O Instituto
Nacional de Câncer escolheu o cachimbo como tema do Dia Nacional de
Combate ao Fumo, celebrado amanhã. Em pouco mais de uma hora, o consumo
provoca a exposição a componentes tóxicos presentes em 100 cigarros
Isabela de Oliveira -
Estado de Minas: 28/08/2013
Andreza está sem fumar há sete meses: "O cigarro me proporcionava prazer, mas precisava parar" |
Fumar tabaco usando o tradicional cachimbo árabe é um costume centenário no Oriente e que recentemente chegou aos bares e cafés brasileiros, atraindo, principalmente, a atenção dos jovens. Com um aroma agradável, o narguilé consegue disfarçar malefícios que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais severos do que os do cigarro. Para se ter uma ideia, uma sessão média do produto equivale ao consumo de 100 cigarros. Normalmente compartilhada em confraternizações e encontros de amigos, a piteira do narguilé é outro ponto que chama a atenção dos especialistas. De boca em boca, ela aumenta as chances de transmissão de doenças graves, como a hepatite C.
Tamanhos estragos fizeram com que o narguilé se transformasse no alvo do Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado amanhã. O Instituto Nacional de Câncer, responsável pelas atividades que acontecerão no país, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que o cachimbo já é usado por pelo menos 300 mil pessoas no Brasil.
Pneumologista do Hospital Anchieta e professor da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Alberto de Assis Viega ressalta que a inalação do monóxido de carbono (CO), substância responsável por doenças cardiovasculares, é um dos principais problemas desse tipo de cachimbo. “A fumaça dele tem maior concentração de CO porque, além do tabaco, há o carvão”, explica o médico. Em termos de nicotina, há uma concentração um pouco maior do que a encontrada no cigarro.
De acordo com um grupo de pesquisa na
área da Universidade da Califórnia, o Tobacco-Related Disease Research
Program, 45 a 60 minutos de consumo de narguilé expõem o fumante à mesma
quantidade de nicotina encontrada em um maço de cigarro. “As pessoas
acham que a água consegue filtrar a nicotina, mas estão erradas, pois
essa substância não é solúvel em água”, esclarece Viegas. Outro equívoco
cometido pelos usuários é acreditar que alguns produtos utilizados no
narguilé são livres de nicotina.
“Se você ler a caixinha com uma lupa, verá que há, sim, nicotina. As essências ajudam a melhorar o paladar e fazem com que a pessoa trague com maior profundidade e intensidade, mas não existe tabaco para narguilé sem a nicotina”, alerta o pneumologista, que destaca ainda o risco da transmissão de doenças pela piteira, como herpes, hepatite C e tuberculose. Viegas chama também a atenção para outro hábito perigoso que envolve o uso do narguilé: a mistura de maconha, vodca, tabaco e essência no mesmo recipiente. “Esses jovens estão inalando três drogas. Isso está acontecendo com frequência e é muito mais grave.”
Exemplo familiar Dados da pesquisa Vigilância de Tabagismo em Escolares (Vigescola), do Ministério da Saúde, revelam que de 20% a 45% dos adolescentes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro e pelo menos 10% fumam. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o exemplo vem de casa. Pais (52%), mães (44%) e irmãos (36%) dos alunos fumantes também são viciados em tabaco. “As crianças até conhecem os riscos, mas seguem o modelo de comportamento visto em casa. Entendem que aquilo é normal e, quando dão por si, também estão fumando”, analisa Márcio Gonçalves de Sousa, coordenador do Comitê de Controle do Tabagismo da SBC.
Sousa ressalta que a vaidade muitas vezes leva as adolescentes ao vício, já que um dos efeitos mais evidentes do tabaco é a perda de apetite. “O cigarro é estimulante e acelera o metabolismo. A indústria percebeu que, hoje, a bola da vez são as jovens. Por isso o lançamento de embalagens e latinhas coloridas e cigarros cada vez mais finos, que remetem à silhueta esbelta”, observa o médico, que também alerta para o fumo passivo. Segundo ele, há diariamente sete mortes relacionadas a essa situação no país.
“As partículas do cigarro ficam na roupa e no cabelo, e não apenas no ar. A criança é mais suscetível, pois possui o pulmão virgem, fazendo com que as células de defesa entrem em guerra com o corpo. Há ainda os componentes alérgicos relacionados à exposição crônica à fumaça, que tem 10 vezes mais nicotina”, explica Márcio.
Ainda mais viciante
Insônia, depressão, raiva e inquietação. Esses são sintomas típicos da síndrome de abstinência de nicotina. Para quem sofre com algum tipo de doença psiquiátrica e tenta largar o cigarro, eles são potencializados. Estudos indicam ainda que esses fumantes correm mais risco de recair no vício durante o período de abstinência, o que sinaliza que a nicotina, em um grupo especial de pacientes, pode ser ainda mais viciante.
