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Ética para a credibilidade
Agência Fapesp
05/09/2013
Por Samuel Antenor
Agência FAPESP – O bom jornalismo é resultado da ética, que só pode se materializar no texto jornalístico quando há qualidade, técnica e credibilidade envolvidas em sua produção.
Esses são conceitos essenciais para o que se convencionou chamar de bom jornalismo, nas palavras de Eugenio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em sua apresentação sobre o livroJornalismo, ética e qualidade, de Carlos Alberto Di Franco.
Bucci falou no quarto encontro do ciclo de conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo”, na última sexta-feira (30/08), na sede da FAPESP. O ciclo teve início em 9 de agosto e acontece às sextas-feiras até o dia 4 de outubro.
Em sua apresentação, Bucci destacou aspectos no livro que revelam a coerência e a conduta apartidária do autor, por meio da consistência de suas análises, que envolvem ética na imprensa. Para Bucci, a ética permite fazer um jornalismo de qualidade e a técnica garante a credibilidade. “Esse é o eixo ordenador do pensamento de Di Franco”, disse.
Para o professor da ECA/USP, Di Franco demonstra, em seu livro, como a imprensa deve primar pela independência, buscando a veracidade sem incorrer em outros interesses.
“A independência editorial resulta de um distanciamento necessário do jornalista das esferas de governo, pois, caso haja essa proximidade, podem ser suscitadas indefinições jornalísticas”, afirmou.
Se, por um lado, Bucci disse que, em uma democracia, a profissão deve ser exercida de maneira apartidária, por outro, ele afirmou ser incompatível, com um jornalismo saudável, governos que soneguem informações em plena democracia.
“Por isso, o jornalismo deve necessariamente fazer uma apuração rigorosa dos fatos e apresentá-los à sociedade com uma linguagem aberta a múltiplos olhares, inclusive lançando mão de recursos gráficos atualizados, para realçar detalhes e destacar seu processo investigativo.”
Bucci afirmou que – mesmo havendo um distanciamento entre ele e o autor com relação a questões de cunho moral, como por exemplo o direito ao aborto – considera Di Franco um “iluminador” dos processos jornalísticos no Brasil.
Segundo ele, conforme preconiza Di Franco em seu livro de 1995, as empresas jornalísticas estão estruturadas em três níveis, dentre os quais a reportagem deve ter independência em relação à articulação e à publicidade.
“A reportagem deve caminhar sem se deixar levar pelas predileções do veículo em que será veiculada. Seria bom se a opinião dos veículos fosse mais clara, o que realçaria o nível de independência de suas reportagens”, afirmou.
Com base em sua análise do livro de Di Franco, Bucci também questionou o conflito de interesses presente muitas vezes na relação entre as assessorias de imprensa e os veículos de comunicação, além da independência da mídia.
“No caso da cobertura feita pela Mídia Ninja das manifestações populares no Brasil, suas ‘narrativas independentes’ são diferentes da independência preconizada por Di Franco. Eles falam de independência da indústria da mídia, mas não de interesses políticos, pois eles têm e expõem claramente seu posicionamento político.”
Para Bucci, também o ensino de jornalismo no Brasil deveria ser menos opinativo, o que, segundo ele, permitiria preparar os jovens jornalistas sem ditar posicionamentos exacerbados em questões político-ideológicas. “Assim, os jornalistas poderiam trabalhar mais livremente, sem que a orientação política de determinados veículos interferisse no exercício da profissão.”
Posicionamentos distintos
As apresentações durante o quarto dia do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo” contemplaram outros autores, em temas complementares ou díspares.
Sobre a imprensa operária e a importância da comunicação proletária – tema do livro A imprensa operária no Brasil, de Maria Nazareth Ferreira –, o professor Denis de Oliveira, também da ECA/USP, destacou a necessidade de engajamento político em determinadas mídias, para que se chegue a um patamar menos defasado em relação à grande imprensa.
Para ele, a mídia ligada a minorias necessita ter um posicionamento claramente político e engajado para alcançar igualdade de vozes. “A diferença é que a mídia tradicional trata o leitor como consumidor, não como cidadão, o que mostra o quão tênue pode ser a fronteira entre o jornalismo e a publicidade”, afirmou.
Em sua apresentação sobre o livro lançado em 1978, Oliveira destacou que a imprensa sindical busca, ainda hoje, um estreitamento com o seu leitor, pois sabe que este tem condições de avaliar o conteúdo de suas publicações. “Até porque os leitores desses veículos também leem a grande imprensa e têm a possibilidade de fazer análises de ambos.”
Para ele, o livro de Ferreira aponta também para o fato de que a imprensa vinculada a sindicatos e a outras instituições deve estar atenta para tratar seus temas jornalisticamente, evitando atuar como meros porta-vozes institucionais.
A interferência da publicidade no jornalismo também foi observada por Rosalba Facchinetti, pesquisadora da ECA/USP, durante sua análise do livro Rock, nos passos da moda, de Tupã Gomes Correa.
Lançado em 1989, o livro mostra como, desde os movimentos hippie e punk, os gostos musicais e outras variáveis ditaram a moda, enquanto fatores determinados contribuíram para a formação do gosto das audiências.
A moda como decorrência do rock, que ditou os comportamentos entre os anos 1960 e 1970, não era, na visão do autor, apenas o que se vestia. “O autor busca explicação nesses movimentos para o estabelecimento de um gosto alternativo, surgido em reação ao padrão estabelecido pelas gravadoras. Contudo, essa alternativa, ao ser absorvida pelo mercado fonográfico, torna-se também moda”, disse.
