante da produção paraense.
                  "Acho positivo o destaque do tecnobrega. Por mais que seja uma moda, abre as portas para a música do Pará", diz Marcelo Damaso, produtor e organizador do festival Se Rasgum, de Belém.
                  Para o guitarrista e produtor Pio Lobato, que já fez trabalhos de resgate da música dos mestres da guitarrada paraense, a produção local não corre risco de ser ofuscada.
                  "Acho que não vai acontecer isso porque não existe um investimento público em massa na música para festas de rua como ocorreu na Bahia, com o axé e o Carnaval", explica Lobato, que prepara um disco para o ano que vem.
                  Para ele, o espaço dado pela rádio pública a artistas independentes tem sido fundamental para fortalecer a cena e "fomentar essa geração".
                  "O que ofusca é a repetição. Gaby e Gang do Eletro representam a música paraense. Todos têm espaço para fazer música verdadeira", diz Léo Chermont, do Strobo.

                  OPINIÃO
                  Produção do Estado é diversa, rica e supera o 'regionalismo'
                  RODRIGO LEVINOEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
                  É típico: sempre que cenas regionais são alçadas à vista do grande público, parte de seus expoentes fica à margem do recorte feito por rádios, TVs e gravadoras, que pinçam nomes para servir como metonímia do que querem expor.
                  Um risco a quem emerge dessas cenas é o de ser posto no saco do "regionalismo", como se não houvesse particularidades em cada nome. Pior ainda é ser carimbado como "exótico", termo a um passo do preconceito.
                  Para os mais atentos, desde o início dos anos 2000 a música do Pará se transformou numa botija de estilos, gêneros e influências (uma fronteira aberta para países latinos e caribenhos), que serve a variados recortes, do brega ao cult, do dançante ao experimental.
                  Com curiosidade e fones de ouvido, é possível descobrir um universo igualmente rico por trás dos nomes em voga na mídia (Gaby Amarantos, Gang do Eletro, Calypso), mostrando o quanto é vasta e se renova permanentemente a cena.
                  E o que é melhor: numa variedade tamanha de estilos que só a falta de criatividade justificaria restringi-los ao recorte geográfico. Ora, importa que é música --e da boa

                  domingo, 14 de julho de 2013

                  Vitor Ramil lança disco e songbook bancados por fãs

                  folha de são paulo
                  Contribuições de 865 admiradores permitem a gaúcho tirar projetos do papel
                  Milton Nascimento, Ney Matogrosso, o uruguaio Jorge Drexler e o argentino Fito Páez participam do álbum
                  (RODRIGO LEVINO)EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"Baseado em Pelotas, a 271 km de Porto Alegre, longe demais das capitais e onde seria praticamente inviável manter uma carreira de projeção nacional, o cantor, compositor e escritor Vitor Ramil, 52, mais parece um ponto de resistência.
                  Desde o começo dos anos 1990, quando voltou de longa temporada no Rio para a cidade onde nasceu, o artista mantém uma carreira prolífica, independente e alimentada por uma base fiel de fãs.
                  Fidelidade essa que foi posta à prova no ano passado, quando Ramil se lançou numa experiência até então inédita em sua trajetória: a de crowdfunding, financiamento coletivo pela internet.
                  A proposta era produzir um songbook com 60 de suas canções e um disco duplo com 32 delas ("Foi no Mês que Vem"), o décimo de sua carreira. Em três meses, 865 fãs de oito países toparam. O montante arrecadado chegou a R$ 85 mil, R$ 15 mil a mais do que pedira.
                  "Tinha medo de que parecesse caro. Vi que muitos projetos do tipo não deram em nada pelo que, acho, era excesso do artista", disse ele à Folha por telefone, sobre as cotas que iam de R$ 10 a R$ 30 mil. "Foi algo sobre o qual pensei bastante até encontrar um termo que achei que seria justo."
                  A resposta não chegou a impressioná-lo, embora o tenha enchido de gratidão.