Ao avaliar 270 pacientes com transtorno mental internados no Hospital das Clínicas de Marília, em São Paulo, Renata Marques de Oliveira constatou que a quantidade de tabagistas é maior do que a média nacional — 35,6% contra 17,6% — e que o vício em cigarro é mais comum entre pessoas com transtornos mais severos, como a esquizofrenia. O estudo mostrou ainda que 84,4% deles já tentaram livrar-se do tabagismo alguma vez na vida, mas a maioria (67,7%) não recebeu apoio profissional.
“As dificuldades em abandonar o cigarro estão envolvidas com processos ambientais e biológicos. Acontece também que esses pacientes têm mais dificuldade em encontrar tratamento, que não estão disponíveis para eles, e também têm dificuldades em marcar e manter o acompanhamento profissional”, explica Jennifer Tidey, professora de psiquiatria e comportamento humano do Centro de Estudos do Álcool e Outros Vícios da Brown University, nos Estados Unidos.
No Distrito Federal, a técnica em enfermagem Regiane Costa Martins dos Reis avaliou 100 fumantes durante um trabalho de pós-graduação. Desses, 20 não conseguiram largar o cigarro e todos tinham algum tipo de transtorno psiquiátrico, como depressão, ansiedade e esquizofrenia. A taxa de desistência dos esquizofrênico foi de 100%. “Entre eles, há uma frequência (do vício em cigarro) até três vezes maior do que a encontrada na população em geral. A primeira relação conhecida entre dependência do tabaco e esquizofrenia é que a nicotina ameniza alguns sintomas do transtorno, como lentificação psicomotora, prejuízo da concentração e falta de prazer nas atividades diárias”, explica.
A percepção de alívio e a redução dos efeitos colaterais dos medicamentos devem-se à redução de cerca de um terço da concentração das substâncias na corrente sanguínea. Reis explica que alguns remédios psiquiátricos são metabolizados pela mesma enzima hepática responsável pelo processamento do tabaco. “Quanto mais uma pessoa fuma, mais essa enzima é desviada para processar o tabaco. Assim, ela não desempenha adequadamente sua função em relação aos medicamentos”, explica.
Segundo Tidey, os processos orgânicos que fazem esses pacientes serem mais suscetíveis ao tabagismo ainda não são totalmente conhecidos. Pesquisas recentes mostram que esquizofrênicos têm níveis mais baixos de receptores nicotínicos B2 — canais iônicos na membrana plasmática de algumas células — em diversas regiões cerebrais. Essa diferença estaria diretamente associada à doença e reforçaria as sensações positivas do cigarro.
Andreza Xavier Nishiyama, de 30 anos, começou a fumar assim que pôde sustentar o vício, aos 11 anos. Na época, já trabalhava como empregada doméstica em São Paulo, onde nasceu. A mãe passava a maior parte do dia trabalhando para sustentar os três filhos e, segundo Andreza, a ausência a levou ao cigarro. “Sentia-me só, querendo conversar com alguém.”
Durante a adolescência, apareceu o quadro clínico de ansiedade. “O cigarro me proporcionava prazer, mas precisava parar não apenas por uma necessidade médica, também pelos meus três filhos e pelo meu marido, que não fuma”, disse. Ela entrou no início deste ano no programa antitabagismo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Andreza, que chegou a gastar R$ 250 por mês com cigarro, está sem fumar há sete meses. (IO)
“Se você ler a caixinha com uma lupa, verá que há, sim, nicotina. As essências ajudam a melhorar o paladar e fazem com que a pessoa trague com maior profundidade e intensidade, mas não existe tabaco para narguilé sem a nicotina”, alerta o pneumologista, que destaca ainda o risco da transmissão de doenças pela piteira, como herpes, hepatite C e tuberculose. Viegas chama também a atenção para outro hábito perigoso que envolve o uso do narguilé: a mistura de maconha, vodca, tabaco e essência no mesmo recipiente. “Esses jovens estão inalando três drogas. Isso está acontecendo com frequência e é muito mais grave.”
Exemplo familiar Dados da pesquisa Vigilância de Tabagismo em Escolares (Vigescola), do Ministério da Saúde, revelam que de 20% a 45% dos adolescentes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro e pelo menos 10% fumam. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o exemplo vem de casa. Pais (52%), mães (44%) e irmãos (36%) dos alunos fumantes também são viciados em tabaco. “As crianças até conhecem os riscos, mas seguem o modelo de comportamento visto em casa. Entendem que aquilo é normal e, quando dão por si, também estão fumando”, analisa Márcio Gonçalves de Sousa, coordenador do Comitê de Controle do Tabagismo da SBC.
