República da ignorância
Formar bons professores implica atrair os melhores talentos e usar ferramentas de eficácia baseada em evidências, não só em teorias
O ensino no país mudou muito desde então, mas ainda não se pode dizer que a invectiva seja desmerecida --como transparece das deficiências da carreira docente retratadas no caderno especial "Quem Educa os Educadores?", publicado domingo pelo jornal.
Cerca de 460 mil dos 2,1 milhões de professores de educação básica nem sequer têm o diploma de nível superior requerido por lei (pedagogia ou licenciatura). Para satisfazer a exigência, proliferaram os cursos a distância.
Predominam as críticas ao caráter teórico das escolas de pedagogia, mas 68% dos formandos consideram que elas os capacitam amplamente para o exercício profissional. Entre coordenadores dos cursos, 61% discordam de que o currículo poderia ser melhorado.
Os avanços da educação, até aqui, se deram no acesso. Com 98,2% da população de 6 a 14 anos na escola, a frequência no ensino fundamental foi virtualmente universalizada. No aspecto da qualidade, contudo, o país fica bem aquém do necessário para que cada brasileiro se torne um cidadão autônomo e um trabalhador capaz.
No fim do ensino fundamental (escolaridade obrigatória), só 27% dos alunos alcançam o nível de aprendizado desejável em português e meros 17% em matemática.
Muito se discutiu e tergiversou, já, sobre as causas desse fracasso. Passou da hora de focalizar a atenção na peça-chave do aprendizado --o professor. Profissionais preparados e bem remunerados são condição "sine qua non" para o aluno aprender o que deve.
Isso não implica responsabilizar só os professores pela má qualidade do ensino. Assim como os alunos, eles são herdeiros da incúria que assola o setor há decênios.
Não será fácil romper o ciclo vicioso. A criação do piso nacional (R$ 1.567) foi um progresso, mas ele ainda é desrespeitado por prefeitos e governadores e fica abaixo do salário médio no país.
Como o Estado brasileiro perdeu a capacidade de investir até no essencial, não haverá melhoras significativas no curto e médio prazos. Os melhores talentos seguirão refratários ao magistério.
É possível, todavia, aperfeiçoar os cursos de formação de docentes e capacitar os que já se diplomaram. Para isso, será imprescindível romper a noção de que a ênfase em resultados e eficácia não passa de um "estratagema neoliberal".
Não é. A solidariedade com as crianças e os jovens, hoje, impõe reconhecer que o sistema está fracassando e que as faculdades não formam os educadores de que o país necessita, pois dedicam somente 10% de seus cursos para ensinar o que comprovadamente funciona em sala de aula.
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Preso ao celular
Dentre as muitas e conhecidas falhas do sistema prisional brasileiro, uma das mais gritantes é a facilidade com que detentos organizam suas atividades criminosas enquanto permanecem encarcerados --graças, sobretudo, ao uso de telefones celulares.Esses aparelhos foram decisivos para que uma facção criminosa promovesse, em 2006, uma série de rebeliões simultâneas em diversas penitenciárias de São Paulo, além de ataques nas ruas.
Soluções para mitigar o problema logo surgiram: tornar falta grave, definida em lei, a posse de celulares por detentos; ampliar a fiscalização nas cadeias; instalar bloqueadores de sinal nas prisões.
Como de hábito no país, a resposta legislativa foi rápida --e, infelizmente, a única. Menos de um ano depois, o Congresso aprovou norma que incorporou o uso, a posse ou o fornecimento de aparelho telefônico ao rol de infrações no cumprimento das penas.
No que tange a ações práticas, porém, a situação continua a mesma. Reportagem desta Folha mostrou que, de 2008 para 2012, cresceu quase 27% o número de apreensões de celulares nos estabelecimentos prisionais paulistas. Foram tomados dos presos 13.248 aparelhos no ano passado --média superior a 36 por dia.
Em termos proporcionais, o aumento acompanha o crescimento de 26,5% da população carcerária de São Paulo, que passou de 154.696 detentos no fim de 2008 para 195.695 no fim de 2012.
Ou seja, apesar do endurecimento penal, as autoridades não conseguiram combater a ilegalidade.
A vigilância decerto é dificultada pela superlotação das cadeias --em São Paulo, há quase dois presos para cada vaga no sistema penitenciário. Em condições normais, esse fato deveria servir como argumento para a construção de novas unidades e para cobrar do Estado maior rigor na fiscalização.
Não se pode ignorar, contudo, que os próprios agentes penitenciários muitas vezes atuam como facilitadores da entrada de equipamentos de toda sorte. Lidar com essa rede exige maior inteligência.
É incompreensível, assim, que o governo de São Paulo ainda não disponha de bloqueadores de celulares em seus presídios. Apenas neste mês, quase sete anos após os primeiros testes, deve ser feita uma licitação para contratar empresas com essa finalidade. Enquanto isso, a população continua com sua segurança ameaçada.
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