quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Coração saudável sem carne‏

Dados preliminares de estudo feito na USP mostram que vegetarianos têm risco menor de desenvolver doenças cardíacas


Celina Aquino

Estado de Minas: 25/09/2013 



 (istockphoto)

Respeito aos animais, crença religiosa e proteção ao meio ambiente são os principais responsáveis pelo aumento do número de vegetarianos em todo o mundo. A busca pela saúde começa a engrossar a lista de motivos que levam as pessoas a parar de comer carne, diante das descobertas da ciência. O mais recente estudo brasileiro na área, realizado pela Universidade de São Paulo (USP), encontra evidências de que os adeptos do vegetarianismo apresentam risco menor de desenvolver doenças cardiovasculares. O resultado será apresentado pela primeira vez no país durante o Congresso Vegetariano Brasileiro, promovido pela Sociedade Vegetariana Brasileira, que reúne de hoje a domingo especialistas em Curitiba (PR).

Autor do livro Vegetarianismo e ciência, o médico cardiologista e pesquisador do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, o peruano Julio César Acosta Navarro, que falou com exclusividade ao Estado de Minas, apresentou em fevereiro, nos Estados Unidos, os dados coletados na primeira fase do projeto Carvos (iniciais do nome em inglês). Ele era o único palestrante da América Latina no Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana. A equipe realizou, no ano passado, uma pesquisa on-line com 549 adultos (homens e mulheres) acima de 18 anos e residentes em São Paulo para obter informações sobre alimentação e doenças. Os participantes foram divididos em três grupos, de acordo com o grau de frequência de consumo de carne: vegetarianos (não comem), semivegetarianos (comem de uma a três vezes por semana) e onívoros (comem todos os dias).

“No grupo vegetariano, observou-se uma menor incidência de doenças prevalentes na sociedade como hipertensão e alterações no colesterol e triglicérides”, adianta o pesquisador peruano, que há 27 anos procura evidências científicas que possam respaldar ou refutar as práticas do vegetarianismo. Entre os participantes onívoros, 71% são hipertensos e 54% apresentam dislipidemias. Já no grupo dos que não comem carne, 57% têm pressão alta e 16% estão com quantidade anormal de lipídios no sangue. Os dados das pessoas semi-vegetarianas não foram considerados no resultado final.

A descoberta não é conclusiva, ressalta Navarro, já que o projeto Carvos está na primeira de três etapas, mas coincide com os resultados do Estudo Lima (1997) e do Estudo São Paulo (2001). Nas duas pesquisas, em que ele analisou fatores de risco que podem levar a um evento cardíaco grave em 10 anos, incluindo morte, ficou comprovado que pressão e colesterol altos ocorrem menos entre os vegetarianos. A segunda fase do novo estudo, em que vai ser analisada a saúde de 40 homens aparentemente sadios de cada grupo, está prevista para terminar no fim do ano.

Navarro entende que a alimentação de fato influencia a saúde cardiovascular. “O protagonista da gênesis da aterosclerose é o colesterol, que está associado a estilo de vida, essencialmente nutrição. A molécula é necessária para formar hormônios, mas o ser humano não precisa ingeri-lo”, destaca. Além de fornecer menos colesterol (presente apenas em produtos animais), a dieta vegetariana ganha destaque porque contém maior quantidade de substâncias aliadas do coração, como vitamina C, betacaroteno, fibras e gordura poli-insaturada. A longo prazo, o peruano explica que a mudança na dieta produz alterações fisiológicas, levando a uma menor chance de surgir a aterosclerose.

Trocas equivalentes O ganho na saúde não se deve apenas ao desaparecimento de carne no cardápio. A nutricionista Silvana Portugal, coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira em Belo Horizonte, observa que o vegetariano costuma dar mais atenção ao que come e acaba fazendo opções mais saudáveis. “Quem vira vegetariano passa a comer melhor e com muito mais variedade. Enquanto o onívoro lancha pão de sal com queijo, o vegetariano vai escolher pão integral com pasta de grão de bico, geleia de fruta ou até mesmo azeite. O perfil muda completamente”, avalia. A especialista em nutrição vegetariana e vegana diz que os consumidores de carne, queijo e laticínios ingerem em excesso proteína, que se transforma em gordura.

Vegetariano há 21 anos, o médico nutrólogo Eric Slywitch informa que metade das calorias contidas na carne, seja branca ou vermelha, é oriunda de gordura e metade de proteína. Mesmo uma carne considerada magra contém 40% de gordura. “Dessa gordura, 50% são saturados, a mais nociva para o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a forma como as pessoas preparam a carne tende a aumentar a porcentagem”, comenta. Slywitch acrescenta que os laticínios são ainda mais gordurosos que a carne. Cerca de 60% das calorias de um queijo branco, por exemplo, são de gordura, sendo que 70% são saturados.

