Sensibilidade que machuca
A doença não é contagiosa, mas os portadores de epidermólise bolhosa sofrem tanto com as feridas na pele quanto com o preconceito que têm de vencer a cada dia
Carolina Cotta
Estado de Minas: 22/08/2013
Anna Carolina Ferreira Rocha, portadora da doença no tipomais grave |
Um simples esbarrão e a pele, de uma sensibilidade anormal, reage. Primeiro bolhas, depois feridas e, por fim, cicatrizes. A epidermólise bolhosa é uma doença rara, que chega aos olhos da população depois de um episódio de discriminação. A vítima, Theo, um garotinho de 3 anos, é neto da coreógrafa Deborah Colker, o que deu visibilidade ao incidente. Antes da repercussão nas redes sociais, o problema genético, caracterizado por uma sensibilidade acentuada na pele e mucosas, era pouco conhecido.
A doença, genética, leva à formação de bolhas nas células epidérmicas, especialmente nas áreas de maior atrito, em resposta a qualquer acidente doméstico ou casual, ou mudanças climáticas. De acordo com a Associação de Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa Congênita (Appeb), os pacientes podem nascer com bolhas em algumas áreas, podem ter bolhas imediatamente depois do nascimento ou podem nascer com ausência total de pele em algumas regiões do corpo.
O problema são as consequências disso. Essas pessoas são mais suscetíveis a infecções. Segundo a dermatologista Maria Silvia Laborne, professora das Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, o paciente vivencia um ciclo de bolhas, feridas e cicatrizes, que podem levar também a deformações. As cicatrizes repetitivas em locais de muito atrito, como as mãos, podem levar à junção dos dedos, como ocorreu com a servidora pública Anna Carolina Ferreira da Rocha, de 30 anos, moradora de Brasília.
Portadora de epidermólise bolhosa congênita do tipo distrófica recessiva, um dos mais graves, Anna já nasceu com uma lesão na perna, provavelmente, causada pelo simples fato de ter sido puxada no parto normal. “Nasci em Belém. No hospital, o médico não queria deixar que minha mãe me visse”, lembra Anna, que teve um tio e uma prima da mãe com a mesma doença. “Mas isso foi na década de 1940, no Vale do Jequitinhonha. O que viveu mais tempo morreu com seis meses, por causa da gravidade das infecções.”
A epidermólise bolhosa é hereditária, mas não obrigatoriamente o paciente precisa ter alguém na família com o problema. As pessoas com epidermólise bolhosa podem nascer de famílias que tiveram antecedentes ou mesmo de famílias que nunca ouviram falar no assunto. “Mas, se algum parente tiver, as chances são maiores”, explica Maria Sílvia. Congênita, a doença também já se manifesta desde o nascimento. Apenas uma forma é adquirida e pode ocorrer em qualquer idade. O mecanismo é o mesmo.
DIFICULDADES Anna Carolina precisou aprender a viver com a doença. “Não me sinto mais frágil que outras pessoas, mas é uma sensação estranha. Desde novinha, tive que entender o mecanismo da doença para me proteger e evitar o surgimento de mais lesões. Tenho que me policiar o tempo todo. Tenho que pensar onde vou parar o carro, o caminho por onde vou andar. Às vezes, o próprio piso já me machuca, causando bolhas nos pés. Brita, então, é um horror.”
Ela não se lembra de um só dia em sua vida que tenha passado sem feridas. A dor não é constante, mas, nas semanas em que está com muitas inflamações, Anna passa analgésico e anti-inflamatório. Já os cuidados com curativos demandam cerca de duas horas diárias. É preciso tirar tudo para o banho, quando a água ajuda a umedecer os curativos, e, assim, evitar novos machucados. Depois, é preciso fazer tudo novamente. A alimentação também é diferenciada. “Não posso comer nada duro ou seco, que machuque a mucosa.”
E não há cura nem tratamento. A medicação é destinada ao controle das infecções ou deficiências nutricionais. “Por isso que dizemos que o maior problema não é fazer uma bolha a cada trauma, e sim cuidar da infecção que vem em seguida e da cicatrização. Vamos apagando fogo. Por isso, o mais importante é prevenir os machucados”, alerta Maria Sílvia, que atende alguns pacientes no ambulatório da Santa Casa de Belo Horizonte.
“É uma doença triste, que traz consequências para a família inteira. Essas crianças acabam sendo superprotegidas, porque não podem se machucar. Convivem com a doença o tempo inteiro, sentem dor e ainda sofrem com o aspecto visual. Não se trata de algo contagioso, mas, como a pessoa fica constantemente cheia de feridas, é natural que, na falta de conhecimento, algumas pessoas tenham medo e sintam repulsa.”
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