                  A carreira de Ramil é repleta de histórias curiosas relacionadas a fãs. Como a de uma senhora que comprava caixas de discos seus para mandar a lojas em cidades onde não era possível adquiri-los, só para que a obra dele fosse mais conhecida.
                  Seu processo de criação musical mais lembra o de escritores, de recolhimento e depuração do próprio repertório, rearranjando-o, encontrando outros modos de cantá-lo e tocá-lo. "Minha ideia era gravar um disco inteiramente acústico, mas, aos poucos, percebi que poderia soar só como acessório do songbook. E não era isso, podia ser algo maior", conta. E foi.
                  Entre convidados como Milton Nascimento, Ney Matogrosso, o uruguaio Jorge Drexler, os argentinos Fito Páez e Pedro Aznar, canções marcantes da carreira de Ramil como "Estrela, Estrela", "Loucos de Cara", "Astronauta Lírico" e "Neve de Papel" foram reinterpretadas com arranjos voltados sobretudo para o violão, seu instrumento de predileção.
                  "A própria escolha das músicas se deu muito pela afinidade que cada uma delas tinha com o instrumento", conta, sobre o trabalho de garimpagem que o permitiu "cortar excessos", como chama a miríade de baixos, baterias e teclados, substituídos por violões de afinações variadas, timbres cristalinos, além de percussão e cordas.
                  É, de certo modo, a radicalização do que se anunciava em "Délibáb", disco de 2010, em que dividia com o violonista argentino Carlos Moscardini os arranjos dos poemas que musicou do argentino Jorge Luis Borges e do gaúcho João da Cunha Vargas.
                  Como o disco anterior, "Foi no Mês que Vem" foi gravado em Buenos Aires e mixado nos EUA. "É um trabalho de fronteiras abertas", diz. Fito Páez gravou sua participação em casa, na companhia do cantor, em Buenos Aires; Jorge Drexler, num quarto de hotel durante uma breve passagem pelo Uruguai (ele vive na Espanha). Do Rio, vieram as vozes de Ney Matogrosso e Milton Nascimento.
                  Ramil tem ainda a companhia de Ian e Isabel, seus filhos, ela lendo um trecho em francês do escritor Paul Valéry, na canção "Noa Noa".
                  "Já me disseram que formei meu pequeno Clube da Esquina. Tem um pouco a ver", compara ele.

                    sábado, 6 de julho de 2013

                    Público aplaude de pé poemas de Pessoa por Bethânia e dona Cleo

                    folha de são paulo - FLIP2013
                    Autora encanta festa com 'fazcarigundum'
                    Em debate ontem sobre Nabokov, tema de seu livro elogiado, franco-iraniana Lila Azam ganha plateia em Paraty
                    Musa do evento, ela falou sobre a influência do autor de 'Lolita' e cantarolou música de Adoniran Barbosa
                    RODRIGO LEVINOENVIADO ESPECIAL A PARATYA franco-iraniana Lila Azam Zanganeh, 36, foi consagrada em Paraty como a musa desta Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
                    Ontem, pouco antes de subir ao palco principal e depois de alguns meses estudando português via Skype com um professor brasileiro, a escritora, que fala seis idiomas, temia não ter vocabulário suficiente para levar adiante a discussão com o ensaísta carioca Francisco Bosco, com quem dividiria a mesa "O Prazer do Texto".
                    Estimulada por colegas -e pelo namorado brasileiro-, pôs o tanto que já dominava à prova. E, no primeiro pedido de desculpas pela pronúncia (cheia de charme e sotaque francês), ganhou a plateia da Tenda dos Autores.
                    SONHO
                    Lila é autora de "O Encantador: Nabokov e a Felicidade", um ensaio sobre a busca pela felicidade na obra do autor de "Lolita". Ela disse ter sonhado várias vezes com o próprio durante a feitura do seu livro. Um dos trechos da obra, aliás, traz uma entrevista fictícia com Vladimir Nabokov feita por Lila, no final dos anos 1970. Na verdade, ela tinha apenas dez meses de idade quando o escritor morreu.
