A academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença
Estado de Minas: 12/09/2013
Da fala do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao tomar posse anteontem como
membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), o que mais ecoou na mídia
foi a parte final, em que louvou a ainda nascente democracia, mas fez
advertências graves sobre suas disfuncionalidades, que vêm frustrando
uma sociedade civil mais exigente, beneficiada pelo novo acesso à
informação, levando às ruas cidadãos “economicamente integrados, mas
politicamente insatisfeitos” com governos e instituições. Destaque
natural, diante da trajetória política dele e do momento singular que
vivemos. Mas o todo, foi além.
À vontade dentro do fardão,
admitindo certo estranhamento com os ritos, mas destacando a importância
deles na cultura – o que teria aprendido com a “ilustre antropóloga”
com quem foi casado, Ruth Cardoso –, FH fez um discurso monumental,
erudito, mas não pernóstico, que não deixou dúvidas sobre as razões de
sua escolha. A academia, dizia Joaquim Nabuco em carta a Machado de
Assis, segundo contou o acadêmico Celso Lafer em sua afetuosa, mas densa
saudação, não devia abrigar apenas grandes nomes da literatura em seus
diversos gêneros, mas também os maiores de seu tempo, em diferentes
áreas do pensamento e da ciência.
Algo que o próprio FH realçou,
ao começar falando dos que o antecederam na cadeira 36: Afonso Celso
(intelectual, poeta e político), Clementino Fraga (médico), Paulo
Carneiro (químico e diplomata), José Guilherme Merquior (filósofo) e
João Scatimburgo (escritor). De seu perfil político e intelectual, mas
não artístico, ele mesmo falou no início, revelando, talvez, um
imperceptível incômodo com registros a esse respeito, pelos que entendem
a academia apenas como casa de literatos. Revisitou brevemente suas
raízes familiares, mencionando o pai, tios, avô e bisavô que, desde o
império, atuaram na vida militar e política do país em construção.
Elegante,
tangenciou a luta política, mesmo contra a ditadura, mas lançou algumas
farpas. Falou do Plano Real como primeiro passo civilizatório e das
políticas sociais iniciadas em seu governo. Reconheceu que foram
ampliadas “por governos que me sucederam”, com aumentos contínuos para o
salário mínimo e políticas compensatórias, “as famosas bolsas”,
permitindo avanços na redução da desigualdade. “Isso não começou há 10
ou 20 anos, começou muito antes”, disse em clara referência ao discurso
do PT sobre seus feitos no poder. Só então, falou dos perigos que rondam
democracia, como a apropriação da insatisfação por grupos violentos por
autocracias falsamente democráticas. Uma aula, reverencialmente ouvida.
A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo
membro, mas ganhará muito mais com sua presença.
Suspense no STF
Ficou
para hoje a decisão crucial do Supremo Tribunal Federal (STF), no
julgamento do mensalão, sobre a pertinência dos embargos infringentes,
que poderão permitir, se acolhidos, a reconsideração das penas dos réus
absolvidos, em alguns crimes, por pelo menos quatro ministros. O placar
provisório de ontem, de 4 a 2 a favor da validade dos recursos, dá a
medida do dilema da Corte. Rejeitando-os, contentará os que cobram a
consumação do julgamento, ansiosos por ver punhos ilustres algemados.
Admitindo-os, atenuará o estigma de ter realizado um julgamento
excepcional, como disseram em carta aberta lançada ontem alguns
luminares do meio jurídico. Negando os recursos, disseram eles, o
tribunal “não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção,
mas, sim, coroando um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e
suscetível a pressões políticas e midiáticas”.
Mas no plenário,
as armas continuarão sendo os argumentos técnicos sobre a prevalência do
regimento, onde tais embargos estão previstos, ou da posterior Lei
8.030, que instituiu procedimentos para o STF e o STJ, calando-se sobre
eles. A omissão revogou ou manteve a norma regimental? Teria o regimento
força de lei, como pensam Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e
Dias Toffoli, os que votaram pelo acolhimento? Mas, ao abrir a
dissidência em relação a voto contrário do relator Joaquim Barbosa, o
que disse Barroso, de mais eloquente, foi que não encontrou nos anais
questionamento anterior sobre a validade de tais recursos, só agora
levantada, provocando uma crispação facial em Barbosa.
Na
véspera, os conhecedores da Corte diziam que tudo dependeria do voto dos
dois ministros recentes, Barroso e Teori, e das duas ministras, Rosa
Weber e Cármen Lúcia, que têm grande afinidade jurídica. Os dois votaram
a favor, seguidos por Rosa. Cármem ainda não se posicionou. Como o
ministro Ricardo Lewandowski já externou posição favorável, e o ministro
Gilmar Mendes, posição contrária, as grandes especulações são em
relação a Celso de Mello e Marco Aurélio. O decano Celso já expressou
durante o julgamento entendimento de que os infringentes vigoram. Mas
como tem sido especialmente duro, afastando-se de sua histórica posição
“garantista”, vai negar o que já disse? Marco Aurélio fez um aparte
aparentemente restritivo ao voto de Barroso, mas é certo seu incômodo
com a dosimetria adotada em alguns casos, produzindo penas que considera
exorbitantes.
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