Interrompi minha formação psiquiátrica antes de fazer o vestibular de medicina, quando descobri que não posso ver sangue
Estado de Minas: 12/09/2013
Cuidei, na
edição de ontem, do papel doloroso da mídia na tragédia paulistana da
Vila Brasilândia. Mídia que aceitou e veiculou, repetiu e insistiu numa
infinidade de besteiras. Teria aparecido – notem: “teria...” – uma
vizinha que viu dois sujeitos, vestidos com fardas da PM, saltando o
muro da casa dos mortos na mesma hora em que ilustre senhora que preside
sofrido país expressava seu imenso respeito pelo ET de Varginha. De
repente, quem pulou o muro foi o ET fantasiado de PM.
Um
legista-cheguei, neandertaloide que sempre se mete onde não é chamado e
continua sendo levado a sério pela mídia, atestou que a família não foi
morta pelo menino, de mesmo passo em que um psicólogo-cheguei, também
muito exibido, dizia que o perverso não se arrepende. Portanto, um
menino perverso não se suicidaria horas depois de matar a família.
Ora,
havia inúmeros depoimentos de colegas de escola do menino, levados à
delegacia pelos pais, atestando que o coleguinha vivia falando em matar a
mãe, o pai e uma professora, antes de se transformar em “matador”
profissional. Sabe-se que o guri era diabético e sofria de uma doença
genética, motivo pelo qual seus pais se abstiveram de ter outros filhos.
Até aí, tudo bem ou tudo mal, como queiram. Não me lembro de
astrólogos explicando a tragédia pela conjunção dos astros, mas vi
técnicos em tudo – tiro ao alvo, balística, pão de queijo, glúten,
vitamina D e sexo virtual – opinando pela televisão, com a concordância
entusiasmada de jornalistas e âncoras dos quais se tinha o direito de
esperar um tiquinho de comedimento.
Não bastasse a tragédia,
assistimos durante muitos dias ao crime continuado da mídia em busca de
ibope – e vai ficar tudo por isso mesmo. Atrás de audiência vale apelar
despudoradamente até para o legista-cheguei e o psicólogo-cheguei
conhecidos de outros carnavais, carnavalescos que sempre foram.
Interrompi
minha formação psiquiátrica antes de fazer o vestibular de medicina,
quando descobri que não posso ver sangue (hematofobia), mas até o jacu
que avoa aqui perto da janela do escritório sabe que surto psicótico é
surto, é maluquice agravada; no caso, pelo fato de o menino ter dito
diversas vezes aos colegas de escola que pretendia matar os pais.
Portanto, foi surto prefaciado e deve ser estudado pelo pessoal da área
psi. Imperdoável, no meu entendimento de philosopho, foi a reação de
toda a imprensa.
Gastrô
Sugiro que o caro e preclaro leitor
procure no Google o trabalho de Dora Jesus sobre O percebe e os
percebeiros. No mesmíssimo Google há um vídeo mostrando o trabalho dos
percebeiros, em que morrem vários por ano e outros muitos ficam
gravemente feridos no embate das ondas contra as rochas em que se grudam
os percebes, crustáceos cada vez mais procurados e valorizados no
planeta gourmet.
Velha e querida amiga, especializada em
champanhe no período em que foi sommelière no melhor restaurante
paulistano e me ensinou a pronúncia de Taittinger, recebeu o vídeo que
lhe mandei e respondeu dizendo que adora percebe /ê/ ou perceve /ê/,
craca do gênero Lepas, de pedúnculo longo e comestível, e não vai deixar
de degust[a-los apesar da brutalidade do trabalho dos percebeiros.
Também
chamada caraca (!) ou glande-do-mar (!!), craca é designação comum aos
crustáceos, exclusivamente marinhos, da classe cirrípedes, que vivem
fixados a rochas, conchas, corais, madeiras e outros objetos flutuantes,
encerrados em uma carapaça calcária semelhante a um pequeno vulcão.
Pelo que entendi, se é que entendi alguma coisa, o percebe é privativo
das rochas marítimas da Espanha e de Portugal. Não é “bonito”, mas
boniteza é virtude noutros locais geralmente cobertos de colchões e
lençóis, se bem que o ditado reze: quem ama o feio, bonito lhe parece.
O
planeta grastrô tem coisas esquisitíssimas, como aquele prato
buenairense feito com as tripas do boi e o que nelas se contém, antes de
se transformarem em esterco. Num acesso de insensatez e muito álcool,
encarei uma buchada, que felizmente não era de bode, mas de Abaeté, MG,
preparada pelo Paulo Laborne em seu estúdio fotográfico. Admito que o
prato ficou gostoso. A buchada nordestina é cozinhado de bucho, miúdos,
tripas, sangue e cabeça de cabrito, carneiro, ovelha ou bode.
Estive
presente no dia em que um advogado nordestino, casado com mulher muito
rica e feia, anunciava sua viagem à terra natal “para comer uma buchada
de bode”. Um nissei fluminense, que não gostava do causídico, observou
com a proverbial sutileza nipônica: “O senhor não come todo dia porque
não quer”.
O mundo é uma bola
12 de
setembro: faltam 110 dias para acabar o ano. Em 1720, criação da
capitania de Minas Gerais. Em 1814, Francis Scott Key compõe o hino dos
Estados Unidos. Em 1936, inaugurada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Em
2007, terremoto de magnitude 7,9 na Indonésia. Em 1880, nasce H. L.
Mencken, jornalista americano dos bons. Em 1888 veio ao mundo Maurice
Chevalier, ator, cantor e humorista nascido em Paris. Em 1894 foi a vez
do nosso Vicente Celestino, aliás Antônio Vicente Filipe Celestino.
Em 1996 morreram Eleazar de Carvalho e Ernesto Geisel.
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