                    "Nos meus sonhos, ele tinha muitas ideias erradas e o pior: não gostava de escritoras e tradutoras de suas obras", disse.
                    Segundo ela, um teste de fogo foi ter lido em voz alta trechos do livro para Dmitri, filho de Nabokov, que estava doente à época.
                    "Inicialmente ele ficou bravo, perguntando por que eu havia inventado aquelas coisas que estavam no livro, mas depois me ajudou na pesquisa sobre o pai."
                    A autora explicou como a personalidade do escritor russo-americano (1899-1977), que enfrentou uma série de tragédias pessoais e encontrou, nos exílios, novos prazeres da vida, a inspirou na busca pela felicidade em seu texto.
                    Um dos pontos altos da mesa se deu quando Francisco Bosco falava da força da expressão verbal na música quando perde o contato com a realidade e tende à explosão, como as onomatopeias de "País Tropical", do cantor Jorge Ben Jor.
                    "É como em 'Trem das Onze'", interveio Lila, que continuou, dessa vez cantarolando: "Que tem aquele 'fazcarigundum, fazcarigundum, fazcarigundum'".
                    A plateia veio abaixo em sorrisos e aplausos.
                      Coutinho diz que só se vê filme nacional 'por acaso'
                      Cineasta relança tiragem limitada em que critica filme de Bergman e nouvelle vague
                      MARCO AURÉLIO CANÔNICOENVIADO ESPECIAL A PARATY"Eu nunca tenho nada a dizer, amanhã vai ser um problema." A reclamação do cineasta Eduardo Coutinho, 80, na entrevista coletiva ontem, em Paraty, poderia ser mau presságio para a mesa de que participa hoje na Flip.
                      Mas basta a primeira pergunta para Coutinho mostrar que tem muito a dizer sobre cinema e o gênero de sua preferência, o documentário.
                      "Não me levo muito a sério, isso é essencial. Como eu fiquei relativamente conhecido com 50 anos, levo isso tudo com muita ironia. Eu sou o melhor cineasta de mim mesmo, do meu quarteirão", disse o diretor de "Cabra Marcado para Morrer" (1984) e "Edifício Master" (2002).
                      Coutinho disse lidar com a crítica a seus filmes "de modo contraditório". "Quando a crítica é burra, eu nem ligo. Tem coisas que falam bem de um filme meu e eu acho que me enganei, porque, para certas pessoas estarem elogiando, só pode ter sido erro meu. E há outras que indicam novas leituras possíveis, coisas que eu não tinha pensado."
                      A presença do cineasta na Flip será celebrada também com uma tiragem limitada do livro "O Olhar no Documentário", que reúne o ensaio que dá título a obra, em que Coutinho analisa sua profissão, e depoimentos de Ferreira Gullar, João Moreira Salles e Eduardo Escorel.
                      A parte mais rara do livro é a que inclui críticas cinematográficas que o próprio Coutinho assinou para o "Jornal do Brasil", entre 1973 e 1974.
                      Nelas, diz ter falado mal de "O Sétimo Selo", "o pior filme do Bergman, com uma simbologia que pesa toneladas" e atacado duramente a nouvelle vague francesa.
                      "Não gosto do surrealismo no cinema, acho que não dá certo. E odeio a vanguarda francesa. Os dois filmes que o [Luis] Buñuel fez com o [Salvador] Dalí, Um Cão Andaluz' e A Idade do Ouro', valem mais do que toda a vanguarda francesa junta, pode pegar e jogar no lixo."
