quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Cortando um dobrado‏ - Eduardo Tristão Girão

Banda Filarmônica 1º de Maio, do Bairro Horto, conta com empenho dos músicos para sobreviver e honrar a história do grupo musical que já se apresentou para Vargas e JK 


Eduardo Tristão Girão

Estado de Minas: 05/09/2013 


Ensaios das terças-feiras são sagrados e reúnem jovens e adultos na sede da banda. Músicos lutam para pagar as contas e sonham com a reforma da sala (Fotos: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Ensaios das terças-feiras são sagrados e reúnem jovens e adultos na sede da banda. Músicos lutam para pagar as contas e sonham com a reforma da sala

My way, canção clássica na voz de Frank Sinatra, soa pelo humilde galpão da Rua Artur Alvim, 130, no Bairro Horto, em Belo Horizonte. Arrepia o ouvinte do mesmo jeito, pouco importando o piso desnivelado, o taco surrado, as paredes no reboco e as cadeiras quase insuficientes. O IPTU está atrasado e a quitação das contas de água e luz depende sempre da cooperação dos músicos amadores que, semanalmente, comparecem ali para as aulas e ensaios a Banda Filarmônica 1º de Maio, uma das mais antigas da cidade, atualmente recobrando seu vigor.

A banda, que completa nada menos que oito décadas ano que vem, esteve praticamente extinta. Criada por ferroviários que se reuniam para tocar nas oficinas dos trens da antiga Rede Mineira de Viação, teve a honra de tocar no Palácio do Catete (Rio de Janeiro) para o então presidente Getúlio Vargas, na posse de Juscelino Kubitschek quando foi eleito presidente (no mesmo local) e na inauguração de Brasília. Passou alguns anos desativada e sua sede quase foi a leilão.

Com novo presidente eleito este ano, o saxofonista Adilson Proense Vieira, a banda vem atraindo músicos de todas as idades para aulas e ensaios. Os encontros semanais, agora, contam com 30 a 40 participantes, entre homens, mulheres, crianças, idosos, reservistas, aposentados e todo tipo de profissionais, de motofretista a advogado, passando por dono de açougue, caso do próprio Adilson. O predomínio é de músicos de sopro, com regência a cargo de Jorge Ubirajara Costa da Luz, que é primeiro-sargento do Exército.

Para todos, o compromisso de estar ali nas noites de terça é sagrado. Pouco a pouco, a banda retoma a intimidade com repertório de cerca de 60 peças, incluindo não apenas dobrados e marchas, mas também composições populares como Sampa (Caetano Veloso), Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro) e Coração de estudante (Milton Nascimento e Wagner Tiso). Qualquer um pode assistir e qualquer um pode aprender a tocar um instrumento ali. Basta querer fazer parte da banda.

Bolso
Ninguém paga por nada e os músicos levam para casa os instrumentos que pegam emprestado da banda. Dinheiro, como é de se esperar, faz falta ali. Quando ninguém se oferece para pagar contas de água e luz da sede, é o próprio presidente que se encarrega de fazê-lo, com dinheiro do próprio bolso. “Pedi cimento e areia para empresários e outros músicos para começarmos a reforma com nossos próprios recursos”, conta Adilson.

A propósito, ele comemora notícia publicada no Diário Oficial do Município em 28 de junho, informando que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte decidiu apoiar financeiramente essa obra, que consiste em melhorias no piso e nas paredes, orçada em R$ 80 mil. Entre as próximas melhorias, estão a compra de uniformes para os integrantes e de um móvel para armazenar as pilhas e pilhas de antigos documentos e fotos da banda – hoje amontoados num armário úmido e velho.

Com fôlego de sobra, a cargo de jovens entusiasmados e veteranos felizes por voltar a tocar, a banda espera não apenas manter viva tradição, mas voltar a tocar. Sem incentivo financeiro para viabilizar deslocamentos dentro de Belo Horizonte e viagens, ela se viu obrigada a recusar convites para tocar em cidades como Santa Bárbara e até no Centro Cultural Lagoa do Nado, no Bairro Itapoã, na capital mineira. “Estamos dispostos a tocar em qualquer lugar”, diz o presidente.



Palavra de músico


“Quando criança, aprendi música numa banda em Ponte Nova. Fui corneteiro no Exército e no Corpo de Bombeiros. Depois de muitos anos, estou voltando à música. Já fui regente desta banda e queremos uma escola de música gratuita para todas as idades.”
Jaime Maciel Filho, 53 anos, bombeiro reformado e tubista


“Frequento a banda desde 1960 e, antigamente, era muito organizada, fabulosa. Tinha apoio da Central da Brasil e chegou a ter 50 músicos. Foi acabando, os músicos morrendo. Chegamos a ter, quando muito oito músicos. Agora melhorou 100%.”
Milton de Assis, 72 anos, reservista e percussionista


“Gostei do trompete no dia em que o Adilson Proense me mostrou. Ele é meu professor e mora no meu prédio. Me falou que é o mais adequado para mim. Quando ouvi o som, achei maravilhoso. Faço aula aqui e um dia quero ser grande como todos os trompetistas.”
Mário Lucas Mafra, 12 anos, estudante e futuro trompetista


“Moro aqui perto e ouvia as pessoas falarem sobre a banda. Toco clarinete há quatro meses e estou aprendendo muito rápido. Para mim, é muito importante aprender a me expressar por meio de um instrumento.”
Fernanda Madureira da Silva, 26 anos, comerciante e clarinetista


“Além de tocar aqui, sou presidente da Banda Carlos Gomes e o comportamento das crianças que participaram de nossos projetos serve de exemplo. Infelizmente eles acabaram, mas tenho certeza de que teriam se tornado músicos.”
Geraldo Manuel Pereira, 67 anos, presidente da Banda Carlos Gomes e trompetista


“Entrei na banda há seis meses, mas toco desde os 17 anos. Meu avô Olímpio Ferreira foi um dos fundadores desta banda. Percebo sentimento de perpetuação, de pensarmos não apenas em patrimônio material e privado, de mantermos algo nobre como esta banda.”
Arley Ferreira, 52 anos, advogado e clarinetista


“Trabalho das 9h às 18h e depois corro para cá. É minha segunda casa, minha segunda família. Sempre brinquei com a flauta e, de dois anos para cá, faço aula. É um sonho estar aqui tocando com todo mundo, muito estimulante.”
Ilânio Tironi Gregório, 45 anos, motofretista e flautista


“Trabalho aqui perto e ouvia a banda tocando. Queria aprender trompete, mas eles precisavam de percussionista. Falei que estava dentro. Não tocava nada e faz um ano que tenho aulas. Comprei um pandeiro para praticar.”
Hermes Perdigão, 47 anos, auxiliar administrativo e percussionista

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