Paulo de Tarso Lyra, João Valadares e Karla Correia
Estado de Minas: 29/08/2013
Evo Morales, presidente da Bolívia: "Estamos à espera de uma resposta oficial pelas vias diplomáticas. Esta será a base do que faremos no futuro" |
Brasília – Depois de deixar claro que é a responsável pela última palavra no debate econômico e iniciar um diálogo mais próximo com a base aliada para abafar a crise com o Congresso, a presidente Dilma Rousseff avocou a autoridade de chefe de Estado para ditar as normas da política externa brasileira. Ao empossar o novo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo – escolhido pela competência nas negociações durante a Cop15 em Copenhagen, na Dinamarca, em 2009, e na Rio+20, na capital fluminense, no ano passado –, Dilma repetiu que o governo não coloca a vida dos outros em perigo, numa crítica explícita à atitude tomada pelo ex-encarregado de negócios na Bolívia Eduardo Saboia, que trouxe ao Brasil o senador Roger Pinto Molina sem salvo-conduto de seu país, depois de ele permanecer 15 meses asilado na embaixada.
O discurso duro da presidente – o segundo em menos de 24 horas – mostra o grau de insatisfação com a quebra de hierarquia no Itamaraty. Dilma lembrou que o multilateralismo é a única forma eficiente e perene de produzir consensos. “Foi assim que viemos conquistando o respeito do mundo. Foi assim que alcançamos grandes vitórias recentes de nossa diplomacia. Foi assim com a eleição de nosso companheiro José Graziano para a FAO, na eleição do ex-ministro Paulo Vanucchi para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e agora, mais recentemente, com a eleição do embaixador Roberto Azevêdo, para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial de Comércio”, citando todas as vitórias internacionais obtidas durante o seu governo.
Dilma deu uma amenizada ao elogiar a atuação do ex-chanceler Antonio Patriota, que ocupará o cargo de embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. “Meu governo não pode e não quer prescindir de sua experiência, de seu conhecimento e do respeito que desfruta como diplomata”, afirmou ela.
A presidente decidiu ligar no meio da tarde para o presidente da Bolívia, Evo Morales, para explicar o que aconteceu. Eles conversaram por cinco minutos e decidiram que vão discutir mais detalhadamente o caso durante a reunião da Unasul, em Paramaribo, capital do Suriname, amanhã. Mais cedo, Evo foi duro ao afirmar que o Brasil tem de entregar Roger Pinto às autoridades bolivianas. “Se houvesse um caso similar na Bolívia, eu deixaria esse corrupto na fronteira,” afirmou.
“Estamos à espera de uma resposta oficial (do Brasil) pelas vias diplomáticas. Esta será a base do que faremos no futuro”, prosseguiu.
Pedido de refúgio Dilma, no entanto, está pouco disposta a ceder a pressões. Pela legislação brasileira, processos de extradição ficam suspensos até que seja votado o pedido de refúgio, como o protocolado por Roger Pinto no Conselho Nacional de Refugiados (Conare). “O pedido de concessão de refúgio pressupõe uma série de condicionantes, como perseguição política, religiosa e racial. É mais complexo que um pedido de asilo. Para ser concedido, as condicionantes têm de estar presentes no caso”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
A presidente tem agido de outras maneiras para amenizar as queixas dos bolivianos. Além de ter demitido Patriota, ela foi célere em nomear um novo substituto para o cargo de encarregado de negócios na embaixada da Bolívia. Na noite de terça-feira, escolheu João Luiz Pereira Pinto, diretor do departamento da América do Sul.
Em sua primeira entrevista como ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo afirmou que atendimento ao pedido de Evo Morales é um assunto da presidente Dilma Rousseff. “Quem conduz essa questão é a Dilma e, portanto, será feito o que ela determinar.”
O embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano Talavera, afirmou, durante a solenidade de transmissão do cargo, que ainda aguarda uma resposta oficial do governo brasileiro. Mas minimizou os desdobramentos do episódio. “Nossas relações diplomáticas são excelentes e não serão afetadas por esse incidente”, assegurou.
Discursos enfatizam a hierarquia
Brasília – Em um claro recado aos diplomatas durante solenidade de transmissão do cargo, ontem à tarde, o novo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, mostrou que não vai admitir atitudes unilaterais, como a do encarregado de negócios da representação brasileira – agora afastado –, Eduardo Saboia, que se responsabilizou pela fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina da embaixada do Brasil em La Paz. “O princípio da hierarquia não exclui o debate de ideias e a consideração da pluralidade de ideias. Queremos um Itamaraty arejado. Mas isso não significa a exclusão do respeito à institucionalidade”, declarou Figueiredo. “Não estaremos no bom caminho se permitirmos que se percam aspectos essenciais de nossa cultura internacional como o princípio da hierarquia”, afirmou.
Antes de Figueiredo, Antonio Patriota, demitido justamente em função do episódio envolvendo o boliviano, também abordou o tema. “É imprescindível o respeito à hierarquia e às cadeias de comando. Sem isso, correríamos o risco de desencadear processos de consequências imprevisíveis”, afirmou. Após a cerimônia, questionado se a declaração significava um recado direto de que Eduardo Saboia seria punido com rigor, o novo ministro preferiu uma resposta genérica. “É fundamental para o funcionário público (o respeito à hierarquia). Não significa nada. Significa que o Itamaraty como instituição do Estado brasileiro tem que se pautar por certas normas. A hierarquia e o respeito às normas dos superiores é fundamental. Foi isso que quis dizer”, comentou. (JV)
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