                      Com um humor ranzinza, Coutinho falou sobre a falta de audiência do cinema nacional, em que "o público só vê filme brasileiro por acaso". "Estava entrando no cinema para ver um filme nacional e o porteiro me falou: Olha, o filme é brasileiro, hein'",
                        Público aplaude de pé poemas de Pessoa por Bethânia e dona Cleo
                        Recital dedicado ao português foi um dos pontos altos da Flip
                        MARCO RODRIGO ALMEIDAENVIADO ESPECIAL A PARATYA noite de ontem tem tudo para ser lembrada como um dos maiores momentos da história da Flip. A cantora Maria Bethânia e a professora Cleonice Berardinelli fizeram uma homenagem comovente ao português Fernando Pessoa. Foram aplaudidas de pé diversas vezes.
                        A palestra foi a primeira a ter os ingressos esgotados nesta Flip.
                        Aos 96 anos, Cleonice, ou dona Cléo, como a chama Bethânia, encantou o público com seu humor e disposição.
                        A primeira parte da apresentação foi dedicada à leitura ininterrupta, por mais de uma hora, de poemas.
                        Dona Cléo, imortal da Academia Brasileira de Letras e especialista em Pessoa, fez um roteiro que abarcou toda a obra do poeta. Começou com "Dois Excertos de Ode", do heterônimo Álvaro de Campos.
                        A partir daí elas se alternaram em poemas como "Abdicação", "O Infante" e "Natal".
                        Arrancaram ainda mais aplausos a cada vez que recitavam juntas, como em "Todas as Cartas de Amor São Ridículas", em que cabia a dona Cleo todos os "ridículos" ao longo do poema.
                        Depois, dona Cleo deitou e rolou com perguntas do público, como "qual seu heterônimo preferido?" ("É como perguntar a uma mãe de que filho ela gosta mais").
                        Bethania disse que quer gravar com a amiga um CD recitando Pessoa, ao que dona Cleo complementou: "Responder a isso é mais fácil que as perguntas que vocês me fazem: claro que quero!".
                          FLIPETAS
                          AQUARELA BRASILEIRA
                          A americana Lydia Davis fez um passeio de barco na manhã de ontem, acompanhada do marido. Nadou no mar, alimentou macacos e disse ter se sentido "num paraíso tropical". Sobre Paraty, disse ainda estar "aprendendo a andar nas ruas de pedra", mas elogiou a população e a comida --seu prato preferido foi uma moqueca de banana-da-terra.
                          SOM, SOM
                          Maria Bethânia inovou na Flip: resolveu passar o som antes de sua mesa ontem, recitando versos de Fernando Pessoa. "Muito ruim. O som tá abafadinho." Reclamou também da luz e do ar refrigerado. "E ainda nem testaram o microfone de dona Cleo! [Cleonice Berardinelli]", disse.
                          700
                          é o número estimado de participantes da manifestação que atravessará hoje Paraty. O cálculo foi feito ontem por 20 integrantes em reunião de duas horas. A ideia é que eles ocupem por 20 minutos a ponte que dá acesso à Tenda dos Autores --justamente o que preocupa a organização do evento.

                          NA INTERNET
                          Outros destaques
                          A COZINHA VENENOSA
                          Silvia Bittencourt dá aula' sobre o Münchener Post', pequeno jornal que fez vigorosa oposição a Adolf Hitler durante dez anos.
                          folha.com/no1306723
                          ENGAJADO
                          Biógrafo de Graciliano Ramos afirma que escritor, filiado ao Partido Comunista, apoiaria os protestos no Brasil.
                          folha.com/no1306768
                          AFINIDADES
                          Ensaísta Roberto Calasso diz que Kafka e Baudelaire têm em comum a habilidade de envolver seus leitores.
                          folha.com/no1307074
                          LOBÃO
                          Na programação paralela, Roqueiro volta ao ataque e classifica projeto de lei que prevê controle do Ecad de golpe'.
                          folha.com/no1307287

                          ANDRÉ BARCINSKI

                          Festa literária e política de Paraty
                          Você pode sair de um debate sobre Baudelaire e dar de cara com palhaços lendo histórias infantis
                          Veteranos da Flip sentem no ar estranhas vibrações. Se, em anos anteriores, a literatura foi o tema dominante do evento --afinal, trata-se de uma festa literária, certo?--, neste ano, as discussões políticas dão o tom.
