Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 12/10/2013
Leonardo Magalhães ao lado das estátuas dos cavaleiros do apocalipse, na Biblioteca Pública Estadual, em BH |
ove anos depois da morte de Fernando Sabino, a obra do quarto cavaleiro do apocalipse (os outros três eram Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino) continua despertando o interesse de leitores e da academia. O poeta e professor de literatura Fabrício Marques, por exemplo, está concluindo o livro de ensaios Cartógrafos da vertigem, que começa justamente falando sobre o autor de O encontro marcado. Para ele, Sabino é um dos escritores mais importantes da sua geração.
“Meu livro começa com Fernando porque escolhi falar de BH a partir de alguns momentos importantes, como a inauguração do complexo arquitetônico da Pampulha no período que se convencionou chamar de modernidade tardia, que coincide com a saída dele da cidade”, revela.
Marques lembra que o autor belo-horizontino gostava de prosear sobre bares e locais da cidade. Em 2004, em visita a BH, Fernando Sabino traçou um roteiro. Ele foi à Savassi, à Praça da Liberdade, entrou na Rua da Bahia e, na altura da Academia Mineira de Letras, encontrou-se com o memorialista José Bento Teixeira de Salles. O amigo perguntou-lhe o que fazia ali. “Estou refazendo o caminho da saudade”, respondeu, dois meses antes de morrer.
Letícia Malard sempre se interessou pela obra de Fernando Sabino, de quem foi amiga. Publicou vários artigos sobre a obra dele em jornais e revistas. A professora emérita de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) destaca o escritor por vocação e ofício, com tendência para o jornalismo. “Esse cruzamento o fez produzir obra diversificada e com trânsito por várias espécies literárias: conto, novela, romance, crônica, relato de viagem, dicionário e literatura infantil, entre outros gêneros. Sua escrita dinâmica, descomplicada, fluente e engraçada, por tais características, é capaz de seduzir os mais diversos tipos de leitor”, garante.
BH-RIO
Letícia Malard elege O encontro marcado como o livro mais importante de Sabino. A história, que se passa em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, conta a trajetória de um homem em busca de sua identidade. “A mensagem é cristã, ao narrar as dúvidas religiosas de um jovem, suas angústias, sua filosofia de vida e, sobretudo, a luta entre o bem e o mal”, diz. A professora lembra que se trata de um romance à clef, ou seja, as personagens são calcadas em amigos do autor e nele próprio. “Sabino recria o mundo dos meninos intelectuais numa Belo Horizonte lírica e tranquila, que se preparava para receber os ventos da modernidade”, afirma.
O mineiro foi um virtuose da crônica. Sabino é imbatível nesse gênero, acredita Letícia, citando os livros A mulher do vizinho e O homem nu. “Ele sabia como contar uma história – verdadeira ou inventada, pouco importa – de modo a levar o leitor a entrar nela até mesmo como personagem, entrar para valer na leitura simples sem ser simplória, mergulhar nas águas da criatividade tal como ele mergulhou na piscina do Minas Tênis Clube, como campeão de natação que foi”, diz a professora.
O encontro marcado é o livro mais importante do autor mineiro, concordam Letícia, o jornalista Humberto Werneck e Wander Melo Miranda, professor de literatura comparada da UFMG. O livro foi lançado em 1956, quando ele tinha 33 anos. “É um romance de geração de alto nível artístico e intelectual, na linha de O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, para ficarmos apenas no contexto mineiro”, compara Wander.
Para ele, a obra de Fernando é fundamental para entender a literatura brasileira da segunda metade do século 20. “Em sua escrita se cruzam o lirismo do poeta e a concisão do jornalista, abrindo caminho para uma dicção efetivamente nova na prosa brasileira”, conclui.
entrevista
HUMBERTO WERNECK
ESCRITOR
O mestre da narrativa
Qual é o lugar de Fernando Sabino na literatura brasileira?
O de mestre da narrativa. Poucos como ele foram capazes de resolver uma história com tão poucas e exatas palavras. O estilo econômico e veloz do romance O encontro marcado, cheio de cortes e elipses, influenciou e segue influenciando gerações – não apenas de ficcionistas, mas também de jornalistas.
A obra de Sabino tem recebido a atenção merecida por parte da crítica e da academia? Ou já começa a ser relegada ao limbo, como costuma ocorrer anos depois da morte de um autor?
Não é raro que a obra de um escritor, após a sua morte, atravesse uma hibernação, um tempo de relativo esquecimento. Foi assim até mesmo com Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Ao cabo desse parêntese temporal, o que é de qualidade volta à tona, para ficar. Sinto que isso começa a acontecer com a obra de Fernando Sabino, nove anos depois de sua morte. Seus livros de crônicas, a começar pelo clássico O homem nu, estão sendo descobertos pelas novas gerações, assim como O encontro marcado, que, 57 anos passados de seu lançamento, caminha para a marca raríssima de 100 edições.
O que Sabino significa para a literatura mineira?
Os anos que se passaram depois da morte de Fernando Sabino, o último dos quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse, como disse Otto Lara Resende, permitem enxergar com mais nitidez todo esse famoso grupo de talentosos escritores e sua admirável amizade de vida inteira. Sabino me parece hoje como aquele que, dos quatro, foi o mais fiel à paixão adolescente pela literatura, missão que soube manter no centro da sua vida. Teve várias outras atividades, entre elas as de editor de livros e documentarista, mas nunca deixou de dar primazia a sua obra literária. O menino que publicou o primeiro conto aos 12 anos continuava vivo no velho de 80, que, já bem doente, apenas cinco meses antes de morrer, ainda arrematava e lançava mais um livro, o romance Os movimentos simulados. (CHL)
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