Zero Hora -  25/09/2013
Saí tão comovida do espetáculo TôTatiando, que a cantora Zélia Duncan 
apresentou durante o Porto Alegre em Cena, que não posso deixar de falar
 dele, até porque me parece necessário fazer um barulho em torno. O 
Brasil inteiro merece assistir a um produto cultural dessa qualidade. Há
 muito tempo, eu não via algo tão genial.
É show? É teatro? É o quê?
Uma combinação de ambos. Um encontro empolgante do cênico com o 
musical, do simples com o sofisticado. Todas as canções são de autoria 
do inspirado Luiz Tatit, fundador do vanguardista Grupo Rumo, que surgiu
 em São Paulo nos anos 80. Zélia se apropria de cada letra, de cada 
sílaba, de cada palavra, e as canta, as conta, as encena e as faz 
levitarem até uma altura tão elevada, que a plateia atinge uma espécie 
de entorpecimento. Ficamos completamente chapados por 60 minutos, 
extasiados com tanta beleza, tanto lirismo, tanta graça. Quem precisa de
 drogas quando se tem arte pura ao alcance?
O espetáculo é incomum, mas o que ele transmite é comum. Não é 
fácil, e ao mesmo tempo é fácil, sim. Não é óbvio, porém não há 
estranheza alguma que impeça a comunicação. Luiz Tatit sempre escreveu 
sobre a singularidade mais prosaica do ser humano, e aí chega Zélia e 
transforma tudo em encantamento. Circo. Poesia. “Sempre quis o meu 
destino/ foi o meu destino que nunca me quis (...)/ Acho que ele foi 
atrás de outro alguém/ Pois destino tem destino também”.
Ao final da apresentação (ovacionada!), Zélia agradeceu à equipe e 
em especial à sua diretora, a talentosa Regina Braga, admitindo: “Se 
encarei esse desafio, foi porque a Regina me deu coragem para ter medo”.
A que medo Zélia se refere? Provavelmente, o medo de sair da sua 
zona de conforto e expandir seu talento (revelou-se uma excelente atriz,
 além da intérprete afinadíssima que já sabíamos que era). O medo de 
oferecer ao público um produto que se diferencia dos sucessos comerciais
 facilmente palatáveis. O medo de revelar a obra de um autor (o já 
citado Luiz Tatit) de quem a maioria dos brasileiros nunca ouviu falar. O
 medo de misturar gêneros (teatro, música, recital) e criar algo novo a 
partir disso. Algo novo. Novo! O que pode ser mais assustador do que o 
novo?
Costumamos nos agarrar ao que é conhecido, a emoções reprisadas, à 
manutenção do já visto, já feito – raramente arriscamos perder o chão 
sob nossos pés. Até que alguém dá um salto mortal bem na nossa frente, e
 não se estatela, ao contrário, sobressai. É quando dá vontade de ter 
coragem também. Coragem de sentir medo. E então descobrir que o destino 
não nos abandonou como parecia. Só estava esperando que a gente se 
tornasse mais merecedor de seu sorriso. 
Nenhum comentário:
Postar um comentário