                          O efeito das manifestações populares que tomam conta do Brasil é sentido em muitas mesas e debates. Gilberto Gil reclamou do público "esbranquiçado" que dominou as arquibancadas do Maracanã na final da Copa das Confederações; Dênis de Moraes, biógrafo de Graciliano Ramos, disse que o velho Graça, se vivo fosse, certamente estaria apoiando os protestos. Na quinta-feira à noite, a mesa "Narrar a Rua", que por vezes teve um clima mais de palanque que de conversa, foi muito aplaudida pelo público.
                          Em meio ao tiroteio de opiniões e frases de efeito, um debate sobre o prazer do texto sob a ótica de Nabokov e Barthes, com a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh e o ensaísta brasileiro Francisco Bosco, trouxe um pouco de leveza à festa.
                          A verdade é que a Flip é uma alegre bagunça. Você pode sair de um debate denso sobre Baudelaire e Kafka com Roberto Calasso e dar de cara com um grupo de palhaços lendo histórias infantis, ou ver uma multidão se espremendo em frente à Casa Folha para ouvir o Pondé falando sobre Kant e Nietzsche.
                          Nos cafés e restaurantes, um assunto dominava as conversas: a manifestação marcada para a manhã de hoje, que sairá do cais de Paraty e percorrerá a cidade. A concentração está marcada para as 9h, e a saída, para as 13h. Se as ruas de pedra já ficam intransitáveis nesses dias de Flip, como estarão hoje?
                          O que acontecerá quando manifestantes, carregando cartazes contra o preço dos ônibus, os gastos da Copa e a "cura gay", encontrarem os pequenos fãs de Adriana Calcanhotto assistindo a seu show infantil na praça da Matriz? A conferir.

                            Agora, festa da literatura também fala o espanhol

                            folha de são paulo - FLIP 2013
                            Juan Pablo Villalobos foi chamado às pressas para o evento em Paraty
                            Peça 'Festa no Covil', em cartaz, lançou luz sobre mexicano que mora em SP e foi traduzido para dezenas de línguas
                            SYLVIA COLOMBODE BUENOS AIRES
                            Chamado de última hora para substituir o norueguês Karl Ove Knausgård, que cancelou sua vinda à festa de Paraty, o mexicano Juan Pablo Villalobos, 40, é um dos poucos representantes hispano-americanos no evento.
                            Com isso, a organização corrigiu uma falha na montagem da grade que havia causado estranheza ao próprio mexicano. "Tinha ficado muito surpreso quando li a programação. Parece um fenômeno relacionado à distância que existe entre a cultura brasileira e a desses países, é algo histórico", disse Villalobos à Folha, por telefone.
                            "O único país com que a produção brasileira tem mais intercâmbio é a Argentina, e há alguns selos pequenos se esforçando para levar novos autores para o português. Mas nos outros países do continente isso é quase nulo. O México não é uma exceção."
                            Ele chama a atenção, porém, para iniciativas pontuais brasileiras de apostas em novos autores mexicanos, como Valeria Luiselli ("Rostos na Multidão" foi lançado pela Alfaguara), Mario Bellatin ("Flores" e "Cães Heróis" saíram pela Cosac Naify) e Ignacio Padilla ("Amphytryon" e "Espiral de Artilharia", da Companhia das Letras).
                            Radicado em Campinas, onde vive com mulher, brasileira, e dois filhos, Villalobos fez de São Paulo seu centro de operações. É a partir dali que escreve e traduz textos para revistas estrangeiras e trabalha em seus romances.
                            Seus livros já foram traduzidos para mais de dez idiomas, como inglês, alemão, francês, italiano, holandês, húngaro, turco, búlgaro, romeno e japonês. Russo e hebraico estão a caminho.
                            No Brasil, seu nome ganha projeção pelo fato de seu primeiro romance, "Festa no Covil" (Companhia das Letras), ter sido levado aos palcos pela atriz Mika Lins, em cartaz no Sesc Consolação até 30/8.