Facchinetti lembrou que, em pesquisas anteriores, o autor já determinara que as chamadas “paradas de sucesso” se valiam da manipulação de pesquisas sobre o gosto musical dos ouvintes das rádios para direcionar o consumo de discos no Brasil. “O papel de publicidade exercido pelas pesquisas, que se antecipavam às vendas, fazia com que houvesse um direcionamento de vendas, do qual o mercado fonográfico se beneficiava.”
Outro ponto destacado foi a questão da mídia regional no Brasil, na análise do professor Marcelo Briseno, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), sobre o livro Mídia e região na era digital, organizado por Anamaria Fadul e Maria Cristina Gobbi.
Resultado dos trabalhos apresentados no 11º Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento Regional (Regiocom2006), na Umesp, o livro, lançado em 2007, conta com artigos escritos por 26 autores, que analisam a mídia regional brasileira a partir de dados demográficos e econômicos.
De acordo com Briseno, o livro destaca o fato de o Brasil midiático ser muito menor do que o Brasil real, questionando o quanto as emissoras de TV regionais representam seu público. “Na programação das emissoras regionais, o bloco publicitário é o que mais representa o público regional, a comunidade, que se vê e se reconhece muito mais nos anúncios do que na programação”, analisou.
Para ele, mesmo quando o conteúdo dessas emissoras é produzido localmente, o teor do que é mostrado reflete muito mais o que se passa nos grandes centros do que o cotidiano regional. “Acreditar que, por ser produzida localmente, a programação é regional é um erro, pois para isso seria necessário deixar de lado o padrão e estilo típicos das emissoras nacionais”, disse.
Ainda na parte da manhã, foram apresentados e debatidos outros dois livros, de autores que se tornaram referências no campo da comunicação e do jornalismo.
Cristina Costa, da ECA/USP, apresentou e debateu o livro A moderna tradição brasileira, escrito em 1988 por Renato Ortiz, destacando seus relatos sobre censura, e Graça Caldas, da Unicamp, apresentou sua visão do livro Divulgação Científica, de Isaac Epstein, lançado em 2002, ressaltando sua contribuição para a divulgação científica, com destaque para a área da saúde, no Brasil.
Diferentes realidades
Na parte da tarde, o evento contou com a análise de mais dez livros, feitos por pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa em comunicação.
Claudia Lago, da Universidade Anhembi Morumbi, analisou o livro Revista Realidade: tempo de reportagem, de José Salvador Faro, publicado em 1999, que tem como foco um período específico do jornalismo brasileiro – 1966 a 1968 – e um veículo que até hoje, segundo ela, é “um mito”.
“Era o jornalismo engajado, transgressor e revelador. A Realidade tinha uma equipe antenada com seu tempo e criou uma narrativa necessária para o momento”, afirmou, lembrando que “Faro atribui o sucesso da revista ao fato de a informação ter ganhado uma perspectiva globalizadora, tornando-se uma categoria de análise do cotidiano”, disse.
O livro Imprensa em Questão, organizado por Alberto Dines e Carlos Vogt, foi analisado por Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa FAPESP. Publicado em 1997, o livro traz os principais debates de seminário realizado três anos antes, com o objetivo de avaliar os caminhos possíveis para a imprensa brasileira.
“O seminário foi o marco fundador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que, ao longo dos últimos anos, contribuiu para a formação de recursos humanos e a ampliação do conhecimento na área”, afirmou Moura.
A série de conferências do ciclo no dia 30 de agosto teve ainda a análise midiática do rádio e do cordel.
Helena Corazza, do Serviço Pastoral à Comunicação (Sepac), analisou o livro O rádio dos Pobres, de Maria Immacolata Vassalo de Lopes, publicado em 1982. No livro, a autora estuda a repercussão de três programas de grande audiência na Rádio Record nos anos 1970 – Zé Bettio, Gil Gomes e Silvio Santos – na periferia de São Paulo. “Ela trabalha a abordagem comunicacional, política e econômica na produção de conhecimento a respeito dos processos ideológicos de comunicação de massas que, na época, tinha contornos próprios”, afirmou Corazza.
Em A literatura de cordel em São Paulo, de Joseph Luyten, publicado em 1981, Isabel Amphilo, da USP, discorreu sobre como o autor faz uma espécie de “mestiçagem teórica” – utilizando o funcionalismo, estruturalismo, marxismo e semiótica – para compreender o formato e o papel de uma manifestação típica do Nordeste em São Paulo.
Também foram analisados os livros Palavra e Discurso: história e literatura (2000), de Maria Aparecida Baccega, por Elizabeth Gonçalves, da Umesp; Mulher de papel (1981), de Dulcilia Buitoni, por Gisely Hime, das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); A Pragmática do Jornalismo (1994), de Manuel Carlos Chaparro, por Marly dos Santos, da Umesp; Jornalistas e Revolucionários (1991), de Bernardo Kucinski, por José Arbex, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Tudo acaba em festa (1993), de Cristina Giácomo, por Manuel Carlos Chaparro; e Relações Públicas: teoria, contexto, relacionamentos (2009), de Maria Aparecida Ferrari e Fábio França, por Cristina Giácomo.
Promovida pela FAPESP e pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), a série de oito encontros semanais – que serão realizados até o dia 4 de outubro, sempre às sextas-feiras – tem como objetivo discutir alguns dos principais aspectos da comunicação no Brasil nas últimas cinco décadas.
O próximo encontro do ciclo de conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo”, com foco nas pesquisas realizadas no século 21, será no dia 13 de setembro, com o tema “Atualizadores das ciências da Comunicação”. Este e todos os demais encontros do ciclo serão realizados no Auditório Paulo Emílio, na ECA/USP.
Mais informações sobre o ciclo: www.fapesp.br/7888
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