O cara da invenção
Aos 70 anos, o cantor e compositor Jards Macalé roda o Brasil acompanhado da jovem banda Let's Play That. Cheio de projetos, o "anarquista construtivist" avisa que seu destino é criar
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 15/09/2013
Macalé diz que o violão é seu companheiro na "mania de querer descobrir" |
Olinda
– Quem viu a última apresentação de Jards Macalé em Belo Horizonte, em
agosto, não o reconheceria no palco do festival Mimo, em Olinda (PE), na
semana passada. Se na capital mineira ele se mostrou contido ao lado
dos colegas Capinam e Roberto Mendes, na cidade histórica pernambucana o
cantor e compositor carioca esbanjou vigor ao comandar, do alto de seus
70 anos, os jovens de sua nova banda, a Let’s Play That. Essa rapaziada
o ajuda a repaginar precioso repertório construído desde os anos 1960.
Diante da multidão aglomerada na Praça do Carmo, o veterano passou à vontade por rock, blues, reggae, baião e balada, relendo algumas de suas canções mais marcantes, como Farinha do desprezo e Negra melodia. Nada mal para quem levou vaia no 4º Festival Internacional da Canção, em 1969, ao apresentar Gotham City no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Pelo entrosamento com os jovens, tanto no palco quanto na plateia, isso parece muito distante.
“É um pessoal de 20, 30 anos. Sempre tive proximidade com jovens e toco com músicos de todas as idades. Às vezes, são velhos totalmente jovens em seus sons. Fiz essa banda para poder trocar, quero ouvir o que eles ouvem. E eles me ouvem e querem saber quem sou”, explica o compositor. O contato foi iniciado com o trompetista Leandro Joaquim, que o apresentou a Pedro Dantas (baixo), Ricardo Rito (teclado), Thiago Queiroz (sax barítono e flauta), Thomas Harres (bateria) e Victor Gottardi (guitarra).
A maré é tão boa que o entusiasmo vai além da nova banda, formada no ano passado. Em junho, foi lançado o disco E volto pra curtir, coletânea-tributo idealizada por Márcio Bulk, do site de entrevistas Banda Desenhada, dedicado à música brasileira. Contribuíram com releituras do cancioneiro de Macalé nomes como Letuce, Garotas Suecas, Márcia Castro, Apanhador Só, Arícia Mess, Bruno Cosentino, Marcos Campello, Metá Metá, Felipe Catto, Rafael Castro, Ava Rocha e Leo Cavalcanti.
“Eles começaram a inventar em cima da minha invenção. Achei um barato. Não tenho cover até hoje. Quando comecei, quis ser uma porção de gente, o que é natural, mas nessa soma que fui buscando e achei a minha identidade. Meu violão é intransferível, minhas composições são minhas com os parceiros, minha voz é minha. Waly Salomão sempre me encheu o saco para fazer assim, foi me apertando os parafusos até eu entrar numa de ser eu mesmo”, observa.
No forno Não por acaso, Macalé anuncia a gravação de um disco em parceria com talentos da nova geração, prometido para 2014. “Vou retribuir a gentileza, por terem reconhecido aquilo que sempre esteve e está”, resume. Para auxiliá-lo chamou Omar Salomão, filho de Waly (“poeta sensibilíssimo, ligado a todo esse pessoal”), para encontrar os melhores jovens poetas em atividade no país. O compositor quer musicar versos de cada um deles.
Macalé se diz “um cara da invenção” e acredita ser esse o motivo de tamanha conexão com colegas que poderiam ser seus filhos. “Gosto de vozes estranhas, de concepções estranhas. Meu destino é criar. Por isso, meu disco de 1972, com Lanny Gordin e Tutti Moreno, é considerado o must até hoje. Aquilo foi um divertimento nosso. Na época, o grande mercado o rejeitou violentamente. Precisou de 40 anos para a moçada, que não conhecia o trabalho, ver o frescor daquilo. Tenho de responder a eles assim, com frescor”, analisa.