                            A história é narrada por um menino, filho de um traficante, cercado pelo imaginário e pela linguagem do narcotráfico. É o primeiro volume da trilogia cujo segundo tomo ("Si Viviéramos en un Lugar Normal") saiu em setembro nos países hispânicos.
                            O pano de fundo da novela é o México dos anos 1980 de hiperinflação, quando teve lugar uma mudança profunda na estrutura social do país.
                            Os livros de Villalobos costumam ser vinculados ao que se passou a chamar de narcoliteratura. País cindido por uma guerra do governo contra o crime organizado, o México já coleciona mais de 60 mil mortos desde que essa política teve início, em 2006.
                            FICÇÃO E CONFISSÃO
                            "Nós não podemos fechar os olhos para isso, é preciso trazer o tema à tona, mas também não é possível achar que a ficção possa fazer muito para mudar essa situação. Nesse sentido, o jornalismo e o cinema são mais atuantes. Nós, ficcionistas, colaboramos para um olhar crítico e poético do que está acontecendo", diz.
                            Villalobos diz que sua obra dialoga om a tradição da literatura mexicana. E menciona entre as principais influências as escolas fundadas por Carlos Fuentes (1928-2012) e Sergio Pitol (nascido em 1933).
                            "Sou mais vinculado a Pitol, que é um escritor mais cosmopolita, brincalhão, realista e lida muito com o autobiográfico. Já Fuentes está mais vinculado à narrativa mais memorialista, historicista."
                            Sobre o convite feito a Villalobos, que entrou na programação oficial da festa no lugar do norueguês Ove Knausgård, o curador da Flip, Miguel Conde, afirmou: "Era uma substituição difícil por causa do tempo curto e tema específico [O autor debateria ontem, na mesa "Ficção e Confissão", com o norte-americano Tobias Wolff]. Os livros de Villalobos têm uma circunscrição histórica e social clara, mas ao mesmo tempo se valem de protagonistas que lançam sobre esse meio bem delimitado olhares abertos ao devaneio e à fabulação. Por isso, são livros em que a questão da relação entre fatos, experiência e invenção assume uma importância central."
                            Mesa reúne dois expoentes do ensaísmo
                            Geoff Dyer e John Jeremiah Sullivan discutem o gênero amanhã, na mesa que encerra a festa literária em Paraty
                            Apontado como novo caminho, trabalho de ambos se diferencia por usar primeira pessoa e impressões subjetivas
                            DANIEL BENEVIDESISABELLE MOREIRA LIMACOLABORAÇÃO PARA A FOLHAMais livre dos gêneros, na definição do crítico Jean Starobinski, o ensaio surgiu como tema transversal em diversas mesas da Flip e encerra amanhã o evento.
                            Sob o título, "A Arte do Ensaio", a última mesa da Festa Literária de Paraty vai reunir, às 17h, dois dos maiores ensaístas do momento, o inglês Geoff Dyer, 55, e o norte-americano John Jeremiah Sullivan, 39. O mediador é Paulo Roberto Pires, editor da "Serrote", a principal revista brasileira do gênero.
                            Autor do recém-lançado "Todo Aquele Jazz", Dyer é frequentemente citado como um dos expoentes do chamado novo ensaísmo, o qual se distingue pelo uso da primeira pessoa por impressões subjetivas e elementos autobiográficos.
                            Ainda que se entusiasme com essa retomada do gênero entre novos autores ("hoje prefiro ler os ensaios do John Jeremiah Sullivan a qualquer romance"), ele é o primeiro a rejeitar o rótulo: "Meus livros são muito difíceis de classificar, não dá para generalizar".
                            Sullivan também descarta o hype; para ele, o que há é um interesse renovado pelo ensaio, não propriamente um novo movimento.
                            Os pontos de contato entre ambos e autores como David Shields e Tom Bissell são numerosos. O que salta aos olhos em seus textos é a própria experiência do autor, não raro contada com humor autopejorativo, tiradas espirituosas e referências à cultura pop.
                            MÉTODO DE TRABALHO
                            E uma boa dose de obsessão, como ressaltou Sullivan em entrevista à Folha. Ele pode ficar meses ou até anos ruminando um assunto, reunindo informações e buscando um ângulo original, como mostram os ensaios de "Pulphead".
                            Mais flexível, Dyer já escreveu livros em poucas semanas e outros em alguns anos. Sua principal questão é achar o tom certo, aproximar ao máximo a forma do conteúdo.
                            Ao contrário de Dyer, Sullivan é terrível para falar de suas influências ("Nunca lembro o que dizer quando me perguntam. Shakespeare e Hemingway?").
                            O americano diz achar animador trabalhar com um gênero tão vivo e discutido. "Seria loucura se irritar com o interesse das pessoas pelo tipo de escrita que você faz."
                            Quando começou a escrever, achava que, além de "quente", o ensaio era uma forma nova. Mais que desilusão, sentiu excitação ao descobrir que estava pisando em um terreno realmente sólido.
                            "O ensaio é tão velho quanto o romance. Quando entendi isso, passei a me interessar por quem eram os praticantes, os fundadores, os que chegaram e mudaram a forma."
                            Ensaísta desde os anos 1990, Sullivan acredita que há limitações no gênero. "Algumas vezes penso que queria dizer exatamente o que acho, mas estamos falando de seres humanos reais e há uma certa matrix' social a que pertencemos e que temos que respeitar", diz.
                            Para vencer esses limites criativos da não ficção, Sullivan descobriu a liberdade na voz do narrador. "Como não posso enfiar um unicórnio na história que estou contando, posso condicionar a resposta do narrador ao que está acontecendo. E não tenho vergonha de fazer isso para alcançar força narrativa."
                            Embora seja figura constante em seus ensaios, Sullivan não se vê nos próprios textos --para ele, o narrador é um personagem como outro.
                            "Não sou eu. Não me identifico com aqueles narradores mais do que me identifico com quem é parecido comigo. Eu me uso sempre que posso, uso o que quer que eu tenha. Mas quando olho para essas versões de mim, não estou olhando para um espelho, mas para essa outra pessoa que anda dentro de uma história.

                            CRÍTICA - ENSAIO
                            Com humor, autor faz retrato atual da sociedade americana
                            RODRIGO LEVINOENVIADO ESPECIAL A PARATYNum ensaio publicado em 1945 em que tratava da decadência da linguagem, George Orwell alegava que "toda a tendência da prosa moderna é se afastar da concretude". Ensaísta consagrado, Orwell atacava a falta de clareza nas palavras e o que chamava de "abismo entre nossos objetivos declarados e os reais", o que era prejudicial ao leitor.
                            Quase 70 anos depois, o americano John Jeremiah Sullivan aparenta, em seu livro "Pulphead", lançado agora no Brasil, ter sido um leitor dedicado de Orwell. Em 14 ensaios, ele demonstra um apreço incomum por clareza e sinceridade, alicerçado em características fundamentais do gênero --a valorização da experiência individual, a reflexão filosófica e o didatismo.
                            Ao talento visível para a ficção, que dá ritmo impecável às narrativas, se une um apurado senso de humor, a curiosidade e o respeito a todo personagem como fonte de conhecimento.
                            A tudo ele se dispõe a escrutar em busca de empatia que, quando alcançada, é imediatamente repassada ao leitor. Quando escalado para cobrir um festival de música cristã, por exemplo, confessa que seria muito fácil desdenhar do que consideraria o retrato clássico de interioranos dominados pela religião.
                            Mas Sullivan se furta dos clichês e dos estereótipos. Movido pela certeza de que há algo lá, ele deixa a zona de conforto e descobre pessoas marcadas pela violência, em busca de uma experiência real numa sociedade de aparências. Por fim, confessa uma improvável ligação com aquele universo, resgatada por uma memória longínqua.