O nutrólogo acredita que cortar carne e laticínios é um passo importante, mas é preciso colocar alimentos mais saudáveis no lugar. Para substituir um bife de 100g, quantidade máxima recomendada pelo Ministério da Saúde, Slywitch indica o consumo de sete colheres de sopa de feijão, o que equivale a uma concha quase cheia. Assim, serão supridas as necessidades de proteína, ferro e zinco, além de fibras, que são fermentadas por bactérias do intestino e formam substâncias que ajudam a reduzir o colesterol. A carne pode ser trocada também por outras leguminosas, como lentilha, ervilha, grão-de-bico e soja. Já os substitutos de leite e ovo, usados para dar liga às receitas, são banana verde e linhaça. A semente, quando fica de molho na água por horas, forma uma baba que parece clara de ovo.

AS VÁRIAS FACES DO VEGETARIANO

De modo geral, vegetariano é o indivíduo que não come nenhum tipo de carne (vermelha ou branca), mas há variações:
 
Ovolactovegetariano
Inclui ovos, leite e derivados em sua alimentação
 
Lactovegetariano
Não come ovos, mas faz uso de leite e laticínios
 
Vegetariano estrito
Conhecido como vegetariano puro, não utiliza nenhum produto animal em sua dieta
 
Vegano
Além de não ingerir carnes, ovos, leites e derivados, recusa
o uso de componentes animais não alimentícios, como vestimentas de couro, lã e
seda, assim como produtos testados em animais
 
Crudívora
Vegetariano estrito que consome apenas alimentos crus ou aquecidos a no máximo 42°C
 
Frugívora
Vegetariano estrito, inclui apenas frutos em sua alimentação, como cereais, legumes, oleaginosos e frutas

Fonte: Eric Slywitch, médico nutrólogo


MITOS
 
Vegetariano tem melhor digestão que os demais
Os onívoros precisam comer mais vegetais que o próprio vegetariano para uma boa digestão. A nutricionista Silvana Portugal esclarece que é necessário ingerir a quantidade adequada de fibras (35g por dia no caso
de adultos) para ajudar o trânsito intestinal. A carne permanece mais tempo
no intestino e pode atrapalhar o funcionamento do aparelho digestivo.
 
Vegetariano toma vitamina para sempre
Não há necessidade de complementar a alimentação quando as substituições são feitas de maneira correta. O único nutriente que precisa de reforço é a vitamina B12, encontrada apenas em carnes, leite, queijo e ovo. O nutrólogo Eric Slywitch informa que cerca de 60% dos vegetarianos brasileiros apresentam níveis insuficientes do nutriente, que influencia na concentração, memória e atenção, mas isso não é exclusividade deles. A falta de vitamina B12 ocorre em 50% dos onívoros.
 
Vegetariano não tem chance de ficar obeso
A população vegetariana tende a ser mais magra porque os alimentos vegetais são menos calóricos e dão mais saciedade que os de origem animal. Slywitch dá um exemplo: 100g de queijo contêm a mesma quantidade de calorias (300) que 500g de tofu, que tem um volume cinco vezes maior. A manutenção do peso, porém, depende das escolhas alimentares.
 
Crianças não podem ser vegetarianas
As crianças devem ser alimentadas exclusivamente com leite materno até os seis meses. A partir daí, a introdução de dieta complementar pode ser feita sem o uso de proteínas animais. Para garantir o crescimento adequado, diz a nutricionista Ana Ceregatti, o cardápio deve conter alimentos de todos os grupos, ser variado e oferecer a quantidade adequada de nutrientes de acordo com a idade.

Daqui para o futuro
Racha na alimentação
Em 1986, quando o então estudante de medicina Julio César Acosta Navarro começou a se interessar pelo vegetarianismo, quem não comia carne era visto como radical e excêntrico. A realidade mudou, tanto no Peru quanto no Brasil, e hoje o assunto desperta mais interesse, enquanto o número de adeptos aumenta proporcionalmente. Há cerca de 16 milhões de brasileiros que se denominam vegetarianos. Otimista, Navarro acredita que daqui a 30 anos, com a força ecológica e os avanços científicos, haverá um racha na cultura alimentar e o mundo será dividido entre vegetarianos e onívoros. “O vegetarianismo vai crescer de tal maneira que criará uma divisão como corintianos e palmeirenses”, prevê.

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