Macalé, aliás, tem outro projeto na agulha: um álbum totalmente instrumental. “Serão várias formações, dependendo da necessidade de cada faixa”, adianta. O pianista, compositor e arranjador carioca Cristóvão Bastos, parceiro em outros trabalhos, vai colaborar. “Gosto de tocar violão. Estudei violão técnico na ProArte, quando comecei, mas amava o Baden Powell com aquele violão louco, sujo, poderoso. Sujei o violão propositalmente para poder me alimentar de coisas novas. É a mania de querer descobrir.”
Dicionário Rótulos, esclarece Macalé, não lhe caem bem. “‘Maldito’ é a mãe de quem inventou essa brincadeira. Na minha época, o maldito não se inseria no sistema formal. Eu me sentia Baudelaire, um Rimbaud. A partir de 1985, época careta, gerações vieram e não entenderam aquilo. Vá ao dicionário: maldito é barra-pesada. Comecei a rejeitar isso. Já me chamaram até de tropicalista, e não sou. Querem definir uma pessoa indefinível, e assim virei maldito, ex-maldito, ex-ex-maldito, maldito entre aspas. Outro dia, disseram: maldito bendito”, desabafa.
Mas, se for para se enquadrar, Macalé prefere que seja assim: “Ideologicamente, sou anarquista construtivista e, inclusive, pacifista”.
O repórter viajou a convite do festival Mimo.
• FALA, JARDS
» BRASIL
“O Brasil é uma desordem, mas desordem que pode gerar frutos maravilhosos, com a psiquê do índio misturada à do negro e do europeu, mais a colonização americana. Cara, o nosso futuro pode ser brilhante juntando essas inteligências todas. O brasileiro é inteligente, é ligado. Podemos ser um país do caramba, o melhor país do mundo.”
» DIREITOS AUTORAIS
“Num determinado momento, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) virou uma caixa-preta. Entre arrecadar e distribuir, esse espaço é um mistério para muita gente. O sistema é muito precário. Isso é caso para os ministérios da Justiça e da Fazenda, não para o da Cultura. São milhões, milhões e milhões de reais, dólares, euros. Quando começou essa coisa do Procure Saber (movimento de artistas para mudar o Ecad), ninguém me procurou. Ainda bem, pois jogaria areia nos dois lados.”
» BALANÇO
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Como a minha é grande para caramba, tudo valeu e valerá pelo que vem por aí. Acertos e desacertos, dores de amores, tudo faz parte. A experiência vivida está vivida, boa ou má, e isso só me engrandece. Quer dizer, se você tiver uma alma melhorzinha, que não seja pequenininha como a desses políticos do Brasil.”
Diante da multidão aglomerada na Praça do Carmo, o veterano passou à vontade por rock, blues, reggae, baião e balada, relendo algumas de suas canções mais marcantes, como Farinha do desprezo e Negra melodia. Nada mal para quem levou vaia no 4º Festival Internacional da Canção, em 1969, ao apresentar Gotham City no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Pelo entrosamento com os jovens, tanto no palco quanto na plateia, isso parece muito distante.
“É um pessoal de 20, 30 anos. Sempre tive proximidade com jovens e toco com músicos de todas as idades. Às vezes, são velhos totalmente jovens em seus sons. Fiz essa banda para poder trocar, quero ouvir o que eles ouvem. E eles me ouvem e querem saber quem sou”, explica o compositor. O contato foi iniciado com o trompetista Leandro Joaquim, que o apresentou a Pedro Dantas (baixo), Ricardo Rito (teclado), Thiago Queiroz (sax barítono e flauta), Thomas Harres (bateria) e Victor Gottardi (guitarra).
A maré é tão boa que o entusiasmo vai além da nova banda, formada no ano passado. Em junho, foi lançado o disco E volto pra curtir, coletânea-tributo idealizada por Márcio Bulk, do site de entrevistas Banda Desenhada, dedicado à música brasileira. Contribuíram com releituras do cancioneiro de Macalé nomes como Letuce, Garotas Suecas, Márcia Castro, Apanhador Só, Arícia Mess, Bruno Cosentino, Marcos Campello, Metá Metá, Felipe Catto, Rafael Castro, Ava Rocha e Leo Cavalcanti.