                            Em cada um dos personagens com que vai cruzando ao longo do livro, Sullivan encontra um ponto de contato com sua vida e desenha um retrato atual da sociedade americana. Sempre tendo como ponto de partida o olhar desassombrado de um intelectual para quem erudição e mundanidade são faces da mesma moeda.
                              Zeca Camargo escreve livro sobre chegada aos 50 anos
                              Apresentador lança título apenas em formato digital neste semestre
                              'A idade me fez repensar meu corpo', conta ele, que participa hoje de uma mesa na Casa Folha, em Paraty
                              DA ENVIADA ESPECIAL A PARATY (RJ)O jornalista e apresentador de Zeca Camargo ainda não sabe se dará a seu próximo livro o título "Nu" --que ele escolheu para batizar a mesa da qual participa hoje, às 11h30, na Casa Folha 2, em Paraty, sob mediação do repórter da Folha Paulo Werneck.
                              "É uma palavra muito explícita. Queria passar a noção de transparência que tem a ver com o livro, mas talvez tenha uma conotação forte demais", diz o autor, que falará sobre a obra em criação, a ser lançada no início deste semestre pelo selo exclusivamente digital e-galáxia.
                              A transparência diz respeito à forma pessoal como Zeca se coloca no livro, espécie de autobiografia sobre a chegada aos 50 anos, completados em abril. Em capítulos como "Memória" e "Rosto", faz uma leitura bem-humorada sobre não ser mais um garotão.
                              "A idade me fez repensar o meu corpo. Fui dançarino, sempre trabalhei a parte física e percebi que queria escrever sobre isso", diz.
                              A opção pelo formato digital teve a ver com o fato de ser sua primeira obra estritamente pessoal --os livros anteriores, publicados pela editora Globo, são relacionados ao seu trabalho. "Fui fisgado pela novidade. Eu me senti mais à vontade para falar de mim assim, sem o peso do papel."
                              Idealizado por Mika Matsuzake, Tiago Ferro e Antonio Carlos Espilotro, o selo e-galáxia terá obras de Ricardo Lísias, com um livro de ensaios, e Ricardo Ramos Filho, com seu primeiro título adulto.
                              Livro traz faceta pouco conhecida de Eduardo Coutinho: a de crítico
                              Textos dos anos 1970 abordam Hollywood, política e surrealismo
                              MATHEUS MAGENTADE SÃO PAULOEduardo Coutinho, 80, documentarista conhecido por extrair a essência de seus entrevistados em filmes como "Edifício Master" (2002) e "Jogo de Cena" (2007), curiosamente teme as palavras.
                              Para ele, se por um lado a fala esconde "segredos e armadilhas", por outro, a escrita agrava o problema metafísico da escolha das palavras.
                              "A tarefa mais difícil para mim no cinema é a de elaboração do texto da narração, o qual não é possível eliminar do filme. Por isso, não fossem os compromissos inevitáveis, escolheria agora o silêncio."
                              O texto escrito em 1992 funciona como prefácio para o livro "O Olhar no Documentário", lançado em tiragem limitada de 200 exemplares nesta Flip (Festa Literária de Paraty). A obra da Cosac Naify traz um lado pouco conhecido de Coutinho: o de crítico.
                              Entre 1973 e 1974, ele assinou 40 comentários como crítico interino do "Jornal do Brasil". Sete deles estão no livro. "Gilda" (1946), "Cantando na Chuva" (1952) e mostras de filmes surrealistas ou nacionais são alvos de textos com sarcasmo, análise política e reflexões sobre estética e atuação.
                              "Hoje, a palavra surrealista entrou para o domínio público despida de qualquer provocação específica --pode designar tudo que é absurdo num determinado contexto. Podendo ser tudo, é, portanto, nada", escreve. E conclui citando Buñuel, como se antevisse suas futuras obras: "Não tenho respostas prévias. Eu olho, e olhar é uma maneira de colocar perguntas."