quarta-feira, 31 de julho de 2013

Uma Igreja aberta ao mundo - Frei Betto

O papa deixou claro que a Igreja deve retomar o seu profetismo, ser a voz dos que não têm voz 


Frei Betto

Estado de Minas: 31/07/2013 


O papa Francisco cativou o povo brasileiro por sua simpatia, simplicidade, o sorriso sempre estampado no rosto, o cuidado de parar o cortejo para benzer um doente, beijar uma criança, abençoar um fiel. As falhas do poder público na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) foram inumeráveis: o carro do papa engarrafado na Avenida Presidente Vargas; a pane no metrô do Rio de Janeiro; a falta de transporte público suficiente para escoar a multidão; a incompetência de prever que a chuva transformaria o campo de Guaratiba em um grande lamaçal. Apesar de tudo, o papa e o povo foram o melhor da festa. E ele realizou dois milagres: fez a presidente Dilma Rousseff sorrir como uma menina no dia de sua primeira comunhão, e os brasileiros amarem de coração um argentino.

O pontífice evitou tocar nos temas polêmicos que desafiam a Igreja Católica, como a moral sexual. Nenhuma palavra sobre pedofilia, uso de preservativo, homossexualidade, aborto etc. Nada disse sobre ordenação de mulheres, reabilitação dos padres casados (5 mil no Brasil, 100 mil no mundo), fim do celibato obrigatório. Apenas pediu aos bispos que imprimam mais qualidade à formação dos sacerdotes. O papa preferiu delinear seu perfil de Igreja: missionária, voltada “pra fora”, desenclausurada, engajada na periferia e servidora dos pobres. Uma Igreja “advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu,” como disse ao visitar a Favela da Varginha.

A atuação pastoral da Igreja deve dedicarbespecial atenção às crianças, aos jovens e aos idosos. Os primeiros, por encarnarem o futuro; os segundos, por guardarem sabedoria. A Igreja deve espelhar a simplicidade de Jesus, como Francisco de Assis e o papa Francisco, que dispensou a capa de arminho, os sapatos vermelhos, o anel e a cruz de ouro, os títulos de sumo pontífice e Sua Santidade, por preferir ser chamado apenas de papa, bispo de Roma, servo dos servos de Deus. Ela precisa saber “perder tempo” com os pobres, saber escutá-los. Desafiou os cristãos a combater a “cultura do descartável”, que ignora o valor das pessoas e estimula o consumismo e o hedonismo. A segurança das pessoas de fé deve estar na confiança em Deus, e não no excessivo conforto que os afasta dos pobres e do povo.

Falou também de política, ao frisar que se deve combater a corrupção e, ao mesmo tempo, alentar a esperança em “um mundo mais justo e solidário”. A solidariedade – “quase um palavrão”, disse o papa – deve ser o eixo de nossa pastoral, disposta a “colocar mais água no feijão”. A política deve “evitar o elitismo e erradicar a pobreza”, condenando os opressores, como fez o profeta Amós ao denunciar que “vendem o justo por dinheiro e o pobre por um par de sandálias”. O papa deixou claro que a Igreja deve retomar o seu profetismo, ser a voz dos que não têm voz. Salientou que é preciso recuperar a confiança dos jovens nas instituições políticas, alentá-los na esperança; e “reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade”. Sim, com um prato de comida se mata a fome do mendigo. Com a política, se evita ou se promove a miséria, depende como ela é exercida.

Apoiou as manifestações dos jovens nas ruas ao frisar que merecem o nosso apoio, pois “eles “saíram às ruas do mundo para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna”. Lembrou que a sociedade futura, “mais justa, não é um sonho fantasioso”, mas algo que podemos alcançar. Os jovens devem ser os “protagonistas da história”, construtores do futuro, de um mundo melhor. O papa convocou a todos para promover a “cultura do encontro”, favorecendo o diálogo sem preconceitos, combatendo os fundamentalismos e as segregações.

Ele iniciou a reforma da Igreja pelo papado, como quem está convencido de que, para mudar o mundo, é preciso primeiro mudar a si mesmo. Talvez ele não demore a reformar a Cúria Romana e, quem sabe, extinguir o Instituto das Obras Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano, alvo de graves denúncias de corrupção, e também as nunciaturas apostólicas, as representações diplomáticas do Vaticano no exterior, para valorizar as conferências episcopais e a colegialidade na Igreja. Agora, há algo de novo na barca de Pedro, cujas velas são tocadas pelo sopro do Espírito Santo.

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