“Eles começaram a inventar em cima da minha invenção. Achei um barato. Não tenho cover até hoje. Quando comecei, quis ser uma porção de gente, o que é natural, mas nessa soma que fui buscando e achei a minha identidade. Meu violão é intransferível, minhas composições são minhas com os parceiros, minha voz é minha. Waly Salomão sempre me encheu o saco para fazer assim, foi me apertando os parafusos até eu entrar numa de ser eu mesmo”, observa.
No forno Não por acaso, Macalé anuncia a gravação de um disco em parceria com talentos da nova geração, prometido para 2014. “Vou retribuir a gentileza, por terem reconhecido aquilo que sempre esteve e está”, resume. Para auxiliá-lo chamou Omar Salomão, filho de Waly (“poeta sensibilíssimo, ligado a todo esse pessoal”), para encontrar os melhores jovens poetas em atividade no país. O compositor quer musicar versos de cada um deles.
Macalé se diz “um cara da invenção” e acredita ser esse o motivo de tamanha conexão com colegas que poderiam ser seus filhos. “Gosto de vozes estranhas, de concepções estranhas. Meu destino é criar. Por isso, meu disco de 1972, com Lanny Gordin e Tutti Moreno, é considerado o must até hoje. Aquilo foi um divertimento nosso. Na época, o grande mercado o rejeitou violentamente. Precisou de 40 anos para a moçada, que não conhecia o trabalho, ver o frescor daquilo. Tenho de responder a eles assim, com frescor”, analisa.
Macalé, aliás, tem outro projeto na agulha: um álbum totalmente instrumental. “Serão várias formações, dependendo da necessidade de cada faixa”, adianta. O pianista, compositor e arranjador carioca Cristóvão Bastos, parceiro em outros trabalhos, vai colaborar. “Gosto de tocar violão. Estudei violão técnico na ProArte, quando comecei, mas amava o Baden Powell com aquele violão louco, sujo, poderoso. Sujei o violão propositalmente para poder me alimentar de coisas novas. É a mania de querer descobrir.”
Dicionário Rótulos, esclarece Macalé, não lhe caem bem. “‘Maldito’ é a mãe de quem inventou essa brincadeira. Na minha época, o maldito não se inseria no sistema formal. Eu me sentia Baudelaire, um Rimbaud. A partir de 1985, época careta, gerações vieram e não entenderam aquilo. Vá ao dicionário: maldito é barra-pesada. Comecei a rejeitar isso. Já me chamaram até de tropicalista, e não sou. Querem definir uma pessoa indefinível, e assim virei maldito, ex-maldito, ex-ex-maldito, maldito entre aspas. Outro dia, disseram: maldito bendito”, desabafa.
Mas, se for para se enquadrar, Macalé prefere que seja assim: “Ideologicamente, sou anarquista construtivista e, inclusive, pacifista”.
O repórter viajou a convite do festival Mimo.
• FALA, JARDS
» BRASIL
“O Brasil é uma desordem, mas desordem que pode gerar frutos maravilhosos, com a psiquê do índio misturada à do negro e do europeu, mais a colonização americana. Cara, o nosso futuro pode ser brilhante juntando essas inteligências todas. O brasileiro é inteligente, é ligado. Podemos ser um país do caramba, o melhor país do mundo.”
» DIREITOS AUTORAIS
“Num determinado momento, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) virou uma caixa-preta. Entre arrecadar e distribuir, esse espaço é um mistério para muita gente. O sistema é muito precário. Isso é caso para os ministérios da Justiça e da Fazenda, não para o da Cultura. São milhões, milhões e milhões de reais, dólares, euros. Quando começou essa coisa do Procure Saber (movimento de artistas para mudar o Ecad), ninguém me procurou. Ainda bem, pois jogaria areia nos dois lados.”
» BALANÇO
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Como a minha é grande para caramba, tudo valeu e valerá pelo que vem por aí. Acertos e desacertos, dores de amores, tudo faz parte. A experiência vivida está vivida, boa ou má, e isso só me engrandece. Quer dizer, se você tiver uma alma melhorzinha, que não seja pequenininha como a desses políticos do Brasil.”
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