quinta-feira, 22 de agosto de 2013

MARINA COLASANTI » Dize-me o que vestes‏


Estado de Minas: 22/08/2013 


Após alguns dias de trabalho em um projeto de leitura, regresso da Guatemala. Mais de 40 vulcões, mais de 30 línguas diferentes, tudo é plural naquele país onde os rostos e a cultura trazem viva a presença maia. Plural é também o traje típico das mulheres, não apenas roupa, mas discurso, declaração de identidade, forma de pertencer. Aceito por toda parte em substituição a uniformes, o vemos nos escritórios e nas ruas, vestido por adultas e meninas, distinguindo bebês.

Atrás dele fui a Santo Antonio de Águas Calientes, a uma hora de distância de Antigua, cidade histórica e antiga capital. É ali que vivem e trabalham as tecelãs “de cintura”.

“Começamos aos 6 anos”, me disse aquela com quem mais conversei. “As meninas aprendem com a mãe, que aprendeu com a mãe dela”, disse ainda. De mãe em mãe, as mulheres conservam a técnica de tecelagem dos seus antepassados.
Sentadas em um banquinho, é o seu corpo que mantém a urdidura estendida. Uma extremidade fica presa na parede em frente, a outra é controlada pela larga tira de couro que elas passam pela cintura. E entre os fios estendidos, vão entremeando com largas agulhas de madeira os fios coloridos da trama. Não há desenho nenhum diante delas. Como um pianista que toca sem partitura, elas contam os fios com os dedos e alternam as agulhas, obedecendo apena à memória. E que complexas são as padronagens!

Tecem o “guipil”, parte superior do traje, misto de poncho e blusa que se usa metido dentro da saia, retido por uma faixa também tecida por elas. A saia, ou “corte”, para a qual são necessários no mínimo cinco metros de um pano mais fino e menos requintado, é tecida pelos homens, em teares grandes, de pé.

“Aqui estão os lobos”, me dizia ela, passando a mão amorosamente no tecido multicolorido. “E aqui os pavões. E a águia.” Eu não distinguia nem pavões nem águia, nem muito menos lobos. Mas soube de imediato que estavam lá. Onde eu via fragmentos amarelos e roxos e esmeralda e azuis, onde eu lembrava a explosão cromática das pinturas do austríaco Gustave Klimt, ela lia claramente a mensagem que aos 6 anos havia aprendido a decifrar.

As padronagens e as cores dos guipiles diferem de região para região, assim como as saias. Podem ser flores, listas, desenhos geométricos. Contaram-me que foi essa a maneira que, no passado, os grandes proprietários de terras encontraram para distinguir seus escravos, identificando-os pela roupa. Não sei se é verdade. Mas mesmo hoje pode-se conhecer a origem geográfica de uma mulher olhando para o seu traje.

“São necessários entre quatro e nove meses para tecer um guipil”, me disse a tecelã. E por esses meses de trabalho minucioso e especializado, por essa peça única que fala de lobos, águias e pavões, me cobrou 400 quetzales, que são muitos para eles, mas que para nós equivalem a 100 reais.

Porque os guipiles são caros, estão sendo progressivamente substituídos por blusas encrespadas, cheias de brilhos, babados, rendas, e bem mais baratas. Mas não apenas porque são caros. No mundo inteiro os jovens preferem a modernidade à tradição. Chegará a hora em que as moças se sentirão melhor usando camisetas com mensagens estampadas. E as artesãs de Santo Antonio de Águas Calientes tecerão guipiles somente para turistas.

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