Sousa ressalta que a vaidade muitas vezes leva as adolescentes ao vício, já que um dos efeitos mais evidentes do tabaco é a perda de apetite. “O cigarro é estimulante e acelera o metabolismo. A indústria percebeu que, hoje, a bola da vez são as jovens. Por isso o lançamento de embalagens e latinhas coloridas e cigarros cada vez mais finos, que remetem à silhueta esbelta”, observa o médico, que também alerta para o fumo passivo. Segundo ele, há diariamente sete mortes relacionadas a essa situação no país.
“As partículas do cigarro ficam na roupa e no cabelo, e não apenas no ar. A criança é mais suscetível, pois possui o pulmão virgem, fazendo com que as células de defesa entrem em guerra com o corpo. Há ainda os componentes alérgicos relacionados à exposição crônica à fumaça, que tem 10 vezes mais nicotina”, explica Márcio.
Ainda mais viciante
Insônia, depressão, raiva e inquietação. Esses são sintomas típicos da síndrome de abstinência de nicotina. Para quem sofre com algum tipo de doença psiquiátrica e tenta largar o cigarro, eles são potencializados. Estudos indicam ainda que esses fumantes correm mais risco de recair no vício durante o período de abstinência, o que sinaliza que a nicotina, em um grupo especial de pacientes, pode ser ainda mais viciante.
Ao avaliar 270 pacientes com transtorno mental internados no Hospital das Clínicas de Marília, em São Paulo, Renata Marques de Oliveira constatou que a quantidade de tabagistas é maior do que a média nacional — 35,6% contra 17,6% — e que o vício em cigarro é mais comum entre pessoas com transtornos mais severos, como a esquizofrenia. O estudo mostrou ainda que 84,4% deles já tentaram livrar-se do tabagismo alguma vez na vida, mas a maioria (67,7%) não recebeu apoio profissional.
“As dificuldades em abandonar o cigarro estão envolvidas com processos ambientais e biológicos. Acontece também que esses pacientes têm mais dificuldade em encontrar tratamento, que não estão disponíveis para eles, e também têm dificuldades em marcar e manter o acompanhamento profissional”, explica Jennifer Tidey, professora de psiquiatria e comportamento humano do Centro de Estudos do Álcool e Outros Vícios da Brown University, nos Estados Unidos.
No Distrito Federal, a técnica em enfermagem Regiane Costa Martins dos Reis avaliou 100 fumantes durante um trabalho de pós-graduação. Desses, 20 não conseguiram largar o cigarro e todos tinham algum tipo de transtorno psiquiátrico, como depressão, ansiedade e esquizofrenia. A taxa de desistência dos esquizofrênico foi de 100%. “Entre eles, há uma frequência (do vício em cigarro) até três vezes maior do que a encontrada na população em geral. A primeira relação conhecida entre dependência do tabaco e esquizofrenia é que a nicotina ameniza alguns sintomas do transtorno, como lentificação psicomotora, prejuízo da concentração e falta de prazer nas atividades diárias”, explica.
A percepção de alívio e a redução dos efeitos colaterais dos medicamentos devem-se à redução de cerca de um terço da concentração das substâncias na corrente sanguínea. Reis explica que alguns remédios psiquiátricos são metabolizados pela mesma enzima hepática responsável pelo processamento do tabaco. “Quanto mais uma pessoa fuma, mais essa enzima é desviada para processar o tabaco. Assim, ela não desempenha adequadamente sua função em relação aos medicamentos”, explica.
Segundo Tidey, os processos orgânicos que fazem esses pacientes serem mais suscetíveis ao tabagismo ainda não são totalmente conhecidos. Pesquisas recentes mostram que esquizofrênicos têm níveis mais baixos de receptores nicotínicos B2 — canais iônicos na membrana plasmática de algumas células — em diversas regiões cerebrais. Essa diferença estaria diretamente associada à doença e reforçaria as sensações positivas do cigarro.
Andreza Xavier Nishiyama, de 30 anos, começou a fumar assim que pôde sustentar o vício, aos 11 anos. Na época, já trabalhava como empregada doméstica em São Paulo, onde nasceu. A mãe passava a maior parte do dia trabalhando para sustentar os três filhos e, segundo Andreza, a ausência a levou ao cigarro. “Sentia-me só, querendo conversar com alguém.”
Durante a adolescência, apareceu o quadro clínico de ansiedade. “O cigarro me proporcionava prazer, mas precisava parar não apenas por uma necessidade médica, também pelos meus três filhos e pelo meu marido, que não fuma”, disse. Ela entrou no início deste ano no programa antitabagismo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Andreza, que chegou a gastar R$ 250 por mês com cigarro, está sem fumar há sete meses. (IO)
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