LINAMARA RIZZO BATTISTELLA
Uma lei sob ameaça
É decepcionante que ainda haja quem tente flexibilizar a Lei de Cotas com ações que perpetuariam a exclusão de pessoas com deficiência
O número é pífio para um país que comemora 22 anos de vigência da chamada Lei de Cotas, que determina que as empresas com cem funcionários ou mais devem reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.
A promoção da inclusão é urgente. Em 2010, havia aproximadamente 44 milhões de empregos formais ativos no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Destes, apenas 306 mil eram preenchidos por pessoas com deficiência como decorrência da Lei de Cotas, o que equivale a 0,7% do total. Se todas as empresas cumprissem a lei, o Brasil teria hoje mais de 900 mil pessoas com deficiência empregadas.
Por outro lado, dados do IBGE mostram que, também em 2010, existiam 3,8 milhões de pessoas com deficiência ocupadas, independentemente da Lei de Cotas, a maior parte no mercado informal.
Esses números não significam o fracasso de uma política pública. Ao contrário, nos impelem a identificar os motivos que retardam a obtenção dos resultados esperados e celebrar políticas afirmativas que avançam no sentido de vencer resistências.
Entre essas resistências, uma das mais frequentes é a ideia de que não existiria no mercado um número grande de pessoas com deficiência capacitadas para o trabalho, seja por baixa escolaridade ou por falta de experiência profissional.
Os números do IBGE desmentem essas justificativas. Em 2010, 2,8 milhões de pessoas com deficiência possuíam ensino superior completo, incluindo mestrado e doutorado, o que seria mais do que suficiente para suprir as vagas criadas pela Lei de Cotas. Por sua vez, a falta de experiência deriva de décadas de uma prática excludente, em que as portas das empresas se fechavam sistematicamente a qualquer tentativa de ingresso dessa população.
Muito decepcionante é constatar que parte do setor econômico ainda despende tempo e energia tentando flexibilizar a Lei de Cotas, propondo substituir as contratações pela oferta de cursos de capacitação, compensação financeira para entidades do terceiro setor e outras mazelas que perpetuam a exclusão.
Recentemente, essas mudanças foram propostas no projeto de lei nº 112, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), felizmente retirado da pauta do Congresso.
Agora, as mesmas ideias voltam repaginadas em artigos do projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência, também em tramitação no Legislativo federal.
O Estado de São Paulo reconhece que a inclusão gera oportunidades em diferentes dimensões e incentiva o ingresso de pessoas com deficiência no mercado. O Via Rápida Emprego, por exemplo, disponibiliza vagas e oferece gratuitamente cursos básicos de qualificação profissional de acordo com as demandas regionais. Já o Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência (Padef) proporciona a obtenção e a manutenção do emprego.
A população não pode aceitar que setores tentem alterar uma lei que só agora começa a dar frutos. Ainda não vencemos a partida contra o preconceito, mas a Lei de Cotas é a melhor estratégia de que dispomos. Em time que ainda está empatando não se mexe, mas o que realmente buscamos é a vitória da inclusão e participação.
JOAQUIM FALCÃO
O parentesco nos tribunais
Na democracia, proibir todas as formas de nepotismo na escolha dos desembargadores é política de prevenção de riscos do patrimonialismo familiar
A Constituição torna inelegíveis no território de jurisdição do titular cônjuge, parentes consanguíneos ou afins até segundo grau ou por adoção do presidente da República, governador ou prefeito. Por simples razão. Trata-se de impedir que a autoridade então no poder caia na tentação do afeto e desequilibre o processo eleitoral em favor do parente candidato.
Assim como esses parentes são inelegíveis como proteção à competição eleitoral, parente de ministro ou desembargador é também inelegível como proteção à impessoalidade e independência do Judiciário.
Quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acabou com o nepotismo, com o apoio do Supremo, usou critério simples para moralizar a administração judicial. Qual?
Se a nomeação para cargo é feita por critérios objetivos, por concursos, parente pode ocupar cargo. Pois o fator parentesco não influencia o concurso. Mas se é feita por critérios subjetivos, como confiança, parente não pode ocupar cargo. Pois parentesco pode sim influenciar na nomeação. Ou seja, sempre que parentesco é fator que pode influenciar na nomeação, a Constituição exige que seja ele neutralizado. Simples assim.
Na democracia, proibir todas as formas de nepotismo na escolha dos desembargadores dos tribunais é política de prevenção dos riscos advindos do patrimonialismo familiar.
A influência do parentesco pode ocorrer de diversas formas. A mais óbvia e direta é quando o candidato a desembargador é filho ou irmão, parente até segundo grau, de quem decide diretamente: do governador que nomeia ou do desembargador que seleciona os candidatos. O risco de influência é grande, donde a proibição.
A menos óbvia e indireta é quando alguma autoridade judicial pode influenciar quem participa da escolha. Quando por exemplo, o candidato a desembargador é parente de um ministro do STF, de tribunal superior ou mesmo de outro desembargador do próprio tribunal.
O governador pode ficar constrangido por não nomear parente do ministro que algum dia julgará causas de seu Estado ou de sua pessoa. O desembargador pode ficar constrangido por não incluir na lista de candidatos parente do ministro do STJ que um dia votará sobre sua ascensão profissional.
Não se trata de afirmar que governadores e magistrados que participam de nomeações cuja subjetividade é grande são influenciáveis. Submeter-se a influências nepóticas não é destino.
Trata-se de evitar que, sempre que os critérios da escolha não forem auferíveis objetivamente ou o voto não for público e fundamentado, o Judiciário fique desprotegido. É melhor prevenir do que remediar.
A tentação da influência muita vez é gentil e velada. A moralidade e impessoalidade constitucionais não se dão bem com candidaturas afetivas.
Proibir essas candidaturas não discrimina negativamente ou ofende direito individual do parente, tem afirmado o STF. Ao contrário. É discriminação democraticamente positiva, necessária para blindar a administração pública de interesses patrimonialistas.
Não se diminui o ministro ou o parente. Eles não estão em julgamento. É apenas opção institucional democrática. Válida para todos.
Melhor seria que os parentes de até segundo grau nem sequer expusessem seus familiares autoridades judiciais a essa situação.
Se querem entrar para a magistratura, entrem por meio do concurso público para juiz.
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