domingo, 15 de setembro de 2013

BRASIL S/A » Tarô da economia‏

Antônio Machado



O aumento de 1,9% no mês e de 6% na base interanual das vendas do varejo em julho, batendo com folga a expectativa média do mercado, que esperava avanços de 0,2% e 3,1%, surpreendeu os economistas, e decerto o próprio governo, mas por razões não bem de má pontaria.
Desacertos entre o resultado projetado e o realizado são comuns, e não vem ao caso. A economia não é ciência exata, embora o pessoal que emprestou seu prestígio à desregulamentação financeira nos EUA, semeando a crise que ainda varre o mundo, acreditasse ter chegado a um conhecimento superior com a tal das expectativas racionais. Não é disso que falamos, mas de desencontros entre fatos e versões.
A análise econômica parece contagiada pela disputa política, ainda mais pela precipitação da campanha eleitoral, gerando reações, em geral, sem meio termo, de descrédito da política econômica, de um lado, e de desconfiança generalizada, de outro. Certos ou errados, governo e setor privado estão como que com a razão prejudicada, o que leva a juízos que se opõem à própria situação que vislumbram.

Considere-se o caso das projeções acanhadas sobre o movimento das vendas do comércio: estavam equivocadas quanto ao resultado para o mês de julho, mas isso por consequência de um cenário consensual. O que o fundamenta? Para simplificar: de um lado, o endividamento do consumidor; de outro, a resistência da inflação, levando ao aumento dos juros pelo Banco Central. Pensando racionalmente, tais fatores tendem a conter o consumo, que, de fato, cresce menos do que antes.
Mas qual a intensidade da desaceleração? Não muita, tanto que em 12 meses até julho as vendas reais do varejo restrito subiram 5,4%, ajustadas em relação ao aumento de 8,4% em 2012 tanto pelo ímpeto da inflação como pelas sequelas do que se faz para enfrenta-la (e de quebra reduzir o déficit das contas externas produzidas pelas importações) – da alta de juro pelo Banco Central à seletividade do crédito, devido ao risco de inadimplência. Isso está em processo.
Só que se trata de um ajuste com o contrapeso da política fiscal. Ela injeta na economia parte da demanda que o BC tira com o aperto monetário. E é assim até à revelia do governo, embora não o seja, já que os gastos fiscais obrigatórios pela Constituição e por leis ordinárias absorvem cerca de 90% do orçamento federal.

Consenso aplicado a dedo

O desalinhamento entre a política monetária apertada e a execução fiscal frouxa, constatado pelo descumprimento recorrente da meta do superávit primário pelo governo, é uma crítica costumeira entre os economistas de várias escolas, tanto quanto o engessamento fiscal – outro consenso, exceto entre os lobistas de verbas públicas.
Tanta concordância, porém, não é transferida para análises sobre o consumo, expresso pelo movimento do varejo, apesar do gasto do setor público ser um dos principais itens da demanda, agindo como compensação ao aperto das finanças das famílias e empresas pelo BC.

Insatisfação empresarial

Preferências políticas obnubilam a razão. O governo, por exemplo, interpretou a reticência empresarial ao investimento como sequela de problemas de competitividade (devido ao câmbio valorizado) e de produtividade (pelos altos custos de produção). E saiu distribuindo subsídios, incentivos e subvenções a setores selecionados, já que a restrição fiscal impede, sem reformas amplas, ações horizontais.
O diagnóstico está correto, só que não explica o que começou meio fingido e foi escancarado: a insatisfação empresarial. Ela decorre de problemas de produção, mas eles já existiam no governo FHC e até eram mais graves que agora. O que incomoda, de verdade, é o estilo centralizador da presidente e o seu gosto pelo dirigismo.

Mais ouro que cascalho

As medidas são apresentadas como prato feito, sem discussão (e há várias assim). As sugestões são mal recebidas, criando impasses só desfeitos parcialmente, com revisões extraídas a fórceps, o caso da rentabilidade das concessões. O que fica encruado, como as questões regulatórias, leva o empresariado a investir em outra freguesia.
Chega-se, enfim, à grande dúvida: a economia está mesmo tão ruim, como diz certo pessimismo militante, com base na inflação alta, no crescimento lento, no investimento baixo, coisas assim, ou, apesar das mazelas, há mais ouro que cascalho no veio das discussões?
Essa é a questão, rebatida há mais tempo: a economia é mais forte, sim, do que supõem os encarregados de geri-la e os cronistas. E se enfraquece pela inabilidade em gerir não bem os males sabidos, mas as oportunidades subestimadas – a causa de tantas projeções que não se confirmam, sejam do governo e do mercado. Não se desata esse nó politizando cenários, mas o debate. E não se desfaz a desconfiança distribuindo indulgências, mas removendo o que a provoca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário